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«O povo não consegue mais pagar aluguer», diz habitante da maior ocupação do Paraná

Aumenta o número de famílias em situação vulnerável que vivem em habitações precárias junto à fronteira com a Argentina. A Ocupação Bubas, no Sul do Brasil, tem uma população estimada de 8000 pessoas.

A Ocupação Bubas situa-se no estado do Paraná, junto à fronteira com a Argentina 
CréditosBruno Soares / Brasil de Fato

Fechada desde o início da pandemia de Covid-19, a Ponte Internacional Tancredo Neves, que liga Foz do Iguaçu (oeste do Paraná) a Puerto Iguazú (departamento argentino de Misiones), foi reaberta no dia 27 de Setembro, num novo cenário para quem a cruza.

Cerca de 500 metros à frente da alfândega brasileira, a poucos passos da estrada que liga os dois países sul-americanos, a margem direita está ocupada por habitações precárias improvisadas por famílias em situação de vulnerabilidade.

«Tem brasileiro, tem argentino, tem paraguaio, tem de tudo. O povo não consegue mais pagar aluguer. Eu cheguei com meus filhos depois que fiquei desempregada, logo que começou a pandemia. Quando soube dessa oportunidade, limpei o terreno e ergui minha casa. Do contrário, estaria na rua», disse ao Brasil de Fato uma mãe de quatro crianças entre os dois e os seis anos.

Com receio de ser identificada, a chefe da casa de três divisões em terra batida pediu que não fosse divulgado o seu nome. «Tenho medo que venham aqui e tirem a gente, mas, enquanto isso não acontece, é a única forma que encontrei para viver com o mínimo de dignidade», frisou.

Mesmo ao lado da ocupação, fica uma estrada com grande movimento de camiões / Bruno Soares

Sem água tratada, saneamento básico, energia eléctrica ou qualquer outro serviço básico, mais de 60 famílias integram aquilo que se convencionou chamar «Bubas2». «Trata-se de uma ocupação dentro de outra ocupação», explica Cecília Angileli, ex-vice-reitora da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) e pós-doutorada em Gestão e Desenvolvimento Territorial.

«Por meio da Escola Popular de Planejamento da Cidade, realizámos entre 2018 e 2019 uma série de estudos sobre a expansão da Ocupação Bubas. Denominámos esta nova área como 'Bubas2'. À época, fizemos o cadastro dos novos moradores e identificámos cerca de 60 famílias, com média salarial de 500 reais [cerca de 79 euros]. Desde então, este número só tem aumentado», informou a investigadora.

De acordo com Angileli, uma boa parte das famílias veio da própria ocupação. «Observámos que muitos casos eram de pessoas que pagavam aluguer dentro da ocupação, e que viram na área desocupada a oportunidade de ter moradia própria», explicou.

A ocupação não tem as condições míninas para a habitação / Bruno Soares

Foi o caso da comerciante Jenny Fernandes. Mãe de duas crianças, a jovem de 24 anos construiu a sua barraca com a ajuda do marido. «Eu estava desempregada, não tinha mais condição de pagar aluguer. Era tudo dominado por mato, limpámos o que precisava e hoje temos a nossa casinha, é simples, mas é do nosso jeito», disse ao Brasil de Fato.

Entre os incómodos de viver num local sem condições mínimas para habitação, destacou o barulho constante dos camiões que passam pela ponte e os animais venenosos. «É muito barulho de camião, o tempo todo. E também tem o risco de picada de insectos peçonhentos, cobras, aranhas. Não é fácil, mas é o que temos», concluiu.

Oito anos de luta e espera

A «Ocupação Bubas» começou em Janeiro de 2013, num terreno de 40 hectares, que não tinha qualquer função e que passou a servir de abrigo para pessoas em situação de vulnerabilidade social, a quem havia faltado o apoio dos poderes públicos.

Assim que o terreno foi ocupado, o proprietário, Francisco Buba, um engenheiro civil pioneiro na Foz do Iguaçu, apresentou um pedido de recuperação do imóvel na Justiça, e o governo do estado no Paraná chegou a emitir uma ordem de expulsão das famílias. No entanto, os moradores não arredaram o pé e o despejo não se concretizou.

Em meados de 2015, a Unila entrou na ocupação, que se foi expandindo, e iniciou o cadastro de todos os que lá viviam, algo que, revela o Brasil de Fato, nem o município de Foz do Iguaçu nem a Companhia de Habitação do Paraná tinham feito.

A «Ocupação Bubas» começou em Janeiro de 2013, num terreno de 40 hectares; os moradores aguardam que o município realize obras de infra-estrutura no local / Bruno Soares

O trabalho da universidade na ocupação foi fundamental para que, em Abril de 2017, a Justiça local revogasse o «sim» ao pedido de recuperação do terreno apresentado pelo proprietário. A decisão judicial de não retirar as famílias fundamentou-se em artigos da Constituição Federal que garantem o direito à habitação e também em tratados da Organização das Nações Unidas.

Desde então, o processo passou a decorrer no Tribunal de Justiça do Paraná, que terá de decidir a quem cabe indemnizar o proprietário do imóvel. A expulsão dos moradores já não está em discussão. Apesar disso, nota a fonte, a falta de uma sentença definitiva é utilizada pelo município como argumento para não dar início ao processo de urbanização do bairro, considerado ilegal.

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