Voltaram as notícias a falar da «avaliação da TAP», com base em avaliações realizadas pelo Banco Finantia e pela Ernst & Young, e pagos por todos nós através da Parpública. Sucintamente, a mensagem que quiseram passar pode ser resumida em duas frases desse artigo do Correio da Manhã de 13 de Fevereiro: «o valor da TAP é muito inferior aos 3,2 mil milhões de euros injectados pelo Estado» e «as duas novas avaliações atribuem à TAP um valor, para efeitos de privatização, entre 800 milhões de euros e 1,1 mil milhões de euros».
Os mesmos «estudos», mas de 2023, tinham dado origem a 17 de Setembro a uma notícia similar no Diário de Notícias, onde este expressamente afirmava «ter tido acesso» a dois documentos, Project ZEUS e Project WRIGTH, respectivamente do Banco Finantia e da EY para a Parpública.
Estes «estudos» e «pareceres» pagos pelo povo português – que, no seu conjunto, ascendem a mais de 400 milhões de euros, segundo a IGF, em 10 anos de privatizações, desprivatizações e reprivatizações da TAP – são muito citados, mas nunca são disponibilizados publicamente.
O Grupo Parlamentar do PCP requereu-os na sequência das notícias de Setembro, mas o acesso foi-lhe negado, por ser «extemporâneo». Depois, voltou a insistir no requerimento dos estudos de 2023 e solicitou os estudos de 2024 quando existissem. O Governo não respondeu, mas a realidade aí está a mostrar que os estudos de 2024 já existem, são para ser usados na propaganda do Governo mas não são para ser conhecidos, nem pelos deputados da Assembleia da República. Só pelos jornalistas do Correio da Manhã... na condição de escreverem a notícia que o Governo quer ver escrita.
E a razão porque tentam esconder os «estudos» concretos é a sua extrema fragilidade. Um dos méritos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP é que a esta não puderam ser negados um conjunto de documentos até aí escondidos do povo português. Incluindo os estudos de avaliação da empresa para o anterior processo de privatização. Os «estudos» davam vontade de rir de tão mal feitos que estavam. Uns bocados de papel mal-amanhados que podiam ser produzidos por qualquer aluno do 12.º ano a quem fosse dada essa tarefa e o Relatório e Contas da TAP do último ano... EBITDA*Dívida/Despesa salários igual a X, ou qualquer simplificação similar. «Estudos» que custam milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares de euros (o Governo também se recusou a informar quanto tinham custado estes) cujo valor principal não é a avaliação realizada, mas o valor instrumental para o Governo poder dizer que a TAP foi avaliada por X, e que quem o diz é a Ernst & Young, com este som anglófono que aumenta tanto a credibilidade da coisa.
O valor da TAP para quem?
Mesmo que os estudos fossem sérios1, o que lhes é pedido para avaliar é o valor da TAP para um accionista privado. Ou seja, o valor da TAP fica ligado à capacidade de gerar lucros a esse accionista privado. Como a TAP dá lucro (173 milhões em 2023), ela tem valor X para um privado. Ora, a TAP para o povo português e para o Estado português não tem esse valor, não é fundamentalmente para obter lucros que o Estado tem uma empresa de aviação.
«Um dos méritos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP é que a esta não puderam ser negados um conjunto de documentos até aí escondidos do povo português.»
O melhor exemplo creio que continua a ser o da Segurança Social. Os números solicitados pela CPI à Segurança Social demonstraram que, em 10 anos, a TAP entregara 1400 milhões à Segurança Social portuguesa, quando a Ryanair entregara 40 milhões. Para um número já similar de passageiros transportados. Com o que isto reflecte sobre os salários pagos em ou fora de Portugal. Com o impacto que isto tem na sustentabilidade da Segurança Social, na dinamização da economia nacional que é onde o grosso dos salários da TAP acabam. Ora, nos dois últimos anos (2023 e 2024) as empresas do Grupo TAP pagaram 270 milhões de euros à Segurança Social.
