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«Interessa-me prosseguir este caminho de uma literatura que já tem oito séculos»

Os primeiros contos ficaram na gaveta, porque os amigos o desencorajaram, mas, ao fim de 40 anos de carreira literária, Mário de Carvalho tornou-se uma voz maior da literatura portuguesa.

São assinalados 40 anos de carreira literária de Mário de Carvalho na próxima segunda-feira. 
Créditos / Lusa

Desde que publicou os primeiros textos, Contos da sétima esfera (1981), nunca mais precisou de tomar a iniciativa de levar os textos a qualquer lado, porque passou a ser sempre solicitado, até hoje, 40 anos depois de iniciada uma carreira literária em que experimentou todos os géneros, menos a poesia, que considera «demasiado nobre para [o seu] alcance».

Para assinalar este percurso literário, Mário de Carvalho vai ser homenageado na segunda-feira, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Recuando quatro décadas nas suas memórias, o escritor recorda, em entrevista à agência Lusa, o início desta caminhada, fortemente alimentada pela banda desenhada, pela biblioteca do pai e pelos amigos, mas também por estes desencorajada.

«Fui escrevendo uns contos, já desde há algum tempo que escrevia, desde os anos [19]60/70. Escrevi algumas coisas que mostrei a amigos meus que me desencorajaram: ‘Os surrealistas já fizeram isto há muitos anos, deixa-te disto’. E eu deixei».

Mas a necessidade de escrever foi-se impondo, como um «impulso difícil de contrariar», o de lançar no papel as ideias, as situações, as personagens que lhe ocorriam.

Mário de Carvalho, hoje com 77 anos, acredita que isso teve que ver com o seu «mundo de leituras«, porque em jovem foi «um voraz leitor de toda a espécie de livros».

Assim, foram-se somando os contos até que os levou à editora Vega, na altura dirigida pelo escritor João de Melo, que gostou dos textos.

«A partir daí, foram editados e passei a ser solicitado, ou seja, tenho ideia de que nunca tomei a iniciativa de levar os meus textos a qualquer lado, porque houve sempre alguém que mos pediu até hoje, livro após livro, editora após editora», contou.

Na altura já exercia advocacia, a área em que se licenciou e para a qual tinha a vida orientada.

«Os contos foram surgindo a pouco e pouco e, na altura, de um advogado que escrevia livros, passei a ser um escritor que também era advogado», até que finalmente deixou a advocacia.

A escrita ficcional impôs-se-lhe por gosto e sente que a certa altura adquiriu facilidade em criar situações e personagens, confrontando-as sempre com o que já conhecia, quer da literatura, quer da Banda Desenhada.

«Fui um leitor fiel e constante de uma revista que se chamava Cavaleiro Andante e de outra que circulava muito entre miúdos que era o Mundo de Aventuras. Isto fornecia-me um manancial de personagens, de situações complicadas, de avanços e recuos», recorda.

Para o então jovem Mário de Carvalho, era «muito interessante essa consulta semanal do Cavaleiro Andante, a troca de impressões com os colegas que liam a mesma revista», e isso deu-lhe «alguma agilidade na conceção de personagens e de situações dramáticas».

Mas também havia as «leituras sérias», e cedo começou a ler Eça de Queiroz e Aquilino Ribeiro.

«O meu pai tinha uma biblioteca grande, boa, e deixava-me mexer nos livros à vontade, a não ser em alguns livros que depois percebi que tinham um caráter erótico, que estavam numa estante lá em cima, num ponto onde não conseguia chegar. De resto facultava-me os livros e eu andava com eles, levava-os para o liceu e para onde quisesse, e ia lendo sempre».

Mais tarde foi apresentado a Jorge Luis Borges, que o deixou «absolutamente fascinado», e a outros autores latino-americanos, mas sempre foi um leitor muito variado.

«Era capaz de ler Sob a bandeira da coragem, de Stephen Crane, ao mesmo tempo tentar ler O Malhadinhas, do Aquilino – e digo tentar porque não era nada fácil -, mas também ia avançando para o Eça e algum Camilo Castelo Branco».

Mário de Carvalho reconhece que havia um contexto que facilitava tudo, o facto de os seus amigos também serem bons leitores, o que proporcionava que trocassem e comentassem livros.

