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Celac pede diálogo no Haiti e rejeita opção militar

Xiomara Castro, que preside à Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), rejeitou a possibilidade de uma intervenção militar no Haiti, onde a crise e a violência se arrastam.

Imagem de arquivo Créditos / La Jornada

Num comunicado emitido sexta-feira, a presidente das Honduras, actualmente à frente da Celac, rejeitou a possibilidade de uma intervenção militar no Haiti. «Sob nenhuma justificação podemos permitir uma acção militar que viole o princípio de não intervenção e o respeito pela autodeterminação dos povos», declarou.

Tendo em conta a «crise prolongada no Estado haitiano», Xiomara Castro convocou uma reunião de emergência com os presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonçalves (a troika do organismo), e promoveu a criação de uma Mesa de Cooperação e Diálogo Político para o Haiti.

Além disso, invocando a situação de crise que se arrasta no país caribenho, «agravada pelo assassinato do primeiro-ministro Jovenel Moïse em 2021, pela violência que hoje se abate sobre o povo do Haiti e por considerá-lo fundamental para determinar o seu destino», Castro convocou uma reunião extraordinária da Celac para esta segunda-feira, tendo como propósito a implementação de acções a favor do país antilhano.

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À frente da Celac, Honduras assumem a defesa da soberania dos povos

Soberania, independência e autodeterminação dos povos são algumas das principais linhas que as Honduras vão defender à frente da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac).

A presidente das Honduras, Xiomara Castro, ao lado de António Guterres, secretário-geral da ONU, no decorrer da VIII Cimeira da Celac 
Créditos / Prensa Latina

No quadro da VIII Cimeira da Celac, celebrada na sexta-feira passada em Kingstown, capital de São Vicente e Granadinas, a chefe de Estado hondurenha, Xiomara Castro, assumiu a presidência do bloco regional (até 2025), tendo apresentado várias propostas para levar por diante o «projecto da Pátria Grande».

Castro propôs-se acompanhar as declarações de soberania apresentadas pelos representantes dos estados-membros da Celac, bem como continuar a luta pelo fim do bloqueio e de outras medidas unilaterais impostas pelos Estados Unidos a Cuba, Nicarágua e Venezuela.

A chefe de Estado hondurenha, indica a Prensa Latina, também declarou que irá acompanhar a Argentina na reivindicação de soberania sobre as Malvinas e que irá promover uma discussão aberta sobre a situação de Porto Rico.

«A nossa democracia foi atingida pela crise mundial do capitalismo, a guerra, a inflação, o aquecimento global e, sobretudo, pelo modelo de corruptas privatizações neoliberais», afirmou, sublinhando que os seus projectos se baseiam no sonho dos dirigentes independentistas da região, como Simón Bolívar, José Martí e Francisco Morazán.

Paz, «benefício supremo e legítimo»

Por seu lado, o ministro hondurenho dos Negócios Estrangeiros, Enrique Reina, disse à imprensa que, na cimeira, se declarou a paz como «benefício supremo e legítimo das aspirações dos povos, como um princípio comum e valor da comunidade da América Latina».

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Organizações reunidas em Buenos Aires defendem Celac, integração e soberania

No lançamento da Celac Social, esta segunda-feira, partidos, organizações sociais e sindicatos fizeram a defesa da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos, da democracia e do anti-imperialismo.

Representantes da Celac Social, a 23 de Janeiro de 2023, em Buenos Aires 
Créditos / Prensa Latina

Representantes de organizações políticas, sindicais, indígenas e agrárias de vários países anunciaram, em Buenos Aires, a criação da Celac Social e denunciaram as agressões dos Estados Unidos contra os povos da região.

Os membros fundadores da Celac Social juntaram-se, ontem, no Museu das Malvinas, onde apresentaram a declaração que vão entregar aos chefes de Estado e membros dos governos dos países que hoje participam na VII Cimeira da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), na capital argentina.

