Desde a invasão do exército de Napoleão Bonaparte até aos tiroteios recentes entre jovens armados locais e as forças de ocupação israelita, os habitantes da cidade do Norte da Cisjordânia falam com orgulho do seu histórico desafio.
«Cresci a ouvir a história heróica do meu tio-avô, Farhan al-Saadi e [Izz al-Din] al-Qassam, que espalharam as sementes da resistência e inspiraram a geração seguinte em Jenin, incluindo eu», disse Bassam al-Saadi, agora com 61 anos, ao jornalista Fareed Taamallah, do Middle East Eye (MEE).
Tal como as lembranças de Saadi, as histórias familiares que os residentes mais velhos partilham desenham um longo legado de luta contra a opressão e a ocupação que persiste na actualidade.
Jenin encontra-se na base das colinas escarpadas de Nablus, as Jabal an-Nar ou «as montanhas de fogo», como foram chamadas depois de os seus habitantes terem incendiado olivais e florestas para travar o avanço dos soldados franceses em 1799.
Quando os franceses ganharam a batalha, Napoleão ordenou aos seus soldados que queimassem e saqueassem Jenin, como represália pela ajuda aos otomanos.
O tio revolucionário
Mais de um século passado, em Setembro de 1918, Jenin foi capturada por aliados britânicos, durante a Primeira Guerra Mundial, ficando sob domínio das autoridades do Mandato Britânico, tal como o resto da Palestina.
Foi neste período, em 1935, que Izz al-Din al-Qassam, um pregador muçulmano e «dirigente» social, organizou a primeira resistência armada palestiniana contra os britânicos na região de Jenin.
Em 1936, Jenin era um centro da rebelião contra as autoridades britânicas, liderada pelo amigo de Qassam, e tio-avô de Bassam al-Saadi, Farhan al-Saadi. Este, natural de uma aldeia próxima de Jenin, participou em manifestações contra os britânicos e no levantamento de al-Buraq, em 1929, que foi um confronto entre muçulmanos e judeus pelo acesso a um lugar sagrado em Jerusalém e que alastrou a todo o país.
Os dois homens tinham-se conhecido anos antes de que as autoridades britânicas metessem na cadeia Farhan al-Saadi, entre 1929 e 1932. «A minha mãe disse-me que viu al-Qassam visitar o meu tio-avô na sua casa, na aldeia de Almazar», disse Saadi ao MEE.
«Mas quando saiu da prisão, juntou-se a al-Qassam, que encontrou entre os camponeses de Jenin uma incubadora popular para a sua revolução», referiu.
Meses antes do início da revolta árabe contra o Mandato Britânico, que apelava à independência palestiniana e ao fim da imigração judaica sem limites, al-Qassam foi morto num tiroteio com a polícia colonial britânica.
Mas Farhan al-Saadi continuou. No dia 15 de Abril de 1936, o seu grupo fez uma emboscada a um autocarro na estrada Nablus – Tulkarem, perto de Jenin. Dois passageiros judeus foram mortos como vingança pela matança de palestinianos por organizações judaicas, um incidente visto como o ponto de partida da revolta.
Bassam al-Saadi disse que a sua mãe era uma adolescente quando o seu tio-avô foi preso na casa da sua família, em 1937. Foi executado em Novembro desse ano, com 75 anos, mas a rebelião em Jenin continuou.
Em 1938, um dia depois de um alto comandante britânico ter sido assassinado no seu gabinete em Jenin, uma grande força britânica entrou na cidade com explosivos e dinamite, fazendo explodir aproximadamente um quarto da urbe.
A revolta terminou em 1939, quando os funcionários do Mandato Britânico emitiram um livro branco com a promessa de travar a imigração judaica para a Palestina, já com a maior parte dos líderes revolucionários palestinianos assassinados ou presos.
Reconstrução com lama e pedra
Em 1948, depois de Israel ter declarado a independência e milhares de palestinianos terem sido assassinados ou expulsos de suas casas, por grupos paramilitares judaicos, o Exército israelita ocupou brevemente Jenin.
A cidade podia ter tido a mesma sorte que a cidade vizinha de Haifa, que foi ocupada por Israel e cujos residentes árabes foram expulsos. A maior parte dos residentes de Jenin viu-se obrigada a fugir, sob o intenso bombardeamento da sua cidade.
Mas, em vez de ser ocupada, Jenin foi defendida pelo Exército iraquiano e por voluntários palestinianos, incluindo Mohammad Qasrawi, da aldeia de Burqin, perto de Jenin. Agora, com 96 anos, Qasrawi falou sobre a «grande batalha» entre o Exército iraquiano e a milícia judaica.
«Muita gente morreu, incluindo três amigos meus, que enterrámos com os mártires iraquianos no cemitério de Al-Shuhada, mas ganhámos a batalha e derrotámos os bandos», disse.
Em 1949, Jenin ficou sob domínio jordano e, no início dos anos 50, foi criado o campo de Jenin, para albergar os palestinianos deslocados que haviam sido expulsos durante a guerra de 1948 entre Israel e os países árabes.
O campo, localizado nos arrabaldes ocidentais de Jenin, tornou-se mais tarde um bastião da resistência à ocupação israelita.
Khadra Abu Sariyyi, de 84 anos, lembra-se de quando as milícias sionistas destruíram a aldeia de Zare'en, sua terra natal, forçando a sua família a viver como refugiados no acampamento de Jenin.
