Cansado de ninguém lhe fazer o elogio de que se julga merecedor, o ministro Pinto Luz escreveu um artigo patético no Correio da Manhã com o título «decisões para gerações».
Neste, o ministro apresenta-se como um decisor, o Homem que finalmente desbloqueou as grandes obras de infra-estruturas que os outros irão inaugurar.
Quase sentimos a música de fundo quando lemos «Estou consciente de que a maioria das decisões que hoje tomo só será visível quando terei deixado de exercer estas funções. Refiro-o sem qualquer forma de queixume...». Claro que o efeito se quebra quando percebemos a fina ironia por detrás destas frases, se nos lembrarmos de Ferreira do Amaral, o ministro que assinou a parceria público-privado (PPP) com a Lusoponte, cujas implicações para o erário público só se tornaram evidentes quando Ferreira do Amaral já tinha deixado de exercer as funções de ministro e já era presidente da Lusoponte e uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) arrasou aquela PPP, para a qual todos continuamos a pagar e da qual Ferreira do Amaral continua a receber. Ou quando nos lembramos das privatizações da TAP e da ANA, cujas implicações verdadeiramente criminosas só se tornaram publicamente conhecidas depois de auditorias do Tribunal de Contas e da Inspecção-Geral das Finanças... e de outra CPI. Ou das implicações das revisões dos contratos das PPP rodoviárias, que se tornaram conhecidas já quando o ministro Pires de Lima tinha deixado de exercer essas funções e já era CEO da Brisa.
É que o problema é mesmo esse. Os ministros que tomam decisões de cujas dramáticas consequências o povo só se apercebe uns anos depois, já a maioria dos governantes estão governados porque governaram para os grandes grupos económicos. E fica o povo a pagar.
Na sua auto-apologia, indigna-se: «Assistimos, durante demasiados anos, a avanços e recuos na questão do Novo Aeroporto, ou das linhas de Alta Velocidade.» Só omite que ele não era um «assistente», quando o Governo PSD/CDS cancelou quer um, quer outro projecto, tendo chegado a ser secretário de Estado das Infraestruturas desses governos.
«É que o problema é mesmo esse. Os ministros que tomam decisões de cujas dramáticas consequências o povo só se apercebe uns anos depois, já a maioria dos governantes estão governados porque governaram para os grandes grupos económicos. E fica o povo a pagar.»
E valoriza: «Decidimos a localização do Aeroporto em tempo recorde.» Bem, 50 anos deve ser um recorde mundial, sim. Se pretendia valorizar a sua acção com aquele «decidimos», lamentamos mas já muitos antes dele decidiram o mesmo, mas não o concretizaram. Por exemplo, a decisão estava tomada em 2008, e foi revogada pelo Governo PSD/CDS de que Pinto Luz fazia parte. E, por enquanto, a única coisa que está a ser concretizada é a ampliação da Portela para 45 milhões de passageiros...
Onde o ministro mente descaradamente ao povo é quando diz: «Avance-se com Alcochete, sem custos para o Orçamento do Estado, como sempre afirmei.» Ora, das duas, uma, ou o ministro não leu a proposta da Vinci, entregue em Dezembro de 2024, e assinou a resposta do Governo sem a ler, ou julga que mais ninguém leu. Porque a Vinci, para fazer o aeroporto, quer a concessão por mais 30 anos, e isso, com os resultados de 2023, seriam 12,5 mil milhões de lucros da ANA que deixavam de entrar no Orçamento do Estado (OE) e passavam a entrar nos lucros da Vinci. Sem custos? 12,5 mil milhõezitos de nada... mas que não saem, só deixam de entrar. Ou que a Vinci quer duplicar as taxas de Lisboa, o que colocaria algumas taxas com aumentos de 400% face ao antes da privatização da ANA. Mas que não saem do OE, é o povo que paga... Ou que a ANA quer receber o que agora vai investir na Portela, e quer direito a pedir reequilíbrios financeiros por tudo e por nada... mas isso não são despesas, são só cheques em branco que só serão preenchidos quando o ministro já for outro.
A forma completamente descarada como os governantes hoje mentem é o reflexo de uma comunicação social completamente subjugada, alinhada, convertida em instrumento de dominação. Mas esse é um problema mais vasto.
No que respeita ao Novo Aeroporto de Lisboa, é preciso impedir que esta gente, que comprometeu gerações de portugueses com a criminosa privatização da ANA, possa agora entregar mais cerca de 20 mil milhões à Vinci.
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