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Armamento alemão continua a alimentar a Arábia Saudita

Apesar de políticos alemães se vangloriarem dos controlos rigorosos do país no que toca à exportação de armamento, a guerra no Iémen é demasiado lucrativa e a Arábia Saudita é um parceiro valioso.

Num dia de intensos ataques da coligação liderada pelos sauditas, a Unicef alertou para as condições extremas em que vivem as crinças no Iémen
AUnicef tem alertado reiteradamente para a situação que as crianças enfrentam no IémenCréditos / Sputnik News

No final de Outubro, a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciou que o seu país suspendia – de forma temporária – a exportação de armas com destino à Arábia Saudita, tendo em conta as «circunstâncias inexplicadas» do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi. E o ministro alemão da Economia, Peter Altmaier, pediu aos parceiros europeus que aderissem ao embargo.

Tudo isto depois de as empresas alemãs de armamento terem lucrado milhares de milhões de euros com a venda de armas à Arábia Saudita e a outros países que, há quase quatro anos, são responsáveis pela matança no Iémen. De acordo com dados recentes, mais de 56 mil pessoas morreram ali desde o início da guerra de agressão liderada pela Arábia Saudita e milhões são afligidos pela fome e pela doença.

A Alemanha gaba-se – e os políticos do país gostam de o fazer, segundo refere a Deutsche Welle (DW) – de possuir critérios rigorosos no que respeita à exportação de armamento, que, supostamente, impedem a sua venda para «regiões de grande tensão» no globo e que excluem a venda de material bélico a países directamente envolvidos na guerra de agressão ao Iémen.

No entanto, a investigação realizada pelo meio de comunicação alemão evidencia que o país lucrou tremendamente com o conflito no Iémen – durante o qual têm sido documentadas atrocidades múltiplas cometidas pelos sauditas e a aliança que lidera: entre outras, ataques a um autocarro escolar, a uma celebração fúnebre, a um casamento, a bairros residenciais e infra-estruturas agrícolas –, e que as armas de fabrico e concepção alemã continuam a chegar à Arábia Saudita e a cair no Iémen, mesmo com a suspensão – temporária – decretada em Outubro.

Um «inferno na terra» alimentado pelo negócio das armas

Na reportagem que publicou no passado dia 5, a DW destaca a expressão de um trabalhador humanitário na cidade costeira de Hudaydah, que é alvo de uma ofensiva saudita, dos Emirados Árabes Unidos e de milícias iemenitas desde Junho e cujo porto tem sido sujeito a um bloqueio por parte destas forças: «Estamos a viver no inferno!»

Um «inferno», sublinha a DW, que é alimentado pelas empresas de armamento, nomeadamente as europeias, para quem a guerra é uma enorme fonte de lucro. A Arábia Saudita, que lidera a coligação de agressão ao Iémen, tem sido um dos clientes de topo do armamento alemão: a Alemanha é o quarto maior exportador para o reino árabe, depois dos EUA, do Reino Unido e da França.

Uma das restrições de que os políticos alemães se gabam é a de que não pode haver exportações de armamento para países directamente envolvidos neste «inferno». No entanto, destaca a DW, a lei alemã garante às empresas que fabricam e exportam armamento a possibilidade de continuarem a vender para esses países, desde que «provem» que o armamento fica nos países para os quais foi exportado. Na prática, trata-se de um buraco na lei, através do qual as armas continuam a cair no Iémen.

Para além disso, há a questão dos componentes. A DW lembra que, quando o Reino Unido abastece a Força Aérea saudita com caças Eurofighters, cerca de um terço dos componentes – de pequena e grande dimensão – é fabricado na Alemanha.

Bombas de concepção alemã no Iémen

A Rheinmetall, o maior fabricante de armas alemão, com sede em Dusseldorf, tem uma empresa subsidiária na Sardenha – a RWM Italia. A DW refere que uma organização iemenita de defesa dos direitos humanos conseguiu provar que, em Outubro de 2016, uma família de seis – incluíndo uma mulher grávida – foi morta na sequência de um ataque em que foram usadas bombas fabricadas pela RWM Italia.

Em Abril deste ano, a organização iemenita e várias organizações europeias lançaram um processo-crime contra os administradores da RWM Italia e funcionários superiores da Autoridade Nacional Italiana para a Exportação de Armamento. Enquanto o processo decorre, a RWM continua a exportar para a Arábia Saudita e, segundo apurou a DW, a empresa até planeia expandir as suas instalações na Sardenha.

O presidente executivo da Rheinmetall, Armin Papperger, afirmou que a empresa que lidera não é responsável pelos negócios realizados pelas suas subsidiárias.

Material alemão na indústria de armamento saudita

Com o intuito de se tornar menos dependente das importações, a Arábia Saudita lançou o projecto de construir uma indústria de armamento nacional – e, para tal, conta com material alemão. Numa fábrica, por exemplo, produz as espingardas de assalto G36, depois de ter comprado, em 2008, a licença à empresa alemã Heckler & Koch, refere a DW.

Mais recentemente, os sauditas têm estado a procurar criar uma parceria ampla com o fabricante sul-africano de armamento Denel, que, revela a DW, deve passar pela aquisição da Rheinmetall Denel Munition, uma iniciativa conjunta entre a Denel e a Rheinmetall. Ou seja, se o negócio se concretizar, o reino saudita fica menos dependente das importações tendo por base a tecnologia alemã.

A Arábia Saudita «tem carta branca»

Alguns países ocidentais «parecem ter acordado» para as atrocidades da Arábia Saudita, pelo menos em frente da opinião pública, com o «caso Khashoggi», esquecendo, durante anos, o papel do reino árabe na guerra de agressão ao Iémen, o seu registo no que aos direitos humanos diz respeito ou o seu papel como fomentador de guerras a nível regional e «atiçador» do wahabismo a nível mundial.

A este respeito, Andrew Feinstein, director executivo da Corruption Watch e especialista em armamento, disse à DW que a Arábia Saudita, com o seu petróleo, «pode fazer o que quiser, tem carta branca».

Sobre a propalada política restritiva nas exportações de armas, sublinhou que ela é aplicada «apenas quando convém à Alemanha» – o que não aconteceu durante muitos anos no caso da Arábia Saudita.

Quanto à actual proibição, representantes de partidos da oposição como o Die Lienke e os Verdes disseram à DW estar convencidos que a suspensão será levantada em breve. Off the record, um funcionário admitiu que o governo está contente com o facto de outros países europeus continuarem a exportar armas para a Arábia Saudita, num momento em que a Alemanha tem «as mãos atadas», isto porque, salientou, a Alemanha está fortemente interessada na «estabilidade da Arábia Saudita», deixando implícito que tal só pode acontecer com um fluxo de armas contínuo.

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