Um presidente não deveria dizer isso... é o título da obra da autoria de Gérard Davet e Fabrice Lhomme, onde o presidente francês revela que as contas apresentadas em Bruxelas pelo país eram falsas, um procedimento repetido desde que foi eleito, em 2012, com a cumplicidade da Comissão Europeia.
De acordo com o Expresso Diário de ontem, François Hollande disse, em entrevistas gravadas pelos jornalistas do Le Monde, que as previsões do défice das contas públicas francesas foram «uma mentira pura e simples, aceite por todas as partes». Hollande afirma que o único pedido da Comissão Europeia foi «apontar para os três por cento», para que, em troca, fosse concedida «uma certa bondade no ritmo da trajectória». Ou seja, a França só tinha que dizer que ia reduzir o défice para o limite dos 3%, ainda que não houvesse qualquer intenção de o fazer.
«Porque a França é a França»
Jean-Claude Juncker, explicando porque não houve lugar a sanções aos gauleses
O «acordo secreto» terá envolvido os responsáveis máximos da Comissão Europeia, tanto sob a presidência de Durão Barroso e de Jean-Claude Juncker. O presidente francês diz mesmo que o próprio Barroso estava informado da manipulação, assim como outros comissários. A França recebeu duas extensões do prazo para corrigir o seu défice público: de 2013 para 2015, e agora até 2017.
O objectivo era reforçar a legitimidade da Comissão Europeia para exigir aos restantes estados-membros o cumprimento das metas. Como se viu este ano, apesar de a França ultrapassar o limite, não foi sancionada, porque «a França é a França», explicou Juncker. Portugal e Espanha, na mesma situação, continuam a ser alvo de um processo de sanções que, a par das renovadas exigências de cortes, pode ainda resultar na suspensão de parte dos fundos comunitários a que têm direito.
Nos últimos dias, o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, tem afirmado que não vai cumprir as regras orçamentais europeias no próximo ano. Em causa estão despesas relacionadas com a reconstrução das áreas afectadas pelos sismos deste ano e com a chegada de 155 mil migrantes, até Outubro, ao país.
«É o privilégio dos grandes países. Nós dizemos: somos a França, nós protegemo-vos, temos umas Forças Armadas, uma força de dissuasão, uma diplomacia. Eles, os europeus, sabem que precisam de nós e, portanto, isso paga-se»
François Hollande, «Um presidente não deveria dizer isso…»
O plano orçamental recentemente apresentado em Bruxelas pelo governo francês aponta para um défice de 2,7% mas a verdade é que não é a primeira vez que as estimativas do governo dirigido por Hollande não aderem à realidade. Curiosamente, apesar desse registo de desvios, a Comissão Europeia só pediu explicações adicionais à Bélgica, a Chipre, a Espanha, à Finlândia e a Portugal, relativamente aos planos orçamentais entregues em meados de Outubro.
Na verdade, desde a assinatura do Tratado Orçamental, em 2013, e o reforço do controlo orçamental sobre os estados-membros, a Comissão Europeia nunca fez qualquer reparo aos planos orçamentais apresentados pela França no quadro do Semestre Europeu.
Inconfidências revelam crimes de Estado
Outra das revelações que está a causar polémica em França é a autorização para quatro «assassinatos selectivos» de alegados chefes terroristas. Hollande defende que «outros presidentes fizeram isso» para se justificar, perante actos que se especula poderem ser alvo de julgamento pelo Tribunal Penal Internacional.
Estes assassinatos terão sido levados a cabo no exterior, através das «operações homicidas», como são conhecidas nos meios militares franceses. Noutras passagens, o presidente francês caracteriza o Islão como «um problema» para o país.
Hollande defende ainda que o país tem «demasiadas chegadas, uma imigração que não devia existir», num discurso mais próximo da Frente Nacional do que da tradição do seu Partido Socialista. Noutra passagem, defende um «hara-kiri» do seu partido, de forma a criar uma nova formação partidária.
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