«Encontrávamo-nos todos os dias e, entre as muitas coisas sobre que se conversava, nomeadamente política, também se conversava sobre livros, e os livros circulavam».

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Era bom que trocássemos umas ideias sobre o Mário de Carvalho

A Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) vai homenagear o escritor pelos seus 40 anos de vida literária, numa sessão pública a realizar no dia 22 de Novembro, pelas 18h30.

Mário de Carvalho
CréditosJoão Relvas / Agência LUSA

De maneira que é claro... não se comemoram 40 anos de literatura, «muitos anos, tanta coisa, o real, multiforme, nem sempre aprazível, a fervilhar, por dentro e por fora», como os descreve Mário de Carvalho no prefácio do seu último livro, sem um evento para assinalar, formalmente, a coisa. É da praxe, ainda para mais quando se trata de um dos mais singulares escritores da literatura contemporânea em língua portuguesa.

Escreve como se fosse «uma criança erudita», assim o descreve o humorista Ricardo Araújo Pereira, por ocasião do lançamento do livro de crónicas O que eu ouvi na barrica das maçãs», «que já nos habituou às mudanças de estilo, que nos trocam as voltas».

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Mário de Carvalho: «Nem tudo o que vem de antes é clássico»

O escritor, que acaba de lançar o seu livro de memórias «De Maneira que é Claro», um conjunto de pequenos relances, aleatórios, da sua vida, revela ao AbrilAbril que não se mostra preocupado com o futuro dos grandes clássicos da literatura.

Mário de Carvalho 
Créditos / Mário de Carvalho

«A questão é que os meus alunos de Oxford, de Cambridge, os de Genebra e de Harvard já não sabem o que significa ‘Roncevaux’. A próxima edição terá de trazer uma nota de rodapé, que destrói completamente o propósito da palava», lamentava-se George Steiner, numa entrevista ao programa holandês, O Belo e a Consolação. «No tempo do Ernest Hemingway, com a sua vasta audiência, era um romance muito popular, em que se podia assumir que Roncevaux era tudo o que era preciso dizer».

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Mário de Carvalho vence Grande Prémio de Crónica Literária

O escritor Mário de Carvalho é o vencedor do Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários, da Associação Portuguesa de Escritores (APE), com o livro O que eu ouvi na barrica das maçãs.

Mário de Carvalho
CréditosJoão Relvas / Agência LUSA

O Grande Prémio de Literatura Crónica e Dispersos Literários APE/Câmara Municipal de Loulé foi atribuído por unanimidade do júri, constituído por Cândido Oliveira Martins, Carlos Albino Guerreiro e Paula Mendes Coelho.

O júri justificou a escolha deste livro de Mário de Carvalho, O que eu ouvi na barrica das maçãs, editado pela Porto Editora, por estabelecer a «plena conjugação com a linha característica do género da crónica na tradição literária portuguesa», o que o fez destacar-se entre o «conjunto das obras apresentadas a concurso».

O prémio destina-se a galardoar anualmente uma obra em português, de autor português, publicada em livro e em primeira edição em Portugal. Em edições anteriores, este prémio já distinguiu os autores José Tolentino Mendonça, Rui Cardoso Martins, Mário Cláudio e Pedro Mexia.

O que eu ouvi na barrica das maçãs reúne algumas crónicas do escritor, escolhidas e agrupadas em quatro actos, que testemunham um largo campo de assuntos, abordagens, dimensões e estilos, através de eras e lugares.

O título é retirado de A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson, e servira já para titular a rubrica quinzenal de crónicas do escritor, no jornal Público, uma das fontes de alguns dos textos que compõem o livro.

Sobre as crónicas incluídas nesta obra, o jornalista Francisco Belard, que assina o prefácio, realça que nelas coexistem «o erudito e o vernáculo com os plebeísmos, tal como os refúgios culturais não isolam [Mário de Carvalho] das conversas de táxi».

Nascido em Lisboa em 1944 e licenciado em Direito, Mário de Carvalho é um dos antifascistas que estiveram presos na cadeia política da Fortaleza de Peniche.