«Com Fidel, com Chávez, com Kirchner, com Lula, com Correa, constituímos uma Celac como uma libertação Organização de Estados Americanos, que é o instrumento do império norte-americano», afirmou o ex-presidente boliviano Evo Morales durante a apresentação.

Em conferência de imprensa, Morales pediu apoio para os «nossos presidentes anti-imperialistas» e para a Celac, um mecanismo com o qual a direita tentou acabar, mas que se reforça novamente com o regresso do Brasil, disse, citado pela Prensa Latina.

«Temos a obrigação de os acompanhar e apoiar. Os Estados Unidos não querem que as pessoas humildes, os trabalhadores, os camponeses e indígenas façam política, mas nós decidimos que é necessário», acrescentou.

«A perseguição judicial à vice-presidente argentina, Cristina Fernández, o golpe no Peru e o que se passou no Brasil uma semana depois da tomada de posse de Lula não são factos isolados nem casuais. Por isso, devemos unir-nos para apoiar a Celac e reforçar a integração», insistiu.

Casa cheia no Museu das Malvinas, em Buenos Aires, no lançamento da Celac Social / Resumen Latinoamericano

Por seu lado, Hugo Godoy, dirigente da Central dos Trabalhadores da Argentina (Autónoma), sublinhou a importância da constituição da Celac Social como instância fundamental e estratégica para a unidade dos povos latino-americanos e caribenhos.

Roberto Baradel, secretário de Relações Internacionais da Central dos Trabalhadores da Argentina, destacou o contributo fundamental da Celac Social para a integração dos povos na América Latina.

Baradel solidarizou-se com os povos do Brasil e do Peru, condenou as agressões dos EUA a Cuba, à Nicarágua e à Venezuela, exigindo respeito pela soberania, e sublinhou que, apesar dos ataques à Celac, a direita nada conseguirá «porque apoiamos os nossos dirigentes».

Mónica Valente, secretária-executiva do Fórum de São Paulo, falou também da importância da integração, da solidariedade e do desenvolvimento, algo que, em seu entender, só pode ser alcançado com uma forte organização popular.

À chefe do Comando Sul dos EUA, Laura Richardson, lembrou que a América Latina não é o seu pátio das traseiras, nem uma quinta para explorar os recursos naturais, reafirmando que «os povos livres da Pátria Grande irão defender a sua soberania».

Declaração em defesa da unidade latino-americana

No texto aprovado, a Celac Social defende a que a unidade regional é uma condição essencial para alcançar a verdadeira independência e consolidar a região como uma zona de paz.

Rejeita qualquer forma de colonialismo na região e denuncia a presença britânica em território argentino, reafirmando os direitos da Argentina sobre as Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul, Sandwich do Sul e espaços marítimos circundantes.

Lançamento da Celac Social, em Buenos Aires / Resumen Latinoamericano

Repudia qualquer bloqueio contra qualquer país e exige o fim dos existentes, com a aplicação de mecanismos de reparação para os povos que os sofrem.

Fazendo menção directa ao caso de Cuba, o texto também exige a Washington que retire a Ilha da lista arbitrária de supostos patrocinadores do terrorismo.

As organizações subscritoras solicitam acções coordenadas para exigir o desmantelamento das bases militares instaladas pelos Estados Unidos na América Latina e nas Caraíbas, e rejeitam a ingerência norte-americana, quando se cumprem 200 anos da Doutrina Monroe.

Entre outros pontos, condenam também o golpe de Estado no Peru e a intentona golpista no Brasil, bem como as tentativas recentes de assassinato de Cristina Fernández, na Argentina, e da vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez.

VII Cimeira da Celac

Prevê-se que o mecanismo de integração realize a sua VII cimeira, em Buenos Aires, esta terça-feira, com a presença de 16 chefes de Estado da América Latina e das Caraíbas e com delegações de alto nível dos 33 países-membros.

Criada na Cimeira da Unidade da América Latina e do Caribe, em Playa del Carmen (México), em 2010, e definitivamente constituída na Cimeira de Caracas, no ano seguinte, a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos tem 33 países-membros.

