Coimbra vendo as estrelas (salvo seja), Lisboa ouvindo Ernest Chausson, Chopin e não só, e a grande música na rádio pública
Hoje não sei para que centro me virar (salvo seja). Acho que para já me fico por Coimbra, Teatro da Cerca de S. Bernardo, onde, como dizem os da Escola da Noite, «o ano começa da melhor maneira, com o Taleguinho a dar as boas-vindas a 2017», ano em que o Teatro e a companhia celebram o seu 25.º aniversário.
Marcada para dia 7 de Janeiro, é a primeira sessão dos «Sábados para a infância» do novo ano. Cito: «Estreado no Natal de 2015 e indicado para crianças a partir dos três anos, «Ficar a ver estrelas» é a segunda criação do Taleguinho, projecto musical para a infância da cantora Catarina Moura e do compositor e multi-instrumentista Luís Pedro Madeira. (…) Este concerto reúne músicas do cancioneiro tradicional galaico-português (neste caso dedicadas ao Natal e às Janeiras), bem como histórias e lengalengas que fazem parte da tradição oral portuguesa, interpretadas num surpreendente espaço cénico, adequado ao visionamento das estrelas e das ilustrações feitas pelo próprio Luís Pedro Madeira.» Vá, não hesitem. Vão ver e ouvir que vale a pena.
Voltemo-nos para Lisboa e para a Gulbenkian, onde, a 12 de Janeiro, às 21h, no Grande Auditório, a Orquestra Gulbenkian, dirigida pelo maestro Lorenzo Viotti, interpreta Richard Wagner (Tristão e Isolda: Prelúdio do 1.º Acto), Ernest Chausson (Poème de l’amour et de la mer, op. 19), Claude Debussy (Prélude à l’après-midi d’un faune), Alexander Scriabin (Le Poème de l’extase, op. 54).
A meio-soprano francesa Karine Deshayes, segundo o programa, dará voz a Poème de l’amour et de la mer, «uma das mais ambiciosas obras do compositor francês Ernest Chausson». Título/tema do concerto: Amor e Êxtase.
Já a 19, a mesma Orquestra Gulbenkian, mas dirigida por Stéphane Denève, e com Yulianna Avdeeva no piano, interpretará O Carnaval Romano, op. 9, de Berlioz, o Concerto para Piano n.º 2, em Fá menor, op. 21, de Chopin, e a Sinfonia n.º 2, em Ré maior, op. 73, de Brahms. No Grande Auditório, uma vez mais.
E, já que falamos de música, experimente, caro leitor-ouvinte, desfrutar do serviço público da rádio portuguesa. Desafio-o a escutar mais a Antena 2 e a dar graças por ter ao seu alcance esta magnífica estação radiofónica. Hoje, destaco o programa «A Propósito da Música», do musicólogo Alexandre Delgado – apuradíssimo exemplo de serviço público, que, esse sim, merecia remuneração com salário de administrador e medalha no 10 de Junho.
Os programas de «A Propósito da Música» exigem honesto estudo, investigação, minuciosa análise das peças musicais, clareza pedagógica e cultura musical – entre muitas outras competências. Neste momento, analisam-se e escutam-se as Cantatas de J. S. Bach – antes foi o Cravo Bem Temperado. Não descansei, aliás, enquanto não tive nas mãos e nos ouvidos o Primeiro Caderno, pelo piano do grande Maurizio Pollini (Bach – The Well-Tempered Clavier 1, da Deutsche Grammophon, 2009), cuja interpretação aprendi a conhecer com Alexandre Delgado – e no Natal lá me chegou este específico Pollini, trazido por melómanas mãos filiais. Antes tinham sido as seis Suites para Violoncelo Solo do Thomaskantor de Leipzig, analisadas por Delgado com inteligência, rigor, sensibilidade. Trabalho inestimável, a que não é possível ficar indiferente.