Com agência Lusa

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Roncevaux é um lugar de passagem nos Pirenéus, no País Basco, onde terá sido morto o cavaleiro Rolando com os seus paladinos, atraiçoados quando retornavam a França na traseira do exército de Carlos Magno. Esta história deu origem ao primeiro romance de cavalaria que nos chega aos dias de hoje, A Canção de Rolando.

O AbrilAbril conversou com o escritor Mário de Carvalho sobre o papel que os clássicos da Literatura ainda podem desempenhar nos dias de hoje.

As notas de rodapé limitam, de alguma forma, a experiência de leitura de um texto literário? Não será inevitável que textos com várias centenas de anos percam alguma da sua actualidade?

As notas de rodapé (desde que criteriosas) podem ser um auxiliar de leitura importante. Esclarecem sobre personagens, situações, cronologias e outros elementos que podem ser fundamentais para uma plena compreensão do texto. A actualidade acrescenta sempre qualquer coisa aos textos mais antigos. Se algo se perdeu com o correr os anos, algo se ganha também com uma experiência de leitura acrescida.

Não pode também demonstrar que algumas formas de expressão, estéticas, morais, formais, estão ultrapassadas? O etnomusicólogo Anthony Seeger considera inevitável que todas as formas de expressão cultural acabem por se tornar irrelevantes, que "morram" de certa forma..

A arte não morre. Não cabe, em termos artísticos, a linguagem automobilística da 'ultrapassagem'. Certas formas vêm ao de cima em certas épocas, são mais ou menos apreciadas, comentadas e vistas, mas, no fundo continuam lá, ao dispor de quem as procure.

Assumindo que a literatura nunca foi uma forma de expressão massificada como é hoje a música ou o cinema, cada Português compra, em média, pouco mais de um livro por ano, não lendo mais do que isso no mesmo período. Terá chegado ao fim o tempo dos clássicos?

Nem tudo o que vem de antes é clássico. Quando se fala em "clássico" queremos sobretudo significar aqueles textos de referência, de especial qualidade literária, que marcam uma época e que são indispensáveis para a nossa formação intelectual. E se (outra questão…) os portugueses lêem pouco, isso terá que ver com o descaso da grande comunicação social, com o bombardeamento de anúncios, numa sofreguidão da compra e venda, que não deixa lugar á reflexão e ao prazer estético.

Autores como o Aquilino Ribeiro, que andou esquecido durante umas décadas, exigem um grande compromisso por parte do leitor... O prazer estético da Grande Casa de Romarigães e das Terras do Demo conseguirá enfrentar essa «sofreguidão»?

Não creio que Aquilino tenha estado tão esquecido como isso. Continuou sempre a ser lido e apreciado por bons leitores da Língua Portuguesa. Nem sempre foi o caso dos comentadores de jornal, cujo escasso alcance o omitia. Daí, do silêncio duma alheada comunicação social, a tal impressão de 'esquecimento'. Mas parece – espero não estar enganado – haver agora, por aí, uma nova geração mais informada, mais a par da nossa secular literatura.

Como é que uma geração formada nas redes sociais, que desenvolveu uma forma muito própria de se relacionar na internet, através de vídeo, imagem e som, uma sociedade do momento, dedicada quase exclusivamente ao fugaz, pode recuperar o interesse pelas velhas e universais verdades da literatura clássica?

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Mário de Carvalho: Não se deve perder de vista um mundo mais justo e solidário

O escritor alerta para as «tremendas transformações» que o mundo está a sofrer, em que se assiste à recuperação de pontos de vista que se pensavam «completamente ultrapassados».

Mário de Carvalho
CréditosJoão Relvas / Agência LUSA

A «reactivação do nazismo» é uma das preocupações expressas pelo escritor, numa conversa com José Jorge Letria, colocada no livro Mário de Carvalho: Nem Um Dia sem Uma Linha, da colecção «O Fio da Memória» publicada pela Guerra & Paz.

O título escolhido é inspirado numa máxima atribuída ao escritor latino Plínio, o Velho, «nem um dia sem uma linha», que Mário de Carvalho utilizou para se referir ao seu método de trabalho.

Face às «tremendas transformações» e aos sinais da recuperação de conceitos «completamente postos de lado», «alguns dos quais [que] não são contrariados», Mário de Carvalho afirma: «bater-me-ia pela manutenção duma Europa democrática forte.»

