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A Máfia instalou-se no Eliseu

Quem é essa eminência parda de Emmanuel Macron cujo nome, Alexandre Benalla, a França memorizou e repete? O mistério adensa-se mas, por entre o nevoeiro de mistérios, uma tese começa a fazer sentido.

Após a eleição de Emmanuel Macron como Presidente da República, um mês depois o seu partido obteve a maioria absoluta dos deputados na Assembleia Nacional (2017).
CréditosBertrand Guay / EPA

O mistério adensa-se em França: quem é, afinal, Alexandre Benalla?

Espanca participantes na manifestação do 1.º de Maio usando braçadeira e comunicações da polícia, mas não é agente policial…

Escolta o Presidente da República em ocasiões públicas e privadas, tem as chaves da sua residência, mas não integra o corpo de seguranças de Emmanuel Macron…

Tem arma distribuída e a respectiva licença, mas não pertence a qualquer corpo policial, securitário ou militar…

Tem passaporte diplomático, mas não é diplomata…

Tem livre-trânsito na Assembleia Nacional, mas não é deputado, membro do governo, nem quadro das polícias e das Forças Armadas…

Tem acesso a matérias reservadas na área de Defesa, mas não lhe estão atribuídas funções no ministério do sector, nem integra a esfera militar…

Quem é então essa eminência parda cujo nome, Alexandre Benalla, toda a França memorizou e repete tendo em conta tão distinta como eficaz polivalência? O mistério adensa-se.

Para proteger Benalla das provas que testemunham a sua participação directa nos espancamentos do dia 1.º de Maio em Paris, e também o seu envolvimento na definição das estratégias de caça aos manifestantes, foram roubados os vídeos incriminatórios que estavam numa Prefeitura de Polícia da capital francesa. Imagens essas que seguiram o caminho do Palácio do Eliseu, a residência oficial do Presidente da República.

Para polir o comportamento trauliteiro do falso-polícia Alexandre Benalla, altos quadros do La République en Marche, o partido do presidente Emmanuel Macron, desdobraram-se no Twitter para fazer passar a mensagem de que os manifestantes espancados não eram, para que conste, «nenhuns santos».

Apesar de diligentes, estes esforços de roubo e mistificação não ajudam a perceber que tipo de funções tem Benalla para, segundo os sindicatos franceses das polícias, poder «aterrorizar polícias» e «insultar» altos quadros das corporações cívicas e de segurança; ou a que título participa Benalla em reuniões no Ministério do Interior, acompanhado por desconhecidos, sem pertencer a este departamento nem para isso ser convidado.

Chefe-adjunto de gabinete do Presidente

É verdade que, depois de o diário Le Monde ter divulgado alguns destes factos invulgares e de as imagens de vídeo do falso-polícia-espancador-de manifestantes terem caído na internet, a Presidência da República sentiu necessidade de dizer qualquer coisa.

Explicou então que Alexandre Benalla, o homem que escolta o presidente, é «director-adjunto do Gabinete da Presidência» – informação que manteve o assunto num limbo de dúvida, porque nada lhe foi acrescentado quanto à polivalência de funções e amplitude das mordomias do indivíduo ao nível do aparelho de Estado.

Perante a clareza dos vídeos dos espancamentos e o negrume do episódio de roubo das imagens do interior de uma Prefeitura de Polícia, o Presidente da República, Emmanuel Macron, mostrou-se até compungido quando achou chegado o momento de assumir uma estratégia diferente: a de que fora «traído» por Benalla.

Por isso, veloz como um raio, passou à fase de acção punitiva: o falso-polícia foi rebaixado para um «posto de menor relevância» – não revelou qual – e com salário suspenso por 15 dias. Um castigo exemplar.