As cimeiras anteriores do organismo tiveram lugar no Chile (2013), em Cuba (2014), na Costa Rica (2015), no Equador (2016), na República Dominicana (2017) e no México (2021).

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Além disso, os chefes de Estado, de governo e outros representantes dos 33 países que integram a Celac expressaram a sua preocupação com a grave situação humanitária na Faixa de Gaza e o sofrimento do povo palestiniano, em virtude das constantes agressões das forças israelitas, que provocaram mais de 30 mil mortos.

Neste sentido, apoiaram a exigência expressa pela maioria dos países na Assembleia Geral da ONU de um cessar-fogo imediato e de dar seguimento às orientações do Tribunal Internacional de Justiça sobre a violação do direito internacional.

Todos os «temas importantes» abordados

Ainda no âmbito da VIII Cimeira da Celac, o primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, o país anfitrião, declarou à imprensa local a sua satisfação pelo facto de as 33 delegações terem analisado com profundidade a agenda e terem avançado para a Declaração de Kingstown com todos os temas importantes nela incluídos.

A este propósito, Ralph Gonsalves disse que a declaração contém iniciativas para promover a segurança alimentar, a luta contra as alterações climáticas e a manutenção da paz regional, além de se referir às acções indispensáveis para responder às necessidades das mulheres, dos afro-descendentes, dos indígenas e das pessoas com deficiência.

Segundo Gonsalves, o documento, amplo, inclui referências especiais ao bloqueio económico, financeiro e comercial imposto pelos Estados Unidos a Cuba, ao massacre israelita em Gaza, à guerra na Ucrânia e à instabilidade no Haiti.

A VIII Cimeira da Celac segue-se às que tiveram lugar em Caracas, Venezuela (2011; a da fundação do mecanismo de integração regional); Santiago, Chile (2013); Havana, Cuba (2014); San José, Costa Rica (2015); Quito, Equador (2016); Punta Cana, República Dominicana (2017); Cidade do México, México (2021) e Buenos Aires, Argentina (2023).

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A presidente hondurenha destacou, no documento, que os países-membros da Celac são «obrigados» a acatar a Declaração de Kingstown, aprovada no início deste mês, e afirmou que «a crise actual exige uma solução liderada pelo Haiti que abarque um diálogo amplo entre a sociedade civil e os actores políticos».

O «intervencionismo é um fracasso», afirma a ALBA-TCP

Num comunicado em solidariedade com o povo haitiano, emitido quinta-feira passada, a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América – Tratado Comercial dos Povos (ALBA-TCP) sublinha que a «situação complexa exige atenção imediata e ajuda internacional para a população, sendo o seu bem-estar e desenvolvimento as principais razões para qualquer acção que se planeie realizar hoje no Haiti».

Os países do mecanismo de integração regional reafirmam que «o intervencionismo representou historicamente um fracasso para o desenvolvimento do bem-estar económico e social do povo haitiano» e, nesse sentido, pedem que não repitam «os erros do passado, considerando o grave historial de intervenções estrangeiras que tanto mal estrutural causaram à integridade daquele país».

O texto divulgado pelo secretário executivo da ALBA-TCP, Jorge Arreaza, na sua conta de Twitter (X), afirma ainda que a única forma de contribuir para a superação da «situação difícil» no Haiti é através de «mecanismos de cooperação eficazes, a solidariedade, o respeito pela soberania e pela autodeterminação dos povos, o direito internacional e a garantia dos direitos fundamentais da população do Haiti».

País mergulhado numa onda de violência

O Haiti, um dos países mais pobres da América Latina e Caraíbas, mantém-se mergulhado numa onda de violência, com confrontos entre grupos armados, que controlam uma grande parte do território nacional, e forças policiais.