No Porto, os Clã, Regina Guimarães e mais um Concerto pela Paz
Mudando de músicas, e subindo para o Porto, vá ver e ouvir os Clã e outros, no palco do Teatro Nacional de Carlos Alberto (até 29 de Janeiro), a interpretar o espectáculo «Fã», texto da escritora (poeta, dramaturga, argumentista de indiscutível talento) Regina Guimarães, que sempre gostou de estimular nos mais novos a autonomia e o espírito crítico, e desenvolver-lhes o sentido estético. É um musical para crianças, jovens e adultos, com encenação de Nuno Carinhas e composição e direcção musical de Hélder Gonçalves. A SIC fez reportagem: falava de tudo e de todos menos da autora do texto; o Jornal de Notícias de 4 de Janeiro chamava-lhe Regina Magalhães. Mas eu pergunto-me, uma vez mais: com que diabo de media estamos metidos?
Ainda no Porto, não perca, no Rivoli, a 7 de Janeiro, pela 17h, o Concerto pela Paz, organizado pelo Conselho Português para a Paz e a Cooperação (CPPC). É a segunda edição na capital do norte, esperando-se que se repita o sucesso do ano anterior. Presença do Bando dos Gambozinos, do Colectivo Uma Vontade de Música, do Ballet Teatro, do Conservatório de Música do Porto, do Coral de Letras da Universidade do Porto, da Orquestra Juvenil da Bonjóia e de Pedro Abrunhosa.
Entrada gratuita mediante levantamento de bilhetes na bilheteira do Rivoli. Uma relevantíssima iniciativa pela paz, em tempos de guerra, como são efectivamente aqueles em que vivemos, e de permanentes e intoleráveis ameaças à paz, patrocinadas pelo grande capital.
Gaia com cinema, Janeiras e debate sobre direitos da mulher
Ainda a propósito de paz e de guerra, se se voltar para sul, do outro lado das pontes sobre o Douro, tem, a 11 de Janeiro, a projecção do filme «Cartas da Guerra», de Ivo M. Ferreira, inspirado em missivas de Lobo Antunes durante a Guerra Colonial que foram publicadas em livro. É às 15h30 e 21h30, no renovado Cine Teatro Eduardo Brazão, de Vila Nova de Gaia.
«A câmara é um meio fluído de encontrar essa outra realidade.»
Jerry N. Uelsmann
Também pode assistir no sábado, 14, ao 27.º Encontro de Cantadores de Janeiras. Com a participação da Ronda de São Salvador, do Grupo Recreativo e Cultural do Loureiro, do Rancho Folclórico Pindelo de Silgueiros, do Clube Recreativo Pioneiro de Queimadela e do Rancho Regional de Fânzeres. 21h30. Local: Auditório Paroquial de Santo António, em Grijó, Gaia.
E, ainda em Gaia, tem o 6.º Ciclo de Conversas Amplas «As mulheres e os seus direitos» com a presença de Ilda Figueiredo. É às 21h30 no Grupo Dramático de Vilar do Paraíso.
Teresa Salgueiro e fotografia, em Lousada
Não se esqueça que, a meia hora/três quartos de hora de caminho (se for de automóvel), no Auditório Municipal de Lousada, pode ouvir mais música: a 13 de Janeiro, às 21h30, estará lá Teresa Salgueiro. E, se chegar mais cedo, aproveite e passe pela dinâmica Biblioteca Municipal: de 9 a 31, pode ver uma exposição de fotografia, «Emanação», de Rita Mendes, baseada no «Livro do Desassossego» de Fernando Pessoa e na citação de Jerry N. Uelsmann: «A câmara é um meio fluído de encontrar essa outra realidade».
