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Mais de três dezenas de trabalhadores resgatados da escravidão no Brasil

Em operações realizadas nos últimos dias, as autoridades resgataram 24 trabalhadores em condições análogas à de escravo em pedreiras do estado do Piauí e outros 12 em fazendas de café em Minas Gerais.

Nas pedreiras do estado do Piauí (Norte do Brasil), foram resgatados da condição análoga à escravidão mais de 100 trabalhadores desde Agosto de 2022 
Créditos / Brasil de Fato

Vinte e quatro trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão foram resgatados nos municípios de Rio Grande do Piauí, Jerumenha e Regeneração, no estado do Piauí, pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Segundo revela a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no seu portal, os trabalhadores encontravam-se distribuídos por quatro pedreiras, onde cortavam pedras paralelepípedo de forma rudimentar e artesanal, com recurso a ferramentas manuais.

Na operação, que decorreu entre 8 e 16 de Maio, participaram ainda o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal, que verificaram que os trabalhadores não estavam registados nem possuíam qualquer garantia de direitos laborais.

Além disso, constataram que o ambiente de trabalho era degradante e não oferecia condições mínimas de saúde, higiene e segurança aos trabalhadores, que dormiam no local, em «alojamentos» onde não havia armários, móveis ou camas.

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Brasil: fiscalização apanha cerca de 250 patrões com trabalho escravo por ano

«Todos os anos resgatamos mais de mil trabalhadores», disse ao Brasil de Fato Maurício Krepsky, chefe da Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo no país sul-americano.

O caso da apanha de uva foi denunciado por trabalhadores que conseguiram fugir do esquema e procurar Polícia em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul 
Créditos / Brasil de Fato

No passado dia 22 de Fevereiro, o flagelo veio à tona com o resgate de 207 trabalhadores em situação análoga à escravidão na apanha de uva no município de Bento Gonçalves (estado do Rio Grande do Sul).

No âmbito deste caso, foi detido o proprietário de uma empresa, responsável pela contratação de pessoas para empresas vinícolas da região. A fiscalização verificou no local as condições de insalubridade do alojamento, bem como a má conservação, a falta de limpeza e higiene.

De acordo com os depoimentos feitos à Polícia, os trabalhadores foram cooptados por angariadores de mão-de-obra, conhecidos como gatos, na Bahia e trazidos para a Serra Gaúcha para trabalharem para uma empresa subcontratada que presta serviços a uma empresa vinícola.

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Resgatados no Brasil 271 trabalhadores em condição análoga à escravidão

A operação ocorreu em três fazendas de cana-de-açúcar na região de João Pinheiro, no estado de Minas Gerais, sendo a maior dos últimos anos.

Os trabalhadores foram resgatados em fazendas de produção de cana-de-açúcar 
Créditos / MPT

Levada a cabo na semana passada, a operação foi divulgada pelo Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais (MPT-MG) na sexta-feira, quando se assinalava o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

O organismo revelou que a operação permitiu resgatar 271 trabalhadores em situação análoga à escravidão em três fazendas de produção de cana-de-açúcar na região de João Pinheiro, no Noroeste de Minas Gerais.

Nesse mesmo dia, 28 de Janeiro, os trabalhadores começaram a regressar aos seus estados de origem, no Nordeste do Brasil (Paraíba, Piauí, Pernambuco, Maranhão e Bahia), com as despesas a cargo dos empregadores.

A equipa de fiscalização, integrada pelo MPT-MG, a Auditoria Fiscal do Trabalho (AFT) e agentes das Polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF), trabalhou no local entre os dias 24 e 28, tendo recolhido depoimentos e apurado os valores que são devidos a cada um dos trabalhadores.

O valor total das verbas rescisórias, calculadas pelos fiscais, deve ultrapassar os cinco milhões de reais (mais de 837 mil euros). «Cada trabalhador vai receber indenização a título de reparação de danos morais individuais, e a empresa vai pagar também indenização por dano moral coletivo no valor de 400 mil reais [67 mil euros]», informou o MPT numa nota, citada pelo Brasil de Fato.

Os trabalhadores viviam uma «condição degradante, que configura exploração de trabalho análogo à escravidão», nomeadamente sem refeitório, fazendo as refeições sentados no chão, sem acesso a sanitários e estando abrigados em alojamentos superlotados.

De acordo com os procuradores do MPT que integraram a equipa de fiscalização, alguns trabalhadores testaram positivo à Covid-19.

Em 2021, as operações levadas a cabo pelas autoridades permitiram detectar trabalho análogo ao escravo em 23 dos 27 estados brasileiros  CréditosWesley Almeida / Brasil de Fato

Resgate maior que qualquer um registado em 2021

Segundo o Ministério Público do Trabalho, o ano passado foram resgatadas 1937 pessoas em situação de trabalho escravo contemporâneo. «O número é 106% maior que o de 2020, quando foram resgatadas 936 pessoas», refere o Brasil de Fato.

