A RTP transmitiu, no passado dia 5, a terceira parte do documentário «CITIZENFOUR» («Cidadão Snowden»), premiado com o Óscar de melhor documentário, cuja história começou em Janeiro de 2013, quando estando a realizadora Laura Poitras a fazer um filme sobre abusos de segurança nacional no pós-11 de Setembro nos Estados Unidos, começou a receber e-mails encriptados de alguém que se identificava como «CITIZENFOUR», que se dizia pronto a denunciar os programas de vigilância massiva dirigidos pela NSA (National Security Agency) e outras agências secretas.
Em menos de seis meses, depois de Snowden ter saído dos EUA para Hong Kong, e depois da administração norte-americana ter pedido a sua extradição sem êxito, Laura Poitras e o jornalista Glenn Greenwald, a quem Snowden confiou todos os elementos de que dispunha, trabalharam com ele meses a fio num documentário que viria a ganhar o Óscar no ano passado.
Snowden passou a Glenn e a Laura informações confidenciais da poderosa e tentacular NSA e de outras agências de inteligência, desmascarando práticas secretas de espionagem digital a milhares de cidadãos dos EUA e do mundo. Num trabalho coordenado por Glenn e pelo «The Guardian» a denúncia veio a público, provocando grande indignação e polémica. E Laura documentou em vídeo os múltiplos encontros entre Glenn e Snowden num quarto de hotel em Hong Kong, apresentando um documentário baseado neles o resultado em 2014.
Ao revelar-se há três anos ao mundo, Snowden afirmou:
«O meu nome é Ed Snowden. Há pouco mais de um mês, eu tinha família, um lar no paraíso, e vivia com grande conforto. Tinha também meios para, sem qualquer ordem judicial, procurar, avaliar e ler as comunicações de todos vós, comunicações de qualquer pessoa, a qualquer momento. E o poder para mudar o destino das pessoas.
Isso é também uma grave violação da lei. A 4.ª e 5.ª Emendas da Constituição do meu país, o artigo 12.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e inúmeros estatutos e tratados proíbem tais sistemas de vigilância pervasiva massiva. Enquanto a Constituição dos EUA define estes programas como ilegais, o meu governo argumenta que decisões tomadas por tribunais secretos, que o mundo não tem permissão para ver, legitimam, de algum modo, aquele procedimento ilegal. Essas decisões de tribunais secretos corrompem, simplesmente, as noções mais básicas da Justiça – que a Justiça, para ser feita, tem de trabalhar às claras. O imoral não pode ser transformado em moral por força de lei secreta.
Acredito no princípio declarado em Nuremberga em 1945: "Os indivíduos têm deveres internacionais que transcendem as obrigações nacionais de obediência". Portanto, cidadãos, indivíduos, têm o dever de violar leis domésticas para impedir que se cometam crimes contra a paz e a humanidade». (…).
Apesar de refugiados, de serem tratados como traidores pelos falcões que dirigem o Big Brother, a acção de Edward Snowden, de Julian Assange e da WikiLeaks tem sido de grande importância contra esta vigilância massiva que recorre a novas e caras tecnologias para manter controlados países, governos e povos.
O «The Guardian» foi o primeiro jornal a divulgar os documentos. Outros jornais de vários países do mundo seguiram-lhe o exemplo e foram divulgando, sistematicamente, a vigilância que devassa a vida de todos os cidadãos, os transforma em alvos de pressão política, chantagem e assassinato sem precedentes, atingindo também os próprios países e governos aliados dos EUA.
Edward Joseph Snowden, na altura com 30 anos, era analista de sistemas e administrador de sistemas da CIA e contratado da NSA. Vive, asilado em Moscovo há três anos, tal como o australiano Julian Assange, um dos responsáveis da WikiLeaks, jornalista e cibernauta, vive asilado há quatro anos, na Embaixada do Equador em Londres.
A actualização de dados que vão sendo extraídos da documentação em bruto e outras questões relacionadas podem encontrar-se: no «The Intercept», na Courage Foundation e no «The Guardian».