Porém, hélas, o destino gerado nos meandros administrativos também consegue ser «traiçoeiro»: devido a «razões técnicas», não foi possível concretizar a suspensão salarial; e, por causa da epidémica «falta de pessoal», foi imperativo continuar a recorrer a Alexandre Benalla para escoltar o presidente em ocasiões públicas e privadas. E assim continua tudo como se nada tivesse acontecido, de 1 de Maio para cá.

Não é bem assim, sejamos correctos. A Justiça ordenou um inquérito; a Inspecção-Geral de Polícia encomendou outro; e o Parlamento, dominado em massa pela clientela en marche, instaurou ainda outro. Estão sob investigação não apenas Alexandre Benalla, mas também alguns dos seus colaboradores directos, tanto polícias como destacados quadros dirigentes do partido presidencial.

Foi então que Emmanuel Macron, em acto de mea culpa cumprido numa reunião íntima com os súbditos partidários, assumiu a «responsabilidade única» por tudo o que está a acontecer.

Um elevado acto de coragem ou um comportamento próprio de monarca absoluto numa república em dissolução acelerada?

A verdade é que, ao assumir todas as culpas pelos feitos de Benalla e respectivo gangue, o chefe de Estado está a constituir-se como único alvo judicial e político, sabendo de antemão que, por esse caminho, o assunto irá morrer; tão certo como ter Alexandre Benalla continuado a escoltar o presidente mesmo depois de punido – sem o ser.

É que em França, tal como noutras paragens, a Justiça terá muitas dificuldades em manter-se cega neste caso, tal é a envergadura da barreira de poderes e interesses que tem pela frente. E a política… Bem, a política está a funcionar bem dentro dos padrões do globalismo, como demonstram as evidências do affaire Benalla: tanto mais alto é o nível quanto mais rasteiros forem os processos.

O presidente-sol

Por entre o nevoeiro de mistérios formado por esta acumulação de peripécias começa a fazer sentido uma tese que corre há algumas semanas nos meios políticos franceses menos macronizados. Em torno da indefinição, por certo mantida deliberadamente, quanto às funções de Benalla e respectivos acólitos cleptómanos e caceteiros, parecem desenhar-se os contornos de um serviço secreto exclusivamente presidencial à imagem do US Secret Service, a guarda pretoriana do presidente dos Estados Unidos, ora reforçada com a tarefa do «combate ao terrorismo». Isto é, Macron está a criar um corpo policial secreto que apenas responderá perante ele, eximindo-se, desde modo, às organizações do Estado que têm como tarefa a segurança presidencial. No fundo, está em gestação uma irmandade macroniana com agenda, funções e tarefas próprias – e discricionárias - ao serviço da obstinada concentração de poderes e interesses na figura que os manipuladores neoliberais e transnacionais instalaram no Eliseu.

Dos objectivos e tipo de comportamento futuro dessa célula vamos tendo amostras pela maneira como Macron e o seu fiel Benalla vão fazendo ensaios e tomando a mão. A moribunda V República Francesa, afinal, está en marche para qualquer coisa não muito distinta do orbanismo na Hungria e suas manifestações paralelas da Ucrânia, Estónia e Letónia à Itália e Áustria, porque para o capitalismo absoluto o melhor é o absolutismo político.

De Luís XIV a Macron só passaram, afinal, quase 400 anos, se bem que sejam bem mais exigentes os desafios colocados, nos tempos de hoje, ao presidente-rei, enquanto se vai comportando como presidente-sol perante a bonomia complacente dos seus tutores.

Daí que a corte palaciana de Macron seja, sobretudo, uma máfia operacional capaz de actuar como tropa de choque ao serviço dos verdadeiros padrinhos, os interesses económicos e financeiros sem fronteiras.

Nada disto, como se compreende, é escrito em sentido figurado. Macron e a sua máfia encaram realmente o Estado como coisa sua, o que se percebe consultando o programa sobre privatização da Administração Pública anunciado pelo Palácio do Eliseu para aplicar até 2022 – portanto rapidamente e em força.


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