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Movimentos populares haitianos rejeitam a possibilidade de nova intervenção externa

No Haiti, mergulhado em ciclos de crise humanitária, movimentos populares e organizações sociais defendem um governo de transição e a cooperação com o Sul Global para reconstruir o país.

Reyneld Sanon, militante e dirigente político haitiano e coordenador da Radyo Rezistans 
Créditos / @brasildefato

Monyse Ravena, jornalista do Brasil de Fato, passou uma semana no Haiti, a convite de organizações e movimentos populares. Durante este período, Ravena ouviu mais de duas dezenas de organizações de defesa dos direitos humanos e todas foram unânimes em afirmar: a escalada da violência no país caribenho é estimulada por agentes externos à ilha e será provavelmente o argumento para uma nova intervenção militar – rejeitada pela sociedade civil do país –, comandada por forças estrangeiras e aprovada pelas Nações Unidas.

Uma outra crítica comum dos activistas é a cobertura que a imprensa internacional faz sobre o país. Exuma Emmanuel, comunicador da Radyo Rezystans e da Agência de Notícias Popular Haitiana (uma rádio on-line comunitária e popular com sede em Porto Príncipe), é incisivo:

«O tipo de cobertura internacional feita sobre o Haiti traz muitos efeitos negativos para quem vive aqui; um deles é vender a imagem de que é um dos piores sítios do mundo para se viver e isso também tem efeito sobre os haitianos que vivem fora do país», disse.

«Fora do país, os haitianos têm medo de se apresentarem como haitianos. Há outros efeitos políticos sobre o Haiti, desde a independência, as notícias negativas formam uma imagem», acrescentou.

Camille Chalmers, economista, professor e representante da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo (PAPDA), pergunta e responde: «Como é que as pessoas falam sobre a crise no Haiti? O discurso dominante da imprensa internacional é sempre sobre guerras, necessidade de ajuda humanitária.»

A jornalista Monyse Ravena esteve uma semana no Haiti a convite de várias organizações populares haitianas / @brasildefato

E explica: «Esse discurso vem desde o século XIX, porque as potências imperiais nunca aceitaram a independência do Haiti. O país ajudou em muitas independências e os [demais] países ficaram com medo da revolução haitiana.» Chalmers também destacou a continuidade e originalidade do movimento popular haitiano e a sua consciência anti-imperialista.

Aumento da violência e grupos armados

A situação do país é complexa, com um aumento da violência promovida pelos grupos armados que hoje controlam mais de 50% do território – um dado confirmado pelas organizações. A situação mais crítica é a da capital, Porto Príncipe. Grupos armados controlam vários bairros populares, estando implicados muitas vezes em assassinatos e sequestros.

De acordo com Exuma Emmanuel, «a violência estimulada quer impor ao país uma nova força de ocupação».

«As armas usadas pelos grupos armados nos bairros populares vêm dos Estados Unidos. O povo haitiano não é só um povo que está em desespero, está em luta», disse Emmanuel a Ravena, explicando que os gangues controlam zonas estratégicas ao instalarem um clima de terror e impedirem as pessoas de se organizarem.

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Protestos renovados no Haiti contra a ingerência externa

O líder do partido Pitit Dessalines, Moïse Jean Charles, agendou para esta segunda-feira uma mobilização de protesto frente à Embaixada dos EUA, contra aqueles que defendem tropas estrangeiras no país.

Os protestos contra a ingerência externa mantêm-se no Haiti (imagem de arquivo)
Créditos / cartacapital.com.br

Jean Charles exige a demissão do primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry, que acusa de alta traição, e prevê uma «maré humana» nas ruas da capital, Porto Príncipe, em resposta ao governo, ao sector privado e ao Ocidente, que defendem uma nova intervenção o Haiti, disse o ex-senador à imprensa.

«O destacamento de uma força militar estrangeira no país solicitado pelo governo de Ariel Henry é para proteger os interesses dos capitalistas e dos colonos. Não somos o pátio das traseiras dos Estados Unidos», afirmou Moïse Jean Charles à plataforma Gazette Haïti, citado pela Prensa Latina.