Imprescindível Blimunda, uma revista onde a literatura é bem-amada
Livros? Pois bem, siga este conselho: vá ao sítio da Fundação José Saramago e aproveite para ler, na Net, a estupenda revista digital Blimunda. Acaba de ser colocado em linha o número de Dezembro de 2016. Trata-se de uma estimável iniciativa, que conta com bons trabalhos críticos e de divulgação, a par de entrevistas e reportagens, da autoria de Andreia Brites, Sara Figueiredo Costa, Ricardo Viel e de outros colaboradores. O grafismo, sempre desafiador, é de Jorge Silva. O director é Sérgio Machado Letria, igualmente director executivo da Fundação.
Na Blimunda, encontrará numerosas sugestões de leitura, tanto para graúdos como para miúdos, a par de muitas outras propostas culturais, cá dentro e lá fora. E, naturalmente, descobrirá sempre novas leituras de Saramago, além de fragmentos marcantes da sua obra (porque não reuni-los, um dia destes, numa pequena antologia saramaguiana?).
A Blimunda é um notável trabalho de devoção à literatura, inteligência crítica e preocupação genuína com a promoção do livro e da leitura. Conheça esse trabalho. É como Alexandre Delgado na música. A equipa merece medalha no 10 de Junho.
Livros: novela gráfica, Veneza, uma revista de poesia e não só e um livro para conhecer a Palestina e a sua luta
Umas sugestões de leitura, a concluir. Em primeiro lugar, mais uma magnífica novela gráfica da dupla espanhola Altarriba e Kim: «A asa quebrada» (Lenoir, 2016), a outra face de «A arte de voar», dos mesmos autores. O primeiro é a história de uma mulher, o segundo a de um homem. Altarriba, num registo com algumas implicações autobiográficas (a inspiração são os pais) revisita, de modo cru mas singular, a turva História da Espanha do século XX, com tudo o que sabemos.
«Veneza, um interior» (Relógio d’Água, 2016), de Javier Marías, é mais do que um pequeno livro de viagens – se calhar nem chega a sê-lo. Uma viagem mais interior do que exterior. É um conhecimento da «Sereníssima» por dentro. Não o esperado postal, daí o título. Veneza vista, desde logo, pelo olhar dos que nela habitam. Veneza vista de dentro e, repito, por dentro. Mas não só. Boa tradução de José Bento e Manuel Alberto.
Quanto ao n.º 21 da revista Telhados de Vidro, traz muita poesia, alguma prosa narrativa (por exemplo um dos habitualmente apetecíveis contos de A. M. Pires Cabral), ensaios e alguns outros textos inclassificáveis, e ainda bem. Mas pelo meio surgem também três poemas de Katherine Mansfield traduzidos por Inês Dias, «Elêusis» de Hegel, dedicado a Hölderlin em 1796, e traduzido por Bruno C. Duarte e dois poemas de Pablo Fidalgo Lareo, vertidos para português por Manuel de Freitas.
Por último, se deseja conhecer, em 46 páginas, informação rigorosa sobre a Palestina, a sua História, a sua cultura (incluindo breves referências ao pintor Ismail Shammout, ao notável ensaísta e académico Edward Said e ao grande poeta Mahmoud Darwish), a trágica cronologia da ocupação e destruição da Palestina por Israel e as suas origens mais remotas; se deseja conhecer a fundo e com verdade as razões históricas da luta dos palestinos pela sua libertação e emancipação – não deixe de ler um livro simples, bem feito e estruturado, editado em 2016 pelo Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente: o MPPM. Intitula-se «O Essencial sobre a Questão Palestina». É fundamental que o adquira, que o leia, que o divulgue.
Cito da contracapa: «A Questão Palestina não é um conflito israelo-palestino. É uma história de violência sobre o povo palestino, de violação dos seus direitos humanos, de ocupação do seu território, de apropriação dos seus recursos. Mas é também a história da resistência heróica de um povo pela afirmação da sua identidade nacional, assente numa cultura milenar, e da luta pelo reconhecimento dos seus direitos naturais.»
Fique a conhecer também este imprescindível movimento, cada vez mais activo, que é o MPPM.
Boas leituras! E boa reflexão sobre elas.
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