Um documento a que a agência Prensa Latina teve acesso destaca que a lembrança deste dia relaciona toda a gente com o massacre dos cidadãos da então República Federal da Jugoslávia, perpetrado por 19 países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte entre 24 de Março e 10 de Junho de 1999.
Pela primeira vez na história das Nações Unidas, sublinha a Rede, tomou-se a decisão de atacar um país soberano, membro e fundador desta organização internacional, sem a aprovação do Conselho de Segurança, um precedente criado como expressão da arbitrariedade política dos líderes dos Estados Unidos e da NATO.
Há vinte anos a NATO iniciou o bombardeamento da Jugoslávia. Começava a primeira agressão militar a um país soberano no continente europeu, após a Segunda Guerra Mundial. Os sérvios não esquecem. «A Sérvia jamais entrará para a NATO, nem que seja o único país europeu» a rejeitar aquela aliança militar, afirmou o ministro da Defesa sérvio, Aleksandar Vulin, em evento recordando a passagem do 20.º aniversário do início da agressão à Jugoslávia, desencadeada pela NATO a 24 de Março de 1999. «Estamos prontos para perdoar, mas não para esquecer», afirmou o ministro sérvio. «Fizemos esta escolha porque fomos bombardeados mas, acima de tudo, porque jamais faremos a outros aquilo que nos fizeram» – afirmou Vulin, confirmando que Belgrado escolheu ser militarmente neutral em qualquer situação. «Não faremos parte da NATO», afirmou também o presidente sérvio Aleksandar Vucic, durante uma entrevista à televisão russa Canal 1, a 22 de Março. «Tornei-o claro a [Jens] Stoltenberg» (secretário-geral da NATO) afirmou o presidente sérvio, acrescentando que «a Sérvia, que foi o coração da antiga Jugoslávia, não é algo que se possa esmagar ou destruir». «Não esperamos ser reembolsados pelas nossas perdas, nem podemos esperar a punição dos responsáveis por este crime horrendo», declarou Vucic, «mas o mais importante, agora, é [assegurar] que isto nunca mais nos volte a acontecer». A 24 de Março de 1999 iniciaram-se os bombardeamentos, pela aviação da NATO, à Jugoslávia. Era o primeiro de 78 dias de pesadelo. Entre 24 de Março e 9 de Junho os aviões da NATO cumpriram 38 mil missões sobre a Jugoslávia, sendo quase 11 mil delas de bombardeamento, atingindo aquele estado balcânico com mais de 23 mil bombas e mísseis – muitos deles integrando o cancerígeno urânio empobrecido. Fontes próximas à coligação agressora estimam terem sido despejadas sobre a Jugoslávia mais de 6,3 mil toneladas de bombas, quase um terço daquelas que, nos ataques de Dezembro de 1972, foram largadas pelos EUA sobre Hanói, durante a guerra do Vietname. O pretexto para os bombardeamentos foi um incidente na cidade de Racak, no Kosovo, onde os sérvios foram acusados do massacre de dezenas de civis de etnia albanesa naquela região da República Sérvia, a 15 de Janeiro de 1999. Trata-se de uma acusação contestada pelos sérvios mas também por diversos especialistas naquele conflito. Vladimir Chizhov, representante diplomático da Rússia na União Europeia (UE), declarou à RT News que se tratou de «uma pura provocação para começar os bombardeamentos», denunciando as acusações de massacre naquela «praça-forte dos militantes albaneses» como falsas e afirmando que os corpos apresentados pertenciam, na realidade, a membros dos grupos terroristas albaneses falecidos em combate. Os ataques aéreos, que não pouparam alvos civis, deixaram o país em ruínas. Milhares de mortos, muitos deles civis – a coligação admitiu «apenas» 500 – e dezenas de milhar de feridos, com um número não determinado de mortos, ocorridos anos mais tarde, por cancros causados pelas radiações emitidas pelas munições da NATO, é a conta criminosa que nenhum dos implicados nos ataques aceita receber, até hoje. Hoje é reconhecido que as bombas com urânio empobrecido, largadas pela NATO, poluíram o país. A substância tóxica, que é usada para dotar os projécteis de um mais elevado poder de penetração, é vista como estando na origem do aumento