No passado dia 6 de Outubro, o Conselho de Ministros deu luz verde a Henry para pedir ajuda militar estrangeira, com o destacamento de tropas especializadas capazes de fazer frente aos grupos criminosos armados que têm bloqueado a distribuição de combustível e de recuperar o controlo de esquadras, portos e aeroportos no país antilhano.

Alguns dias depois, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu o envio «sem demora» de forças internacionais para o Haiti, face ao agravamento da situação de insegurança e para ajudar o país caribenho, que enfrenta «imensos problemas humanitários».

O pedido deve ser analisado formalmente esta semana, no Conselho de Segurança da ONU, havendo a possibilidade de que Rússia e China bloqueiem o envio de tropas para o Haiti. No entanto, tanto os EUA como o Canadá já confirmaram o envio de viaturas blindadas e outros equipamentos.

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Muitos milhares no Haiti em defesa da democracia e contra a ingerência externa

Dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se este domingo no Haiti em defesa da Constituição, denunciando o governo de Moïse, a «ditadura» e a acção do «imperialismo» no país caribenho.

Uma multidão mobilizou-se este domingo no Haiti para exigir a Jovenel Moïse que abandone o poder
CréditosEtant Dupain / Twitter

Segundo a agência AlterPresse, é difícil calcular com precisão o número de pessoas que ontem saíram à rua na área metropolitana de Porto Príncipe e em cidades como Cabo Haitiano, Jacmel ou Les Cayes, mas estima que tenham sido centenas de milhares a mobilizar-se para dizer «não» ao «regime de Jovenel Moïse», à sua «ditadura», ao «seu reino de sequestros em território nacional».

Na jornada de mobilização unitária, convocada pela Comissão de Protesto contra a Ditadura no Haiti, associações de advogados, organizações sociais e partidos políticos, os manifestantes quiseram denunciar a acção do Parti Haïtien Tèt Kale, que apoia o presidente Moïse, e exigir a este que abandone o poder e o Palácio Nacional, por considerarem que o seu mandato expirou no passado dia 7 de Fevereiro.

Na capital, a marcha começou junto ao viaduto baptizado como Cruzamento da Resistência e, ao longo do trajecto, foram-se juntando muitos outros manifestantes, incluindo personalidades da cultura e da política.

Num ambiente animado por camiões que transmitiam música, os manifestantes gritavam palavras de ordem contra a «ditadura», a «ingerência externa» e o «imperialismo», exibiam bandeiras do Haiti, cartazes com reivindicações diversas ou exemplares da Constituição, para lembrar a Jovenel Moïse que tem de respeitar a Carta Magna do país.

Especialmente visada pelas palavras de ordem e pelos cânticos da multidão foi a ingerência externa, a acção da missão da ONU no Haiti e a da diplomata norte-americana Helen Meagher La Lime, representante do secretário-geral das Nações Unidas e chefe do Gabinete Integrado da ONU no Haiti (Binuh).

Recentemente, La Lime apoucou a adesão e a dimensão dos protestos contra Jovenel Moïse – como para justificar o apoio à figura presidencial – e ontem os manifestantes cantaram que «Helene La Lime não sabe contar».

Também criticaram a influência da Casa Branca nos assuntos internos do Haiti e a «hipocrisia» da comunidade internacional, que apoia um presidente inconstitucional e não faz caso da pressão popular – enquanto noutros sítios a inventa, conforme os interesses.

A marcha, que foi no geral pacífica, visou também denunciar o aumento da insegurança, dos sequestros e dos assassinatos, sobretudo em Porto Príncipe, algo a que, segundo a oposição, não é alheia a acção de Moïse.

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Grande parte da população e membros do Senado não viram com bons olhos o pedido de ajuda formulado por Henry e exigiram que fosse retirado. Os protestos têm-se sucedido nas ruas.

No passado dia 12, a Comunidade das Caraíbas (Caricom) ofereceu-se como mediadora para um diálogo entre as partes em conflito no Haiti, instando-as a reunir-se com urgência «neste momento crítico da história do país, para pôr fim ao impasse político».

Com esse «impasse», têm-se repetido as notícias de mortes por cólera, de incapacidade de funcionamento dos hospitais, de fome a atingir «níveis catastróficos», de assassinatos e violações.

A solução para os problemas não passa pela intervenção externa

Para Moïse Jean Charles, o pedido do governo tem «carácter ilegítimo». Por essa razão, várias organizações têm estado a dinamizar, desde segunda-feira passada, mobilizações diárias contra a crise política, o nível crescente de violência e o pedido de intervenção estrangeira por parte do governo de Ariel Henry.

Com o lema «Abaixo Ariel Henry, abaixo a ocupação», os organizadores reafirmam o direito a uma vida mais digna, sem violência e sem «invasões». Prevê-se que as mobilizações continuem até meados de Novembro, referiu Jean Charles.

Entre outros aspectos, os oponentes à intervenção externa lembram que a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) foi criada em 2004, tendo como objectivo propalado pôr fim à crise política no país. No entanto, cinco anos depois do fim da missão, em 2017, o Haiti vive um cenário pior, criticam os defensores da soberania nacional.

As tropas estrangeiras são acusadas, nomeadamente, de terem contribuído para espalhar a cólera no Haiti, participado em massacres e cometido violações e outros abusos sexuais nos bairros pobres.

O pedido de intervenção é «escandaloso»

Camille Chalmers, analista político e economista, disse à Prensa Latina que o pedido de intervenção externa para lidar com grupos criminosos é «escandaloso».

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Capacetes azuis acusados de abuso sexual no Haiti

Mulheres, e até crianças de 11 anos, foram abusadas sexualmente por membros da missão de paz da ONU no Haiti entre 2004 e 2017, segundo os testemunhos de residentes, recolhidos numa investigação.

As acusações agora apontadas vêm-se juntar a um longo rol de outras acusações de repressão, tortura, abusos e exploração sexual formuladas contra a MINUSTAH entre 2004 e 2017
Créditos / Misión Verdad

O estudo – intitulado «Eles punham-te umas moedas na mão para te fazer um bebé» – foi dirigido por Sabina Lee, da Universidade de Birmingham (Reino Unido), e Susan Bartels, da Universidade de Queen (Canadá), e voltou a trazer à tona a questão da violência sexual dos capacetes azuis que exerceram funções no âmbito da polémica Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH, na sigla em francês).

Os investigadores entrevistaram, no terreno, mais de 2100 homens, mulheres e crianças que viviam nas imediações de sete bases da MINUSTAH, e obtiveram mais de 2500 testemunhos, nos quais se dá conta dos abusos sexuais e se refere 265 vezes as «Petit MINUSTAH» – modo como são conhecidas no Haiti as crianças que nasceram na sequência das relações sexuais mantidas entre as mulheres e raparigas haitianas e os funcionários das Nações Unidas.

Em declarações à Reuters esta semana, Sabine Lee, uma das responsáveis pela investigação, que foi publicada no passado dia 11 na revista International Peacekeeping, sublinhou que os cenários em que estas crianças foram concebidas e nasceram variam muito, mas que é clara a situação de aproveitamento das raparigas menores de idade.

Muitos dos testemunhos que, no estudo, abordam as relações sexuais e os «Petit MINUSTAH» frisam a pobreza extrema que levava as mulheres e jovens a situações de exploração e abuso sexual, incluindo casos de violação.

Embora alguns testemunhos admitam casos de «relações consensuais», muitos sublinham o aproveitamento de situações de vulnerabilidade por parte de funcionários da ONU, que ofereciam pequenas quantias de dinheiro ou comida em troca de sexo.

«Eles punham-te umas moedas na mão para te fazer um bebé», diz um homem citado na investigação, enquanto uma mulher afirma que os funcionários da ONU engravidavam raparigas de 12 e 13 anos e, depois, as deixavam sozinhas, «na miséria, a criar os bebés».