Carvalho, autor de romances como Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde (1994), que lhe valeu quatro prémios literários, diz que nunca se deve «perder de vista o horizonte dum mundo mais fraterno, justo e solidário».

Na opinião de Letria, Mário de Carvalho é «um dos mais importantes escritores das últimas décadas», referindo que a política o «seduziu» cedo, tendo sido criado numa família de ideais republicanos, que nunca o quis ver vestido, quando aluno do Liceu Gil Vicente, em Lisboa, com a farda da Mocidade Portuguesa, organização juvenil da ditadura de Salazar.

Sobre a conversa, agora vertida em letra de forma, Letria adianta, num texto introdutório, que se «fala da vida, da política e dos livros com a mesma serenidade ponderada com que sempre falou das coisas que marcaram a sua vida como cidadão e autor».

Mário de Carvalho estreou-se literariamente em 1981, com o livro Contos da Sétima Esfera, ao qual se seguiu, em 1982, outro livro de contos, Casos do Beco das Sardinheiras. O seu primeiro romance, O Livro Grande de Tebas, Navio e Mariana (1982), valeu-lhe o Prémio Cidade de Lisboa.

O autor, com 74 anos, tem editados 30 títulos, entre ensaios, contos, novelas e romances.


Com agência Lusa

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Em primeiro lugar, entrando em contacto com elas, ultrapassando a sonegação que lhes é feita de uma abundante fonte de enriquecimento cultural. Por outro lado, tem-se demonstrado como os novos meios de comunicação podem ser, por um lado, um poderoso estímulo à descoberta e à leitura dos clássicos, por outro, eles próprios, beneficiários de ideias, argumentos, personagens, que um lastro histórico lhes oferece.

Que nomes da literatura portuguesa do séc. XX considera serem imprecindíveis para o nosso cânone? Já aqui mencionámos Aquilino Ribeiro...

José Cardoso Pires, Maria Velho da Costa, José Saramago, Nuno Bragança, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira...

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Mário de Carvalho foi distinguido com alguns dos mais prestigiados prémios literários portugueses e internacionais, nomeadamente os Grandes Prémios de Romance e Novela, Conto e Teatro da Associação Portuguesa de Escritores (APE), aos quais se juntou, mais recentemente, em 2020, o Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários.

A sessão de homenagem, a realizar no dia 22 de Novembro, vai ser presidida pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e contará com a presença do Reitor da Universidade de Lisboa, o professor Luís Ferreira e do director da Faculdade de Letras, professor Miguel Tamen. Enquanto oradores intervirão Paula Morão, professora emérita da FLUL e Manuel Frias Martins, ensaísta e crítico literário, professor aposentado da FLUL.

Editado em 2021, De maneira que é claro... é composto por 96 curtíssimos textos, «relances breves, aleatórios, reminiscências evocadas entre lacunas e ao correr da pena», sobre a sua vida, entre memórias sobre a resistência antifascista, a escola Gil Vicente, o PCP, as férias no Alentejo, a prisão e, claro está, o cowboy Shane.

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Ao longo da sua vida literária, o escritor já passou por vários géneros, diz que tem «o gosto de borboletear», varia muito e muda de registo, o que, confessa, lhe dá algum prazer.

Tem andado pelo conto, pelo romance e por várias épocas, conforme o que se lhe apresenta, mas nunca escreveu poesia, nunca teve «esse atrevimento».

«Não sei quem foi que disse, que isto da poesia é mais da arte da magia do que outra coisa. Não é propriamente literatura, é magia e eu de mago não tenho nada, por isso não, nunca, a não ser, talvez, na adolescência tenha feito um poema ou outro, como os outros faziam, mas nunca me atrevi a ir para esse terreno, que me parece demasiado nobre para o meu alcance».

A escrita de Mário de Carvalho também é feita de obsessões, de certos temas que se impõem e que não o deixam descansar enquanto não estão prontos.

Foi o caso de um livro que o «obcecou durante anos» e que seria publicado mais tarde com o título O livro grande de Tebas, Navio e Mariana, e que teve que ver com uma reminiscência que tinha desde miúdo: estava a ver uma revista policial e havia uma referência à cidade de Tebas, e esse nome ficou-lhe «a ressoar durante anos».