de cancros entre a população civil, que ainda hoje são demasiado elevados na Sérvia. Têm sido detectados cancros, em crianças sérvias com menos de 15 anos de idade, com uma frequência três vezes mais elevada do que em qualquer país europeu, afirmou à RIA Novosti a neurocirurgiã Danica Grujicic, directora de neuro-oncologia no Centro Clínico em Savski, nos arredores da capital, e docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Belgrado. «Cheguei a perguntar-me se estaríamos a fazer algo de errado», disse Grujicic, «operamo-los como sempre fizemos, recebem a radioterapia» e, ainda assim, «morrem passado um ano». A cidade de Vranje, no Sul da Sérvia, não era reconhecida por nenhum facto em particular, antes da agressão da NATO à Jugoslávia. Deixou de o ser: haverá poucas cidades na Europa que possam gabar-se de ter uma «rua da morte», refere uma reportagem do Canal 1 sobre a Sérvia: «depois de Hiroshima e Nagasaki, Vranje tornou-se a primeira cidade na história a ser bombardeada com armas nucleares». No decurso dos ataques ao país, aviões da NATO literalmente encheram a colina no centro da cidade com munições reforçadas com núcleos de urânio empobrecido. Vinte anos depois, os activistas locais das vítimas dos bombardeamentos com urânio continuam a aumentar as suas listas. «A minha mulher teve um diagnóstico de cancro e, duas casas abaixo, um vizinhomorreu de cancro pulmonar. Do outro lado da rua, os meus dois vizinhos estão doentes. E são pessoas jovens, não têm mais de 40-45 anos», disse à reportagem um residente local. A rua Przharskaya, chamada pelos habitantes de Vranje de «rua da morte», é a mais próxima da colina onde ficava a antena de televisão bombardeada pela NATO. Os resíduos radioactivos transformados em munições perfurantes encheram o ar de partículas tóxicas. Desde então, contam-se pelos dedos da mão as casas cujos moradores não sabem o que é um cancro. Os anos passam e a alta taxa de mortalidade permanece igual,«como se evidencia pelos anúncios de mais uma morte prematura», em cada passo da «rua da morte». Goran Petronievich é um conhecido advogado sérvio. Há 20 anos era juiz de distrito no tribunal de Belgrado. Em um dos seus veredictos dessa época condenou a 20 anos de prisão – in absentia – a direcção da NATO e os líderes dos países responsáveis pela agressão, entre eles Bill Clinton, Tony Blair e Madeleine Albright. A sentença foi anulada em 2001 pelas autoridades sérvias «sob pressão do Ocidente» e agora repousa «nos arquivos do tribunal», afirmou Petronievich ao Canal 1 russo, em programa produzido por aquela estação por ocasião da entrevista do presidente da Sérvia. «Ainda que chegue um tempo em que esta sentença volte a estar em demanda, nunca entrará em efeito» mas, «ainda assim, servirá a história», manifestou o jurista, acrescentando: «reunimos provas irrefutáveis de que as baixas civis não foram acidentais». Antes desta tentativa, ainda as bombas da NATO tombavam sobre o país, a Jugoslávia apresentou queixa no Tribunal Internacional de Justiça em Haia, da agressão que estava a sofrer. A queixa foi liminarmente rejeitada. «As mais de duas mil vidas ceifadas» pelos 78 dias de ataques, incluindo cerca de uma centena de crianças, «já não parecem uma irrealidade», diz-se na reportagem daquele canal televisivo. A impunidade favorece os criminosos, como se veio a ver no Iraque e na Líbia. A Jugoslávia foi apenas «a primeira vítima dessa falta de legalidade e cinismo», refere o Canal 1: «à destruição de um país, à morte de milhares de pessoas, à ocupação de 15% do território, chamaram uma operação de imposição da paz». Um outro advogado, Srdjan Aleksic, vem de Vranje, a cidade onde fica a «rua da morte». Quando, imediatamente após a guerra, a sua mãe morreu imesperadamente de cancro, prometeu a si próprio punir os responsáveis. Percebendo que das instâncias internacionais ou interestatais não se pode esperar justiça, concluiu que «o único caminho, para as vítimas», é demandarem os culpados por meio de processos