|Economia

Criptomoedas perdem 250 mil milhões de euros num só dia

As principais criptomoedas têm sofrido quedas no mercados desde o anúncio de medidas na Rússia contra este tipo de moeda e a previsão da subida das taxas de juro nos países desenvolvidos.

As ilusões das criptomoedas
CréditosJEROME FAVRE, EPA / Lusa

O que já foi apelidado de #Cryptocrash nas redes sociais fez desaparecer mais de 250 milhares de milhões de dólares de capitalização de todas as criptomoedas na passada sexta-feira, caindo os seus valores abaixo dos dois biliões de dólares de capitalização total. O valor destes activos digitais está actualmente nos valores mínimos dos últimos seis meses.

A mais famosa criptomoeda e altamente valorizada, bitcoin, caiu quase 10% na sexta-feira, acumulando uma queda de quase 20% na última semana. A segunda, o ethereum, perdeu 15% num dia e acumulou 28% nos últimos cinco dias. Outras como solana, sétimo em capitalização, caíram 20%, acumulando 34% na última semana. BNB e cardano, quarto e sexto, respectivamente, baixaram cerca de 15% num só dia.

As criptomoedas que estão ligadas a moedas estatais e que, portanto, não são tão voláteis, são as que sofrem menores impactos. Entre as 15 primeiras, encontram-se três moedas referenciadas ao dólar que se mantêm estáveis. Se retirarmos as três moedas criptomoedas ligadas ao dólar, o resto perde em média mais de 20% do sue valor em 24 horas.

O bitcoin não é a mesma desde que atingiu o máximo histórico de quase 70 mil dólares no início de Novembro. De lá para cá, a criptomoeda perdeu quase metade do valor.

EUA e Rússia dão cabo das criptomoedas

O início da derrocada do bitcoin, no meio de Novembro, coincidiu com a mudança no discurso da Reserva Federal (FED) dos Estados Unidos, que reconheceu que a inflação, que se verifica, não é um fenómeno temporário e que terá de agir, aumentando a taxa de juros para controlar a inflação.

No início deste ano, o FED endureceu ainda mais o discurso, o que levou o mercado a aumentar as previsões da subida de juros na maior economia do mundo.

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Bitcoins: pirâmides, fraudes, especulação e o que ainda aí vem

Os burlados são gente que cumpre a primeira condição do candidato a burlado, que é acreditar que é possível ganhar 5000 euros com o investimento de um euro.

Créditos / Capital Research

Um esquema piramidal de Ponzi é uma burla muito simples, que promete altos dividendos e os paga enquanto o dinheiro que entra (novos investimentos) é maior que aquele que sai (para pagar dividendos), pois são os novos investimentos quem paga todo o dividendo e o lucro do burlão.

Qual é a principal dificuldade de criar um novo esquema piramidal de Ponzi? Convencer o burlado que não está perante um esquema piramidal de Ponzi. As criptomoedas fazem isso muito bem, graças à complexidade dos processos tecnológicos associados ao processo. Ninguém percebe muito bem o que é a tecnologia «blockchain», mas já todos ouvimos dizer que uma bitcoin vale dezenas de milhares de euros e já todos ouvimos falar de gente que ficou rica por investir em bitcoins.

Neste ambiente, é fácil burlar milhões de pessoas. E não lhes chamem «pequenos investidores», que isso já faz parte do esquema para os levar ao engano. Os burlados são gente que cumpre a primeira condição do candidato a burlado, que é acreditar que é possível ganhar 5000 euros com o investimento de um euro.

Um exemplo: a partir do facto – real – de a Suécia estar a estudar a emissão de dinheiro digital, centenas de anúncios e falsas notícias apontam para empresas que vendem e-kronas e prometem transformar um euro em 5056 euros. Na campanha até existem sites de verificação de notícias que evidentemente validam o esquema.

«Qual é a principal dificuldade de criar um novo esquema piramidal de Ponzi? Convencer o burlado que não está perante um esquema piramidal de Ponzi. »

Um outro exemplo: foi recentemente preso um «português acusado de ser "um dos maiores" burlões de criptomoedas», que basicamente prometia 2,5% ao mês a quem investisse na sua empresa de compra e venda de criptomoedas. Um clássico esquema de Ponzi. Pois, na mesma página onde li esta notícias, num site «sério» de notícias, estavam outras quatro notícias em destaque para ler, três delas com títulos sugestivos: «Como ganhar um rendimento extra investindo 249 €»; «Eles ganham 750 € por dia e não fazem nada»; «Portugueses estão ficando ricos graças a esta tecnologia».