Minas Gerais foi, uma vez mais, o estado com o maior número de trabalhadores resgatados dessa condição – 768. O maior número de pessoas resgatadas num só estabelecimento ocorreu no Distrito Federal. No local, 116 pessoas estavam a trabalhar em condições degradantes.

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Entre as denúncias dos trabalhadores, contam-se jornadas laborais diárias de 15 horas, ausência de salário ou remuneração baixa, contracção de empréstimos com altas taxas de juros, obrigatoriedade de comprar produtos na loja da fazenda (a preços elevados), liberdade de movimentos restringida, agressões e ameaças (aos próprios e a familiares).

No Brasil, seguiram-se as reacções e o debate público, mas, segundo refere o Brasil de Fato, o caso – que envolve grandes empresas como Aurora, Garibaldi e Salton – não causou um repúdio unânime, ao contrário do que seria de esperar.

Esta operação de resgate, bem como outra que, no mesmo mês, tirou de condições similares 139 pessoas de uma plantação de cana-de-açúcar em Acreúna (estado de Goiânia), deixam em evidência «o escravismo brasileiro do século XXI», refere o portal.

«Não conseguimos combater o trabalho escravo sentados num escritório, com ar condicionado»

É neste contexto que o auditor fiscal do trabalho Maurício Krepsky ressalta a necessidade de aumentar o pessoal na Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, divisão que chefia.

«Não conseguimos combater o trabalho escravo sentados num escritório, com ar condicionado. É necessário que tenhamos auditores fiscais do trabalho em campo para poder verificar in loco as situações», declarou Krepsky.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Krepsky disse que cerca de 250 patrões são apanhados anualmente com trabalho escravo no país – praticamente um por cada dia útil –, e abordou as consequências que lhes são impostas.

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Trabalho escravo no Brasil: uma história que permanece

Entre 2003 e 2018, mais de 45 mil pessoas foram resgatadas de condições de trabalho análogo ao de escravo. O cenário pode piorar, uma vez que o aumento da pobreza e da desigualdade favorece a exploração.

STF acolheu uma de várias acções contra a portaria 1129/2017, que dificulta a fiscalização e o combate ao trabalho escravo no Brasil
No que respeita à erradicação do trabalho escravo no Brasil, o cenário actual é de retrocesso, denuncia o jornalista Marques Casara Créditos / noticiasaominuto.com.br

Desde 2009, a 28 de Janeiro assinala-se no Brasil o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que foi instituído em homenagem a quatro funcionários do Ministério do Trabalho assassinados em 2004, na cidade de Unaí, quando realizavam uma fiscalização de rotina em fazendas desse município de Minas Gerais.

«O trabalho análogo ao de escravo, segundo o previsto no art. 149 do Código Penal, é caracterizado por jornada exaustiva, sobrecarga de trabalho, condições degradantes, restrição da sua locomoção em razão de dívida com o empregador e esforço excessivo, sendo a sua prática considerada crime e punida com pena de reclusão de dois a oito anos», explica André Barreto, advogado e membro da Associação Brasileira de Juristas Pela Democracia (ABJD), num artigo publicado esta sexta-feira no portal Brasil de Fato.

Segundo dados recolhidos pelo Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo, entre 2003 e 2018, mais de 45 mil pessoas foram resgatadas dessas condições no Brasil.

Em 2019, o número de denúncias de trabalho análogo ao de escravo, aliciamento e tráfico de trabalhadores para a escravidão aumentou, revela o portal andes.org.br, precisando que no sistema informatizado do Ministério Público do Trabalho se registaram 1213 casos (em 2018 foram 1127).

«A luta contra o trabalho escravo nunca esteve tão ameaçada»

Na coluna que mantém no Brasil de Fato, o jornalista Marques Casara afirma que, actualmente, «as estruturas de fiscalização estão muito enfraquecidas e desmobilizadas pelo corte deliberado de recursos» e que as políticas de combate «estão sob ataque dentro do próprio governo».


Casara afirma que as coisas pareciam bem encaminhadas depois de, em 1995, o Brasil ter reconhecido, perante a Organização das Nações Unidas (ONU), «a existência de práticas contemporâneas de trabalho escravo» e ter accionado uma política de combate ao problema, que passou pela criação de uma força especial de fiscalização e, na década seguinte, pela elaboração do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e a criação da «lista suja», que expôs pessoas e empresas condenadas por trabalho escravo. «Mais de 50 mil trabalhadores foram resgatados», frisa.

No entanto, «o cenário actual é de retrocesso», alerta, sublinhando que o processo «começou no governo de Michel Temer e agravou-se brutalmente na actual gestão», de Bolsonaro.

«A política de erradicação do trabalho escravo sofre ataques cada vez mais fortes. O grupo especial de fiscalização já não existe. As fiscalizações estão praticamente paralisadas. O actual governo apoia escravocratas. A lista suja torna-se inútil sem investigações e denúncias sólidas», acusa Casara.

