Amar pelos dois

Mais importante que a luta dos trabalhadores por condições dignas é, por exemplo, a incessante procura de casa em Lisboa por parte da Madonna. Não é casual.

Madonna
Créditos / Zawya

«Yo le mato a usted el papá, la mamá, los tíos, a su esposa María, al niño Santiago, a la niña Pilar, hasta a su abuelita. Y si su abuelita ya está muerta, yo se la desentierro y se la vuelvo a matar», diz Pablo Escobar a um dos coronéis da polícia colombiana.

Nas famosas séries que tratam de exaltar o mais importante dos narcotraficantes, pouco ou nada se diz sobre a realidade do terceiro país mais desigual do mundo. Entre o charme dos bandidos colombianos e a coragem dos agentes norte-americanos da DEA, sobra pouco para a realidade.

Longe dos holofotes televisivos e das páginas dos jornais, a polícia colombiana assassinou, esta sexta-feira, cinco camponeses em luta e uma jornalista em Tumaco. Nesse mesmo dia, contra todas as evidências, o governo do Nobel da Paz, Juan Manuel Santos, acusou uma dissidência das FARC de estar por trás dos acontecimentos.

Dias depois, um grupo de activistas de organizações humanitárias acompanhados por jornalistas dos principais meios colombianos foram recebidos em Tumaco a tiro pela polícia.

Nem uma só palavra da esmagadora maioria da comunicação social portuguesa, que não é mais do que um disco riscado das agências internacionais de notícias. A mesma que tratou de silenciar a greve dos mineiros que paralisaram Neves Corvo.

Mais importante que a luta dos trabalhadores por condições dignas é, por exemplo, a incessante procura de casa em Lisboa por parte da Madonna. Não é casual. Há anos, quando estudava jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social, o actual pivot da TVI e director do Comité Editorial do grupo Media Capital, José Alberto Carvalho, reclamava com a desajustada nomenclatura jornalística das editorias.

Aos seus alunos propunha que se substituísse a secção Trabalho por Empresas e Negócios e Cultura por Entretenimento. E ainda que se admita que possa ser entretido para a Madonna procurar casa por Lisboa, é uma tragédia para milhares de lisboetas arredados para os subúrbios.

Mas é ainda mais trágico que o governo PS faça parte desse triste espectáculo que é o apartheid imobiliário, promovendo a vinda de figuras mediatizadas e alimentando a especulação.

O visto especial que a responsável pela Administração Interna deu a Madonna é um insulto. A distribuição de privilégios por parte deste e do anterior governo a estrangeiros em função do poder económico mostra bem o carácter de classe das políticas que os movem e do modelo de cidade que querem para Lisboa.

A esse propósito devem os almadenses ficar preocupados. Sobretudo os que foram obrigados a trocar a capital pela Margem Sul. Ainda não tomou posse e já Inês Medeiros diz que o «sucesso e dinamismo» de Lisboa não pode continuar a passar ao lado de Almada. Não é preciso ser-se futurólogo para adivinhar o que aí vem.

O que também parece arredado do alinhamento mediático são as eleições regionais marcadas na Venezuela para o próximo domingo.

A mesma oposição, que trata de denunciar o suposto carácter fraudulento de todos plebiscitos em que perde, candidata-se uma vez mais e os seus eleitos vão, como sempre, tomar posse. É uma divertida ditadura em que os únicos resultados válidos para a oposição são aqueles que a beneficiam.

Estranha-se ainda assim o silêncio do regime espanhol sempre tão rápido a imiscuir-se nos assuntos internos da pátria de Bolívar e Chávez. A braços com o povo catalão, a democrática Espanha lembra-nos como funcionavam os casamentos durante o fascismo. Se a mulher tenta conversar, ignora-se. Se a mulher reclama o direito de decidir o seu próprio futuro, diz-se que é ilegal. Se a mulher decide divorciar-se, usa-se a lei do cassetete.

E não faltam os jornais a explicar como se resolvem as coisas: se a mulher for razoável e recuar no divórcio, há espaço para o amor. É como diz a canção, «amar pelos dois».

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