Treino «ineficaz» das Nações Unidas

Um responsável das Nações Unidas afirmou que o organismo leva este assunto muito a sério e que reconhece 29 vítimas e 32 crianças nascidas «da exploração e do abuso sexual» cometidos pelo pessoal da MINUSTAH. Acrescentou que a ONU está «activamente empenhada» em garantir que recebem o apoio necessário.

No entanto, as autoras do estudo afirmam que as regras da ONU relativas a relações sexuais com comunidades locais foram «ineficazes», destacando que o pessoal das Nações Unidas deve ser mais bem treinado e enfrentar medidas disciplinares mais rigorosas nestas ocorrências. «O treino tem de ir mais além, "não se pode ir [a um sítio] e violar uma mulher"», disse Sabina Lee à Reuters.


A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) esteve envolvida em polémicas praticamente desde a sua criação, em 2004, tendo no seu historial um longo rol de acusações de repressão, tortura, abusos e exploração sexual.

Além disso, os esgotos de uma base da MINUSTAH foram responsáveis pela contaminação do maior rio do Haiti com o vibrião colérico, em 2010, gerando um surto de cólera que matou cerca de 10 mil pessoas no país caribenho. Seis anos mais tarde, em Agosto de 2016, a ONU reconheceu a responsabilidade.

«A situação geral do país piorou com a presença da MINUSTAH», disse à Sputnik o jornalista e professor haitiano Pierre Negaud Dupenor, em Novembro do ano passado, já depois do fim da missão. A afirmação desta missão como uma força de ocupação e a exigência da sua saída do país foram sendo expressas por vários dirigentes políticos haitianos ao longo dos anos e por milhares de manifestantes nas ruas.

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Chalmers, também dirigente da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo, afirma que se assiste actualmente à construção da opinião pública para justificar uma intervenção militar, inclusive com a utilização dos grupos criminosos que fazem parte do sistema.

«Criar uma situação caótica, insustentável, de crise humanitária, é um elemento para justificar a intervenção militar que querem fazer no Haiti, de modo a garantir o controlo absoluto do sistema político e descartar qualquer possibilidade de um projecto popular, de um projecto das classes populares, bem como a ligação possível a Cuba ou à Venezuela», disse Chalmers.

O economista lembra que, durante a formação da Polícia sob o mandato da Minustah, especialistas afirmaram que o tipo de armamento não era adequado nem suficiente.

«É uma incapacidade construída, mantida e reproduzida para justificar a dominação e a intervenção e, nesse sentido, foram amplamente demonstradas as ligações que existem entre os grupos criminosos armados e o poder executivo», frisou.

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Um relatório das Nações Unidas sobre a situação do Haiti aponta que a violência se intensificou em 2023. O número de assassinatos registados no país antilhano aumentou 21%, passando de 673 no último trimestre de 2022 para 815 entre 1 de Janeiro e 31 de Março. No mesmo período, os sequestros registados passaram de 391 para 637.

Os casos de violações de mulheres e meninas também se encontram entre as principais denúncias das organizações ouvidas pelo Brasil de Fato, num país onde existem estimativas de que 40% da população do país esteja em situação de emergência alimentar.

Caos económico… e político

A maioria da população não tem acesso a água potável, assistência médica e habitação adequada, num contexto marcado por elevada inflação («na casa dos 30%») e «câmbio volátil»; pelo aumento dos preços dos combustíveis («260% em dois anos»); por «uma nova crise migratória, com fuga de mão-de-obra qualificada».

Reyneld Sanon, coordenador da Radyo Rezistans, acusa a chamada comunidade internacional de apoiar um «governo criminoso». «Tudo o que fazem é para justificar o Haiti como uma entidade caótica», assevera.