privados, «exigindo compensação pelos dados sofridos». Um tribunal estabelecido por «grandes potências que não estivessem implicadas na agressão contra a Jugoslávia, como a Rússia, a Índia e a China» poderia, para Aleksic, ser a solução para obter justiça para as vítimas. «Um tal tribunal poderia ser absolutamente imparcial», afirma. As queixas poderão não ser apenas sérvias: soldados italianos da NATO, que estiveram no Kosovo após o fim dos bombardeamentos, morreram de cancro, inesperadamente, depois de regressarem a casa – outros lutam, ainda, contra a terrível doença. Ao reconhecerem como causa da morte desses soldados o contacto com resíduos das munições reforçadas urânio empobrecido, a justiça italiana criou um precedente que pode vir a servir a outras vítimas. E convém não esquecer que militares portugueses da KFOR morreram por essa razão. No seu escritório «acumulam-se as caixas de crimes sem castigo», refere a reportagem do Canal 1. Aleksic aguarda o veredicto de da comissão estatal sérvia, estabelecida no ano transacto com o objectivo de avaliar os danos causados pelos bombardeamentos da NATO e as suas consequências. «Este veredicto», refere a reportagem, «poderá tornar-se a base para transformar aquelas histórias em processos legais». Não será fácil. Os EUA anunciaram, recentemente, a sua disposição de imporem sanções contra representantes do Tribunal Internacional de Justiça de Haia que manifestem nem que seja a intenção, apenas, de acusar soldados americanos de crimes de guerra que tenham cometido no Afeganistão. É difícil de imaginar qual a reacção imperial a uma tentativa sérvia para pedir justiça por estes crimes, cometidos vinte anos atrás. O ministro da Ecologia e da Protecção Ambiental da Sérvia, Goran Trivan, mostrou-se pessimista, nas declarações prestadas ao Canal 1. «Não acredito que alguém venha a responder por estes crimes. O povo sérvio parece condenado a que ninguém seja responsável pelos crimes contra si cometidos. Compreendemo-lo muito bem. Mas, ao contrário do que é admitido, não ficaremos calados! Clinton e Solana cometeram crimes numa escala épica». «O impacto da injustiça interminável sofrido pela sociedade sérvia não é menor que o impacto das munições de urânio empobrecido sobre a saúde da nação». O jornalista do Canal 1 dificilmente poderia fechar de melhor forma a reportagem conduzida pelo canal televisivo. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Bombas sobre Belgrado
É a guerra
Alvos civis e vítimas civis: os horrores da guerra
Os responsáveis estão vivos, mas não serão julgados
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O texto afirma que esse foi o último grande crime do século XX, cometido pelo Ocidente em violação do direito internacional e numa tentativa de estabelecer um mundo unilateral, e destaca que essa acção bélica inaugurou um modelo de intervencionismo global que depois se aplicou no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, no Mali e na Síria.
A nota a que a agência cubana teve acesso acrescenta que, longe do medo e da agonia esperados, as forças de defesa jugoslavas, pese a inferioridade técnica e militar, ofereceram uma magnífica resistência e as canções patrióticas dos desobedientes ressoaram em locais públicos, pontes e tertúlias.
Foram 1008 soldados e polícias mortos, que marcharão para sempre junto à memória colectiva, bem como mais de 2500 vítimas civis do crime da NATO, incluindo 89 crianças, denuncia a declaração.
Resistência à desmemória e à «profanação» do Fogo Eterno
A Rede afirma que as cicatrizes daquela agressão ainda não se apagaram, mas que as transformações sociais e políticas posteriores na Sérvia fizeram surgir figuras que mudaram a atitude face à agressão e à forma de a recordar.
Chamou a atenção da Rede o facto de o monumento denominado Fogo Eterno, em Belgrado, ter sido vandalizado, apagada a chama, símbolo da defesa heróica da Sérvia com a participação de todo um povo, e destruída a placa com os nomes dos países participantes no ataque.