«Construímos uma casa de pedra e lama», disse, falando num acampamento onde ainda vive e onde a casa da sua família foi demolida duas vezes.
«O meu irmão Hassan, que foi um dos revoltosos contra os britânicos e se envolveu na revolução, foi morto a tiro, em 1969, por militares israelitas, que depois levaram o seu corpo», disse. Nunca foi devolvido à família. Até hoje, não sabem onde está enterrado.
Bassam al-Saadi também se lembra do tempo que passou no acampamento de Jenin, depois de os seus pais terem fugido da aldeia de Almazar, também arrasada por milícias judaicas, quando conta as histórias do seu tio-avô e de Qassam.
«A esperança deles era voltar»
Jenin caiu sob domínio israelita depois da guerra de 1967, o que levou muitos jovens locais, como Jamal Zobaidi, a juntar-se à resistência contra a ocupação.
Zobaidi, agora com 65 anos, disse que ele e a sua família, juntamente com muitos outros palestinianos, fugiram do acampamento de Jenin para as montanhas durante a guerra, para escapar aos bombardeamentos contínuos.
«A sua esperança era voltar às suas aldeias, mas, em vez disso, acabaram por regressar ao acampamento», disse Zobaidi, que lutou contra a ocupação palestiniana com recurso a actividades pacíficas nas décadas de 1970 e 1980. Foi preso seis meses sem acusações ou julgamento em 1987. A sua casa, disse, foi uma de várias que que o Exército israelita demoliu como punição colectiva.
Em Dezembro de 1987, quando rebentaram os protestos contra a ocupação israelita na Cisjordânia e em Gaza, os habitantes de Jenin resistiram. Joma'a Abu Jabal, de 54 anos, nascido no acampamento de Jenin depois de a sua família ter sido expulsa de Lid al-Awadeen, uma terra perto de Haifa onde viviam em 1948, lembra-se bem.
«O Exército israelita com jipes blindados não conseguiu invadir o acampamento durante 60 dias devido à feroz resistência», disse ao MEE. O irmão de Abu Jabal, Isam, foi morto a tiro por um franco-atirador israelita, quando o Exército acabou por entrar no campo, em Fevereiro de 1988.
Abu Jabal foi preso mais de dez vezes pelo Exército israelita entre 1987 e 2020, sendo acusado de pertencer ao Hamas. Passou, no total, mais de cinco anos na prisão e agora trabalha na construção.
A invasão de Jenin
Durante a segunda Intifada, o Exército israelita atacou o acampamento de Jenin no âmbito daquilo que foi designado como Operação Escudo Defensivo.
Em Abril de 2002, o Exército israelita cercou o acampamento, cortou-lhe a água, o acesso a alimentos e a electricidade, impedindo ainda a entrada de pessoal médico antes de o bombardear com aviões F-16 e artilharia.
A operação provocou a morte de dezenas de palestinianos e a destruição de dezenas de casas, além de milhares de deslocados, tornando-se um símbolo importante da opressão israelita e da resistência palestiniana.
Durante a invasão, Joma'a Abu Jabal estava a guardar comida e a distribuí-la aos residentes no acampamento quando um soldado israelita o atingiu na perna com uma bala explosiva que lhe desfez a rótula.
Manteve-se escondido numa casa abandonada quatro dias, com as feridas a sangrarem, para evitar ser preso. No entanto, quando os militares israelitas invadiram o acampamento, levaram-no detido e mantiveram-no na cadeia seis meses.
«Levaram-me para a prisão, onde me deixaram a sangrar até o pé ficar infectado. Submeteram-se a interrogatórios e torturas batendo-me no pé ferido», disse. «Internaram-me num hospital, onde me amputaram a perna sem minha autorização», acrescentou.
Nessa mesma invasão, Jamal Zubaidi, de 65 anos, ficou encurralado em sua casa com 14 membros da sua família. A casa já tinha sido demolida na primeira Intifada.
«Os aviões israelitas bombardearam a nossa casa com três mísseis, transformando-a em escombros pela segunda vez, mas sobrevivemos milagrosamente», disse.
Embora a família de Zubaidi tenha sobrevivido ao bombardeamento, a operação foi devastadora noutros aspectos. A sua mãe, Sameera, foi morta a tiro pelas tropas israelitas pouco antes da invasão, em Março. E mataram o seu irmão Taha no mês seguinte, revelou.
A sua casa seria parcialmente demolida pela terceira vez em 2004, quando as tropas israelitas andavam à procura do seu irmão Zakariyya. Figura conhecida da resistência e ex-comandante das Brigadas dos Mártires de al-Aqsa, Zakariyya foi um dos seis prisioneiros que escaparam da prisão de Gilboa, em Israel, no início deste mês, antes de ser capturado.
Estava na cadeia desde 2019, acusado de participar em actividades armadas contra Israel, anos depois de aceitar baixar as armas, em 2007.
Três outros irmãos de Zubaidi também estão da cadeia por participarem nas actividades da resistência, principalmente em grupos ligados à Fatah: Yahya há 17 anos, Jibreel há 13 e Dawood há 20.
Hoje, o acampamento de Jenin é ainda um dos focos de resistência contra a ocupação israelita, e um local pouco comum, onde existe unidade entre todas as facções palestinianas, incluindo a Fatah e o Hamas.
«Estamos unidos na luta, e a divisão não é tanto entre as facções da resistência como entre a resistência e os inimigos da resistência», disse Abu-Jabal. «Mas havemos de ultrapassar isso.»
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui