O Prémio Camões será entregue a Chico Buarque em Lisboa, no dia 25 de Abril de 2020, data em que se assinala a Revolução dos Cravos.
A informação – que corrobora declarações, anteriormente divulgadas, que davam esta como uma data provável e da preferência de Chico Buarque – foi confirmada à Lusa, primeiro pela editora brasileira Companhia das Letras, que edita a obra do escritor, e posteriormente pelo Ministério da Cultura português.
Em Outubro, o Ministério da Cultura disse à Lusa que o processo para marcação da data se encontrava «em curso», confirmando que «a cerimónia de entrega do Prémio Camões a Chico Buarque» se realizaria em Portugal, «conforme ditam as regras, na data que for conveniente a quem entrega e a quem recebe o Prémio».
A posição do Ministério da Cultura foi assumida na sequência da notícia de que o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, poderia não assinar o diploma de atribuição do Prémio Camões ao compositor e escritor Chico Buarque.
Cinco meses depois do anúncio da atribuição do prémio o presidente brasileiro deixou claro que não tinha essa assinatura entre as suas prioridades e, ironicamente, atirou-a para o termo de um eventual segundo mandato: «até 31 de Dezembro de 2026, eu assino», disse, citado pelo Folha de São Paulo.
Na altura, Chico Buarque, que apoia o Partido dos Trabalhadores (PT) e é um crítico do actual governo brasileiro, publicou uma resposta mordaz na sua conta no Instagram: «a não assinatura do Bolsonaro no diploma é para mim um segundo Prémio Camões».
O valor total do prémio Camões é de 100 mil euros, divididos entre Brasil e Portugal. A parte financeira foi resolvida em Junho, e a assinatura do diploma é apenas uma formalidade, mas o documento poderá chegar às mãos do músico sem a assinatura do presidente do Brasil.
O anúncio de Chico Buarque como vencedor da edição de 2019 do Prémio Camões – a maior distinção literária de língua portuguesa – foi feito no passado dia 21 de Maio na Biblioteca Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro. Para o júri, a escolha de Chico Buarque deveu-se à sua «contribuição para a formação cultural de diferentes gerações», e o «carácter multifacetado» do seu trabalho, da poesia ao teatro e ao romance, estabelecendo-se como «referência fundamental da cultura do mundo contemporâneo».
Chico Buarque: artista e cidadão
Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido como Chico Buarque, nasceu no Rio de Janeiro, em 19 de Junho de 1944, numa família de prestigiados e empenhados intelectuais brasileiros (Sérgio Buarque de Hollanda, seu pai, foi um importante historiador brasileiro e viria a ser um dos fundadores do PT).
Músico, dramaturgo, escritor e intérprete, Chico Buarque é conhecido por ser um dos maiores nomes da música popular brasileira (MPB), com mais de 80 discos gravados. Autor de uma obra multifacetada na música, na escrita e no teatro, é um dos nomes maiores da cultura brasileira contemporânea, com uma carreira de mais de meio século.
Como artista e como cidadão manteve, ao longo da sua vida, uma coerente atitude de luta contra a opressão, que o levou a sofrer a censura e a ter de exilar-se durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), contra a qual escreveu, entre outras, a canção «Cálice». Saudou no 25 de Abril português uma esperança de liberdade para o seu país, que reflectiu em canções como «Meu caro amigo» e «Tanto mar» – esta viu a letra proibida no Brasil1. Em 1980 deslocou-se a Portugal para o seu primeiro espectáculo entre nós, acompanhado pelo grupo MPB4. O memorável concerto, onde estreou «Morena de Angola», escrita meses antes, durante a sua digressão angolana, foi na Festa do Avante!, no Alto da Ajuda, em Lisboa.
Regressou ao Brasil com a queda da ditadura militar e viu a sua canção «Apesar de você» tornar-se um hino do movimento «Directas já», que pretendia e conseguiu eleições que restituíssem uma voz livre ao povo brasileiro.
Manteve uma contínua intervenção cívica em liberdade, defendendo as políticas de cariz popular do PT (que seu pai Sérgio ajudou a fundar) e batendo-se, hoje em dia, contra o governo reaccionário de Jair Bolsonaro.
- 1. «Tanto mar» tem duas versões, uma escrita em 1975 e outra em 1978, que o leitor poderá comparar na página do autor.
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