A mudança de registo literário em Mário de Carvalho relaciona-se sempre com o tema que escolhe tratar, e o autor afirma ter muito cuidado em manter uma linguagem adequada ao assunto e à época, estudando previamente para isso, se for o caso: «Tenho cuidado na seleção de vocábulos, mas também o próprio ritmo das frases é diferente».

«Temos que ter cuidado com isso e procurar encontrar um tom, o ritmo, ler coisas de época e procurar cumprir o pacto com o leitor, o célebre pacto com o leitor, ou seja, se eu estou a escrever sobre o século XVIII, estamos no século XVIII e não há frases, nem realidades posteriores. Se estou a escrever sobre os anos 20, estamos no mundo dos anos 20 e penso que o leitor espera isso, que o autor se informe e não entre pela inverosimilhança».

Sobre uma apreciação que por vezes é feita às palavras que utiliza, como sendo difíceis, Mário de Carvalho considera não ser muito correta, pois limita-se a utilizar as palavras que lhe parecem adequadas à situação que está a ser tratada, para «acentuar mais matizes e procurar certos efeitos».

«Não tenho nenhuma pretensão de deslumbrar com palavras difíceis, de forma nenhuma. As palavras que utilizo não são difíceis para mim nem para outras pessoas da minha geração e, portanto, se alguém não as conhece, o problema não é meu, o problema é que as pessoas estão muito ligadas ao vocabulário básico elementar das televisões e das rádios, quando o nosso vocabulário atual é muitíssimo mais versátil e muitíssimo mais rico e está lá para ser empregado, não está para ser omitido».

Se isso significa vender menos livros, é algo que não o aflige, porque não é essa a razão por que escreve: «Interessa-me prosseguir este caminho de uma literatura que já tem oito séculos, que não é de agora, e de vez em quando não é mau darmos uma espreitadela para aquilo que está lá para trás e que nos formou».

Os trovadores, os homens do renascimento, escritores «perfeitamente fascinantes, como Gil Vicente», ou o «espantoso mestre da língua e da clareza» Padre António Vieira são alguns dos autores que de vez em quando revisita.

Olhando para trás, não tem razões de queixa: «Nunca fui um chamado best seller, mas os meus livros têm-me corrido razoavelmente e tanto que, ao fim de 40 anos, eu ainda estou para aqui», já com «uma certa tranquilidade», sem essa «efervescência e emoção de outros tempos».

«As coisas seguem o seu ritmo e penso que, sem falsas modéstias, há um lugar marcado na nossa literatura que não é minha, não fui eu que inventei, são oito séculos, e eu sinto-me a trabalhar nessa base, sou uma voz que se soma a oito séculos de experiência literária e de avanços e recuos neste campo da literatura».

Nascido em Lisboa, em 1944, combatente da ditadura, que o levou à prisão, Mário de Carvalho estreou-se na literatura aos 37 anos, com Contos da sétima esfera, publicados em 1981.

Desde então, entre romance, novela, conto, ensaio, crónica, teatro e literatura para a infância, soma mais de 30 títulos, entre os quais se encontram Um deus passeando pela brisa da tarde, A inaudita guerra da avenida Gago Coutinho, Os alferes, Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto, Apuros de um pessimista em fuga, Fantasia para dois coronéis e uma piscina e Se perguntarem por mim, não estou seguido de Haja harmonia.

Os prémios chegaram desde logo com as primeiras obras, como o Prémio Cidade de Lisboa e o Prémio D. Dinis, atribuídos ainda durante a década de 1980.

Entre outros, recebeu os Grandes Prémios de Romance e Novela, Conto e Teatro da Associação Portuguesa de Escritores (APE), o prémio do PEN Clube Português, de narrativa e de ensaio, o prémio internacional Pégaso de Literatura, o Prémio Fernando Namora, por duas vezes, o Grande Prémio de Literatura dst e o Prémio Vergílio Ferreira, de carreira, da Universidade de Évora.

Em 2020, recebeu, pela quarta vez, um grande prémio da APE, este de Crónica e Dispersos Literários, pelo livro O que eu ouvi na barrica das maçãs.

No ano passado publicou igualmente Epítome de pecados e tentações, uma nova coletânea de contos e novelas.

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