Estas fraudes, que rodeiam o mundo das criptomoedas, são no essencial dirigidas a tesos e remediados, e estão a beneficiar de uma complacência absoluta das autoridades. Contando ainda com a cumplicidade de uma Comunicação Social – dita séria – que aceita receber anúncios destas burlas e até com o enquadramento de uma outra Comunicação Social – ainda mais séria – que se limita a embelezar as bitcoins e todo o universo da especulação financeira.

Há milhares de portugueses a serem lesados em milhões de euros. Não importa quantas vezes leiam que fulano ganhou X ou beltrano ganhou Y. Isso é quase sempre mentira, e quando é verdade foi conseguido à custa de perdas muito superiores de outros.

Mas há uma outra fraude, mais profunda, que é o próprio mundo das criptomoedas. A actividade de «mineração» de criptomoedas, o próprio curso das criptomoedas e a especulação a ele associada só tem uma base material: o valor dos recursos gigantescos que são consumidos para gerar e operar uma criptomoeda. Mas não é este «custo de produção» que determina a cotação de uma criptomoeda, e sim o quanto alguém está disponível a pagar pela «criptomoeda» em dinheiro a sério.

Porque as criptomoedas não são dinheiro (não guardam valor, não são unidade de contagem, não são um meio de troca) e são transacionadas como um activo financeiro altamente especulativo que nem sequer cumpre as regras para poder ser considerado um activo financeiro.

Ora esta actividade, completamente improdutiva, consumidora de brutais recursos, poluidora, especulativa e ilegal, decorre à vista de todos, e até já há quem queira regularizá-la, colocar «os ganhos com criptomoedas» a pagar impostos e imagino que, as nunca mencionadas «perdas com criptomoedas», a abater aos impostos.

O Banco de Portugal até tem alguns estudos públicos interessantes sobre o tema e que até abordam algumas das muitas e perigosas ramificações desta discussão: além das já citadas, o problema do dinheiro privado e do controlo sobre os sistemas financeiros. Mas nada faz, e assiste impávido, mais uma vez, ao festim especulativo do capitalismo internacional que constrói mais uma gigantesca bolha sobre as nossas cabeças.

Mesmo para quem tenha a posição (e eu não tenho) de admitir formas legais de especulação, talvez fosse melhor ouvir o alerta do economista Nouriel Roubini: «Como o valor fundamental do bitcoin é zero e seria negativo se fosse aplicado uma adequada taxa de carbono à sua produção altamente poluidora e de uso intensivo de energia, prevejo que a bolha actual acabará por rebentar.»

Ora, todos temos a obrigação de saber o que acontece quando uma bolha financeira rebenta. Afinal, ainda estamos a pagar os estragos da última.

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Actualmente, as taxas estão próximas de zero nos Estados Unidos, mas à medida que elas subirem, a atractividade de activos que não rendem juros, como o bitcoin, tende a diminuir. Os investidores procuram, então, vender a criptomoeda para se antecipar a esse cenário.

A perspectiva de alta dos juros nos Estados Unidos tem também efeito nas bolsas norte-americanas. Os principais índices da bolsa de Nova York têm quedas sucessivas neste início de ano, valorizando, comparativamente, os títulos de dívida pública emitidos pelo governo norte-americano.

Estes são considerados os activos mais seguros do mercado. A subida das taxas de juro tende a colocar mais dinheiro em relação a investimentos que têm maior risco, como as acções bolsistas e, claro, as bitcoin.

Se no início, as criptomoedas eram activos com um comportamento relativamente independente em relação ao resto do mercado, agora que grandes investidores também têm bitcoin, em carteira, essa situação mudou.

A tendência é que as moedas digitais apresentem movimentações na mesma trajectória das bolsas, sendo mais influenciadas com os outros indicadores da economia.

Em busca de recursos para lidar com as perdas nas bolsas, os investidores procuram vender os activos com maior liquidez e risco.

Nos últimos meses, os investidores que mantinham não só posições directas em bitcoin como também em contratos futuros da criptomoeda, uma forma de lucrar com uma possível alta do ativo de forma mais barata e alavancada.