Da conversa que manteve com o presidente do Instituto Trabalho Decente, Antonio Carlos De Mello Rosa, que considera um dos principais especialistas brasileiros no desenvolvimento de estratégias de combate ao trabalho escravo, o jornalista destaca a possibilidade de o cenário piorar a curto prazo, na medida em que uma parte da população brasileira está a voltar para níveis de vida abaixo da linha da pobreza, a desigualdade social aumenta e «essa vulnerabilidade favorece a exploração».

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É que, apesar de prevista pela Emenda Constitucional 81, «a expropriação de terras de empresários escravistas nunca aconteceu, por depender de uma lei que regulamente esse processo, nunca aprovada no Congresso», explicou.

Sobre o perfil das pessoas resgatadas nestas condições, Maurício Krepsky disse que permanece quase o mesmo a cada ano: aproximadamente 90% são homens, negros e de baixa escolaridade.

Referiu-se ainda ao caso emblemático (e muito mediático) que surgiu no final de 2020, relativo a trabalho doméstico análogo ao de escrava no Brasil. Madalena Gordiano, em Minas Gerais, foi obrigada a trabalhar na casa de uma família dos oito até aos 46 anos de idade.

Esse resgate ajudou a trazer outros à tona; o número de denúncias aumentou e, tanto em 2021 como no ano seguinte, foram resgatadas 31 trabalhadoras submetidas a condições muito parecidas às de Madalena.

Não se trata apenas da submissão ao trabalho escravo, do não pagamento de salário, da restrição de liberdade, mas também de fraude e de apropriação de benefícios assistenciais, explicou.

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Também não havia chuveiros e as necessidades fisiológicas eram feitas no mato, relatou uma auditora, acrescentando que a alimentação era preparada em estruturas de pedra montadas no chão, sem que houvesse qualquer espaço de armazenamento.

Os trabalhadores estavam ligados a três empresas, que foram autuadas, e, segundo explicaram as autoridades de fiscalização, todas possuíam contrato firmado, mediante licitação, com o Poder Público do Piauí, estando a executar obras de pavimentação em paralelepípedo de vias públicas nas cidades de Antônio Almeida, Regeneração e Rio Grande do Piauí.

Gislene Ferreira dos Santos Stacholski, auditora fiscal do trabalho que coordenou a operação, disse ao Brasil de Fato, que «no Piauí tem sido bastante recorrente essa situação». «Nós iniciámos fiscalizações em pedreiras aqui no estado em Agosto do ano passado. Desde então, foi a sexta operação, e um total de mais de 100 trabalhadores resgatados», precisou.

12 resgatados em Minas Gerais

No Sul do estado de Minas Gerais, os serviços de inspecção do MTE, em conjunto com outras entidades estaduais e federais, resgataram 12 trabalhadores em condições análogas à escravidão, em três fazendas de café, numa acção de fiscalização iniciada no passado dia 8.

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Resgatados no Brasil 271 trabalhadores em condição análoga à escravidão

A operação ocorreu em três fazendas de cana-de-açúcar na região de João Pinheiro, no estado de Minas Gerais, sendo a maior dos últimos anos.

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O valor total das verbas rescisórias, calculadas pelos fiscais, deve ultrapassar os cinco milhões de reais (mais de 837 mil euros). «Cada trabalhador vai receber indenização a título de reparação de danos morais individuais, e a empresa vai pagar também indenização por dano moral coletivo no valor de 400 mil reais [67 mil euros]», informou o MPT numa nota, citada pelo Brasil de Fato.

Os trabalhadores viviam uma «condição degradante, que configura exploração de trabalho análogo à escravidão», nomeadamente sem refeitório, fazendo as refeições sentados no chão, sem acesso a sanitários e estando abrigados em alojamentos superlotados.

De acordo com os procuradores do MPT que integraram a equipa de fiscalização, alguns trabalhadores testaram positivo à Covid-19.

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Minas Gerais foi, uma vez mais, o estado com o maior número de trabalhadores resgatados dessa condição – 768. O maior número de pessoas resgatadas num só estabelecimento ocorreu no Distrito Federal. No local, 116 pessoas estavam a trabalhar em condições degradantes.

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Numa das fazendas inspeccionadas, no município de Conceição das Pedras, foram resgatadas cinco vítimas, migrantes da Bahia, que, de acordo com a CUT, «foram aliciados pelo empregador e alojados em condições degradantes».

Entre os vários aspectos denunciados, estão a falta de equipamentos de protecção individual – especialmente perneiras, uma vez o cafezal estava cheio de cascavéis –, e de água potável, bem como a falta de condições de alojamento.

Na segunda fazenda inspeccionada, no município de Três Pontas, foram resgatados seis trabalhadores, todos residentes no município, em condições laborais e de alojamento precárias, sem água potável, alimentação, condições sanitárias ou primeiros socorros.

No município de Campo do Meio, foi identificado um trabalhador com mais de 60 anos, sem qualquer documentação e que, segundo informações recolhidas, trabalha na fazenda há mais de 30 anos, sem contrato, férias ou 13.º mês. Residia numa barraca, em condições degradantes.

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