Desde o assassinato de Jovenel Moïse, em Julho de 2021, a presidência está vaga e não há previsão de novas eleições. Logo em Julho de 2021, Ariel Henry foi nomeado primeiro-ministro, num processo que as organizações populares dizem ter ocorrido «por ingerência directa do Core Group (Grupo Central), composto pelas embaixadas da Alemanha, Brasil, Espanha, EUA, França, Canadá, União Europeia», bem como pelo representante especial da Organização dos Estados Americanos e o representante especial do secretário-geral das Nações Unidas.

Actualmente, não há parlamento, nem tribunais superiores a funcionar no país.

«Acordo de Montana»

Os movimentos populares e organizações que actuam na defesa dos direitos humanos propõem o estabelecimento de um governo de transição, como uma das saídas para crise que o país enfrenta. As propostas foram sistematizadas no chamado «Acordo de Montana», ao qual o Core Group se opõe.

Representantes de organizações e movimentos populares à conversa com Monyse Ravena em Porto Príncipe / @brasildefato

O acordo foi proposto em Agosto de 2021 pela Comissão para a Busca de uma Solução Haitiana para a Crise, um grupo que reúne organizações não governamentais, movimentos populares e religiosos, dirigentes políticos e intelectuais, que se juntaram após o assassinato de Moïse. O nome do acordo alude ao local onde o grupo realizava as suas reuniões, o Hotel Montana, em Porto Príncipe, explica a jornalista Monyse Ravena.

«A transição de poder pode ser de continuidade ou de ruptura, mas o governo actual é ilegítimo e ilegal», defende Camille Chalmers a propósito dos desafios que o país vive.

Sobre a possibilidade de uma nova intervenção estrangeira, Neidyson Cèzaire, comunicador, produtor e activista, é frontal a rejeitá-la: «A ajuda internacional dos países ocidentais nunca ajudou um país a desenvolver-se. O caminho para o Haiti é priorizar a cooperação Sul-Sul. Os países ocidentais odeiam o Haiti, querem fazer-nos pagar por sermos responsáveis por quebrar com a ordem mundial da escravidão», frisou.

Por seu lado, Chalmers sublinha que o Haiti precisa de «solidariedade real». «O imperialismo americano é um dos actores que estão a conduzir a crise. Temos, sim, a necessidade da construção de redes internacionais de apoio, mas não de intervenção militar», afirmou.

Em sentido inverso aos movimentos que lidam directamente com as populações, o primeiro-ministro, Ariel Henry, pediu ajuda militar internacional para combater os grupos armados, em Outubro de 2022 – ainda sem resposta. Contudo, existe a expectativa de que na próxima reunião do Conselho de Segurança da ONU, este mês, o assunto seja definido. Chalmers lembra que «cada intervenção [estrangeira] teve consequências graves».

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No contexto desta nova vaga de violência no país caribenho, em Fevereiro, o então primeiro-ministro, Ariel Henry, recusou-se a convocar novas eleições, não cumprindo aquilo que tinha prometido quando assumiu o cargo, depois do assassinato do ex-presidente Jovenel Moïse.

Durante os confrontos, os grupos armados atacaram instituições públicas e libertaram milhares de reclusos, exigindo que Henry renunciasse ao cargo, o que se veio a concretizar no passado dia 11 de Março. Antes, Henry decretou o Estado de Emergência por um mês.

Entretanto, o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) denunciou que uma parte da ajuda humanitária enviada para o país foi saqueada este sábado na capital, Porto Príncipe.

«Hoje de manhã cedo, um dos 17 contentores da Unicef foi saqueado no principal porto de Porto Príncipe. O contentor saqueado trazia bens essenciais para a sobrevivência materna, pré-natal e infantil, incluindo reanimadores e equipamento relacionado, bem como material essencial para o desenvolvimento da primeira infância e a educação», revelou a organização.

Segundo referem várias agências, as forças de segurança têm estado a tentar recuperar o controlo da zona portuária de Porto Príncipe, que deixou de funcionar devido a «actos de sabotagem e vandalismo».

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