Com a perspectiva de queda do bitcoin, no meio de um cenário de subida das taxas de juros, houve uma venda em massa de contratos futuros na sexta-feira de madrugada.

O segundo acontecimento que explica esta crise das criptomoedas, foi a decisão da Rússia, na passada quinta-feira, de proibir a «mineração» e as transacções com criptomoedas no país.

Para o banco central russo, este tipo de moedas ameaçam a soberania e a estabilidade financeira do país, que é um dos principais países em que ocorre a mineração de bitcoins.

A reacção dos mercados foi semelhante à ocorrida o ano passado, quando a China baniu a actividade de mineração de criptomoedas no país.

Falsas promessas e a realidade das criptodesigualdades

Em 2016, o Le Monde Diplomatique publicava um texto, do historiador Edward Castleton, com o prometedor título: «O banqueiro, o anarquista e a bitcoin», sonhando com uma moeda de todos que pudesse derrubar o poder crescente e sufocante do capitalismo financeiro.

«Esta tecnologia oferece aos grandes criadores de dinheiro um vislumbre de novas fronteiras de lucro. No entanto, estas moedas electrónicas foram concebidas para contornar os bancos. Cruzando as aspirações daqueles que desafiam o poder das finanças, poderiam ter dado um novo sopro de vida às utopias do século XIX», defendia o autor.

«Inicialmente, os novos feiticeiros tecnológicos, apressaram-se a entrar no sector financeiro não tanto pela promessa de lucro imediato mas como reacção ao fracasso dos grandes bancos durante a crise de 2008. De certa forma, a explosão das bitcoins é o resultado da mesma exasperação que levou milhares de norte-americanos a ocupar o Parque Zuccotti em Nova Iorque para denunciar a ganância do capitalismo financeiro. À primeira vista, não há nada em comum entre a elite de Silicon Valley a esfregar as mãos com a ideia de transformar o ressentimento dos bancos numa lucrativa aplicação smartphone e os activistas que apelam à justiça social e à queda das grandes instituições financeiras. Excepto talvez o mesmo adversário: Wall Street. Este intermediário parasita encontra-se sob o fogo cruzado de duas críticas de inspiração oposta. Enquanto as start-ups sonham em sugar os lucros da Goldman Sachs com uma aplicação (que a Goldman Sachs comprará de bom grado), o movimento Occupy desafia uma indústria que enriquece através do comércio de dinheiro.»

A realidade apressou-se a demonstrar, pelo menos até agora, que até nas criptomoedas o poder de criar uma narrativa do que vai ser tende sempre para as mãos dos mais ricos.

Os apoiantes das criptomoedas argumentam que são uma força de democratização económica, uma vez que não dependem de qualquer tipo de regulador estatal ou supranacional. O problema é que isto não só não impede a concentração da riqueza em muito poucas mãos, como até a tem agravado. Um estudo recente mostra que o problema de acumulação de riqueza desigual é agravado com as bitcoin, tornando ainda pior as desigualdades no mundo das moedas tradicionais do capitalismo financeiro.

Há um mês calculava-se que existiam cerca de 19 milhões de bitcoins em circulação. Cerca de 27% deles, cinco milhões, são detidos por dez mil super-ricos, de acordo com um relatório publicado pelo US National Bureau of Economic Research (NBER). O seu património em bitcoin ascende a 215 mil milhões de euros às taxas de câmbio actuais, um valor semelhante ao do PIB da Finlândia.

Segundo cálculos do The Wall Street Journal, que estima que 144 milhões de pessoas possuem bitcoin, aqueles dez mil super-ricos que controlam um quarto da criptomoeda são apenas 0,01% dos detentores de bitcoin.

Mas há sempre uma elite mais rica, mesmo entre as cripto-elites. Os 10% mais ricos destes mega-ricos acumulam mais bitcoin do que os outros nove mil juntos. Estes mil magnatas do bitcoin totalizam cerca de três milhões de bitcoins, 15% do total. Isto equivale a 130 mil milhões de euros, mais do que o PIB da Hungria.

«Apesar da atenção que o bitcoin tem recebido nos últimos anos, o seu ecossistema ainda é dominado por actores grandes e concentrados», explicam os investigadores na NBER.

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