Dentro de algumas horas, a Rádio Televisão da Sérvia será bombardeada para calar a agressão da NATO à Jugoslávia. Estamos em 1999 e este é um dos muitos ataques contra alvos civis, ao longo de 78 dias. A agressão imperialista à República da Jugoslávia tinha começado um mês antes, a 24 de Março de 1999, e desenrolou-se até 10 de Junho desse ano, depois de fracassadas as negociações em Rambouillet e Paris, entre 6 e 23 de Fevereiro de 1999, com o pretenso objectivo de pôr fim ao conflito entre o Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) e as forças de Belgrado, acusadas de promoverem uma limpeza étnica. Durante 78 dias, aviões e navios de guerra da NATO realizaram 3800 «operações de combate», lançando 22 milhões de quilos de bombas, cerca de 2300 mísseis e 14 mil bombas sobre um milhar de alvos, entre os quais a Rádio Televisão Sérvia, onde morreram 16 pessoas. Para a NATO, a sede da TV Sérvia, em Belgrado, era um alvo militar a abater pelo facto de ser «porta-voz da propaganda» de Milosevic. Por outras palavras, pelo facto de revelar uma realidade não conforme com a que foi fabricada pelo Ocidente, evidenciando as consequências dos ataques da Aliança Atlântica, liderada pelos EUA. Os ataques a pontes, comboios, colunas de refugiados, mercados e fábricas foram alguns dos crimes cometidos pela NATO, e que a televisão estatal cobriu. Em 2002, Milanovic, ex-director da televisão estatal, foi condenado por um tribunal sérvio a dez anos de prisão por não ter procedido à evacuação dos trabalhadores, apesar de «saber que o edifício podia vir a ser alvejado e que um ataque provocaria necessariamente a perda de vidas humanas». Milanovic acabaria por ser o único condenado pelo bombardeamento ocorrido na madrugada do dia 23 de Abril. O advogado de Milanovic classificou a sentença como «o mais vergonhoso veredicto na história da justiça de Belgrado». Mais curioso ainda, o facto de Carla del Ponte, procuradora do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ), ter admitido que, após analisar a possibilidade de indiciar os dirigentes dos países da NATO, estes não eram responsáveis pelos crimes. Criado em 1993 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o TPIJ foi, segundo Diana Johnstone, na sua obra Cruzada de Cegos, «uma instituição estabelecida de cima para julgar os de baixo. […] Desde o princípio, o objectivo proclamado pelos seus promotores principais não foi forjar um instrumento de Justiça neutra e universal mas punir um grupo nacional: os sérvios». As supostas negociações ocorridas em França e mediadas pela NATO não foram mais do que uma encenação. Numa entrevista concedida ao Belgrado Politika, em 2013, Zivadin Jovanovic, então ministro jugoslavo dos Negócios Estrangeiros, afirmou que «em Rambouillet, não houve nem tentativa de alcançar um acordo, nem de negociação». Zivadin Jovanovic explicou que o enviado norte-americano exigiu à delegação jugoslava que se limitasse a assinar o texto que ele mesmo tinha elaborado e colocado em cima da mesa, «segundo o princípio take it or leave it [peguem ou larguem]». Entre os pressupostos do referido texto, assinalava-se a passagem livre e sem restrições, bem como o acesso total em todo o território da República Federal da Jugoslávia por parte do pessoal da NATO, incluindo os seus veículos, navios, aviões e equipamento. Numa entrevista ao Daily Telegraph de Londres, a 27 de Junho de 1999, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger denunciou: «O texto do projecto de acordo de Rambouillet, que exigia o estacionamento de tropas da NATO em toda a Jugoslávia, era uma provocação. Serviu de pretexto para começar os bombardeamentos. O documento de Rambouillet estava formulado de tal maneira que nenhum sérvio podia aceitá-lo.» Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Internacional|
Jugoslávia: o dia em que uma televisão se tornou um alvo militar
«Take it ou leave it»
«Uma provocação»
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Por isso, lançou a iniciativa de restaurar a instalação, voltar a acender a chama da tocha e colocar em redor do pedestal o texto original e os nomes dos agressores.
Também sugeriu colocar no local aquilo que designa como 14 obstáculos, com os nomes dos mais altos políticos e comandantes da aliança ocidental, condenados no Tribunal do Distrito de Belgrado em Setembro de 2000, como «advertência ao mundo inteiro do perigo da arbitrariedade política e abusos de poder», refere a Prensa Latina.
Considerou ainda oportuno para as actuais e futuras gerações fazer o contraste entre essas personagens e as últimas palavras dos pilotos coronel Milenko Pavlovic e major Zoran Radosavljevic, dedicadas ao amor à pátria e à defesa das crianças do país, como um acto de desagravo à profanação do monumento.
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