Qual é o valor financeiro que pode ser atribuído ao Estado ainda deter instrumentos para, num momento de crise, retirar milhares de portugueses do estrangeiro? Para um capitalista isso vale zero. Para os portugueses que foram apanhados pela pandemia no estrangeiro significou bastante. Qual o valor atribuído por um capitalista ao facto da TAP em 2023 ter adquirido 1,4 mil milhões de euros a 1290 empresas portuguesas e não a empresas irlandesas, espanholas ou alemãs? Zero. E para essas empresas? E para a economia nacional? E para o Estado?
Nós não podemos olhar para as empresas e para a economia com os olhos de quem vive de aplicar capital e retirar dividendos desse capital. Seria como avaliar as medidas de higiene de cada um a pensar na perspectiva de uma carraça ou de um piolho. Claro, quanto menos banhos melhor...
Recuperar o quê?
Neste processo há, no entanto, uma nova mistificação. A ideia, repetida até à exaustão, que o Estado tem que «recuperar» na venda o dinheiro que colocou na TAP, «os 3,2 mil milhões».
Primeiro, o Estado não colocou 3,2 mil milhões na TAP. O Estado evitou a falência da TAP privatizada com um apoio financeiro público, que naquela altura PSD e IL exigiam que fosse oferecido ao dono da TAP, que se recusava a capitalizar a sua própria empresa. Esse apoio destinou-se a coisas muito concretas: 640 milhões (nas contas da UE) foram para amortizar os prejuízos com a pandemia. Todas as empresas de aviação receberam apoios desses2, muitos deles bem maiores que os pagos à TAP. Não havia alternativa, as empresas de aviação estavam todas paradas, com as frotas no chão, era deixar falir todo um sector económico ou apoiá-lo. Se o país tivesse deixado falir a TAP, quanto lhe teria custado? Só em subsídios de desemprego algo como 2 mil milhões de euros... E os custos para o Turismo?
«O Estado evitou a falência da TAP privatizada com um apoio financeiro público, que naquela altura PSD e IL exigiam que fosse oferecido ao dono da TAP, que se recusava a capitalizar a sua própria empresa.»
Depois, o Estado teve de equilibrar as contas da TAP que tinham sido desequilibradas por dois factos concretos: a negociata da Manutenção Brasil, que custou à TAP mais de mil milhões de euros, e que só por si explica todos os resultados negativos do grupo TAP desde 2005; o inchar da TAP pela gestão privada antes da pandemia, num crescimento sem capitalização e sustentado apenas no aumento das receitas geradas, que tornou à TAP particularmente impossível aguentar o tempo que esteve parada. Esse valor estava destruído, foi destruído pela gestão privada e por uma opção da gestão pública completamente alheia aos interesses dessa gestão pública, e que por isso era contestada desde o primeiro dia pelos trabalhadores da empresa e pelo PCP.
Na realidade, o que o Estado colocou como capitalização da TAP foram cerca de mil milhões de euros. É esse dinheiro que os «estudos» localizam quando fazem as avaliações que fazem.
Por fim: esse apoio público para evitar a falência da TAP não é recuperável através da venda a um capitalista nem foi dado para ser recuperado através da venda a um capitalista. Foi recuperado quando não se teve de pagar quase dois mil milhões em subsídios de desemprego. Foi recuperado quando a TAP pagou quase 400 milhões de euros à Segurança Social em três anos (2022/2024). Foi recuperado quando a TAP comprou 1,4 mil milhões de euros a empresas portuguesas em 2023, e nesse acto ainda pagou cerca de 150 milhões em IVA. Foi recuperado quando só em 2023 entregou 124 milhões ao Estado de IRS. Etc. Etc. Etc.
Claro que nada disto interessa ao capital. Mas interessa, e muito, aos trabalhadores e ao povo português. O valor que injectaram na empresa é recuperado cada dia que a empresa não é vendida!
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