O já chamado «Arquivo de Snowden» inclui uma grande diversidade de documentos, com relevo para programas de monitorização e comunicações internas e pertencem essencialmente à NSA mas incluem também actividades de outros serviços secretos das mesmas áreas como o Government Communications Headquarters (GCHQ), britânico.
Aliás estas duas agências trabalham partilhando informações, o que permitiu a Snowden ter acesso a elas. Mas trabalham também em associação com as agências homólogas da Austrália, Nova Zelândia e Canadá (algumas das mais poderosas do planeta, conhecidas como os Five-eyes ou Cinco-olhos…), o que lhes permite ter uma visão muito ampliada das actividades de informação electrónicas.
São múltiplos os exemplos da natureza maciça desta monitorização. Por exemplo:
• A NSA recolhe 200 milhões de mensagens de texto e imagens por dia em todo o mundo;
• O GCHQ intercepta chats de vídeo de 1,8 milhões dos utentes da Yahoo!;
• A NSA é capaz de chegar a todos os lugares de um único país;
• O GCHQ intercepta quantidades astronómicas de dados nos diversos cabos submarinos que chegam à Grã-Bretanha, sendo mesmo capaz de manter uma cópia completa dos dados por três dias.
A lógica de funcionamento da captação de dados é recolher tudo em cada vez mais suportes num «palheiro» cada vez maior para depois selecionar a «agulha», tendo um dos cérebros do GCHQ já sugerido que se captasse tudo na Internet…Há agências e empresas a transbordar desta informação mas é assim mesmo que trabalham.
Depois das revelações de Snowden, a NSA e o GCHQ desenvolveram um sistema e processo de industrialização e automatização de infeção de milhões de computadores, que a NSA é capaz de inserir para modificar programas espiões em routers americanos, dispositivos que permitem fazer transitar uma grande quantidade de comunicações através da Internet, antes de a disponibilizar.
Com a passagem do tempo, a «porosidade» entre estes serviços secretos e empresas como a Microsoft, o Facebook, o Google, empresas de telecomunicações terrestres e marítimas foi sendo revelada, quer porque os primeiros o davam a entender quer porque as segundas, em jeito envergonhado reconheceram «acordos» entre as duas partes. O «Washington Post» revelou depois a pirataria da NSA em relação ao Google e à Yahoo!
Mas esta «porosidade» permite que a NSA exerça a sua pesada influência para enfraquecer certos padrões de encriptação dos dados, tornando potencialmente mais fácil a leitura de dados supostamente protegidos e debilitando a segurança de todos os utilizadores da Internet.
As revelações de Snowden permitiram também verificar que há governos de países como a Alemanha que prescindem de parte da sua soberania ao permitirem o acesso a dados recolhidos no seu território ou acesso a dados interceptados pelos próprios…
Outra faceta da actividade da NSA e GCHQ foi agora revelada pelo «Le Monde» que tem um acordo com «The Intercept». Supostamente a grande maioria da actividade destes serviços secretos deveria estar centrada no tráfico de armas, de drogas e de seres humanos ou na recolha de dados sobre grupos terroristas… Mas parece que não. A maioria das operações tem como alvos operadores de telecomunicações, quadros dirigentes destas e as suas actividades profissionais.
Também na investigação sobre o GCHQ no «Arquivo Snowden» o jornal francês encontrou relatórios de ensaio sobre links de satélite que transportam tráfego de internet e telefone. Na Primavera de 2009, a agência interceptou comunicações internas de duas operadoras muito activos no Médio Oriente e em África.
A «rede Zain», criada pelo GCHQ, está muito presente em África e ainda operava, à data da divulgação do «arquivo», em 2013, em quinze países, do Burkina Faso ao Níger passando pelo Uganda e pelo Chade, procedendo à vigilância de chefes de estado de vários países, incluindo José Eduardo dos Santos.
Snowden e Assange foram vítimas de perseguição, de ameaças de morte, de mentiras, estão limitados nos pequenos espaços que a solidariedade da Rússia e do Equador lhes concederam, perderam a vida familiar e o direito ao bem-estar. Tiveram uma atitude corajosa para o bem da humanidade, ao contribuírem para que, nestes três anos, os povos de todo o mundo pudessem ter algum acesso ao conhecimento sobre o controlo total que o imperialismo procura ter sobre eles.
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