O número três e a palavra défice marcam a discussão política actual em Portugal e na União Europeia (UE). As regras europeias impõem como limite para o défice orçamental um valor igual a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Isto significa que a diferença entre as receitas e as despesas públicas de qualquer Estado-membro da UE pode ultrapassar um valor negativo superior a 3% da riqueza criada no país.
A regra foi introduzida no Tratado de Maastricht como critério de acesso à União Económica Monetária, passou a integrar o Pacto de Estabilidade e Crescimento e depois o Tratado Orçamental. Mas qual a origem desta regra, que hoje justifica a imposição de sanções a Portugal pela Comissão Europeia?
Em Setembro de 2012, o diário francês Le Parisien contava uma conversa com o homem que «inventou o conceito dos 3%». Guy Abeille era assessor do Ministério das Finanças francês em 1981, quando a regra surgiu pela primeira vez.
O presidente François Mitterand procurava um argumento para travar as propostas dos seus ministros que aumentassem a despesa e agravassem o défice do Orçamento de 1982. Então pediu «uma regra simples, que pareça vinda de um economista e que servisse para travar os ministros que entravam pelo seu gabinete a pedir mais dinheiro».
Nas palavras de Abeille, escolheram o PIB «porque, em economia, todos falam do PIB». O défice das contas públicas francesas rondava os 100 mil milhões de francos, o que representava pouco mais de 2,6% do PIB. Para que a regra fosse simples, apontaram aos 3%, «um bom número, que atravessou a História e remete para a Trindade», afirmou o antigo funcionário ao jornal francês.
«Mitterand queria uma regra simples, que pareça vinda de um economista e que servisse para travar os ministros que entravam pelo seu gabinete a pedir mais dinheiro»
Guy Abeille, antigo funcionário do Ministério das Finanças Francẽs
O limite do défice nos 3% do PIB foi criado em França para dar resposta a uma necessidade do presidente francês, de ter um argumento que parecesse científico e saído da teoria económica para travar a despesa pública. Na verdade, foi um número arbitrário, baseado no défice conjuntural da França em 1981, e que permitiu a Mitterand apresentar um défice inferior aos 3% em 1982. Ainda que isso tivesse pouco ou nenhum significado económico.
O resto da história é conhecida: Jacques Delors, presidente da Comissão Europeia, introduz o conceito no discurso europeu, que passa a letra dos tratados e justifica hoje o castigo a Portugal.
«Sem qualquer conteúdo, fruto das circunstâncias, de um cálculo a pedido feito e à falta de melhor numa noite num escritório» é como Guy Abeille caracteriza a regra de ouro das contas públicas europeias, a justificação para se reduzir o investimento público ou aumentar os impostos nos países da UE.
Uma das regras que sustentaram a arquitectura do euro e que estão por trás da inédita imposição de sanções a dois estados soberanos da UE é assim explicada por um dos seus pais: «nós chegámos ao número de 3% numa noite, num canto de uma mesa, sem qualquer reflexão teórica».
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