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Regulamento impede frequência de ensino artístico musical por crianças carenciadas

O concurso do Ministério de Educação que atribui bolsas que permitem o ensino artístico musical gratuito a crianças carenciadas exclui escolas criadas após 2022, revela investigação da Lusa.

Alunos durante uma aula no Conservatório EMMA – Escola de Música de Monte Abraão. Queluz, 17 de Fevereiro de 2025
CréditosCARLOS M. ALMEIDA / LUSA

Amadu Djau e Iuri Órfão passaram nas provas de aptidão com distinção e ficaram entre os 57 alunos seleccionados pelo Conservatório EMMA – Escola de Música de Monte Abraão para, em Setembro, começar o 5.º ano numa turma de ensino artístico articulado. Já as aulas decorriam quando a tutela anunciou que não iria atribuir bolsas aos alunos do conservatório de Monte Abraão e que, para continuar no ensino articulado, os alunos teriam de pagar uma mensalidade.

Mas na escola de Amadu e Iuri a maioria dos alunos tem dificuldades económicas: 53,1% das crianças do agrupamento Ruy Belo são beneficiárias de Apoio Social Escolar e pagar uma propina num conservatório de música é, para muitos, um luxo.

Amadu é um desses casos. A mãe é cozinheira e o salário mal chega ao fim do mês. O menino só continua a aprender guitarra porque os professores se ofereceram para o ensinar pro bono. A maioria dos alunos teve de desistir, como cinco amigos de Amadu que, um dia, deixaram de aparecer nas aulas de música: «Senti que era um pouco injusto não puderem vir», desabafa o rapaz de 10 anos.

Entre os que continuam no ensino articulado, contam-se histórias de quem tem de fazer muitas contas à vida. «É um pouco complicado gerir as finanças familiares. Está tudo muito mais caro», admite Ana Santos, mãe de Iuri Órfão, o rapaz de longos cabelos loiros que quer ser professor de música ou baterista de uma banda rock, como os Iron Maiden.

Para tentar manter os alunos, a direcção da escola ofereceu bolsas parciais e baixou as mensalidades, cobrando praticamente metade do valor de outros conservatórios, mas, mesmo assim, Ana Santos conhece «várias crianças com bastante talento que não conseguiram prosseguir os estudos».

Alínea de concurso na origem de falta de bolsas em novas escolas

Os alunos das escolas públicas podem fazer uma formação mais sólida e aprender a tocar um instrumento gratuitamente através do ensino artístico. É um direito garantido através de protocolos que o Ministério da Educação faz com escolas privadas, porque a rede de estabelecimentos públicos não cobre o país.

De dois em dois anos, realizam-se concursos nacionais para atribuição de verbas. No último, a EMMA teve uma avaliação de 86%, valor «acima de muitas outras escolas a quem a tutela atribuiu centenas de bolsas», mas recebeu «zero bolsas», devido a uma alínea do concurso que estabelece a elegibilidade de estabelecimentos de ensino que tenham recebido bolsas nos concursos de 2020 e 2022, denuncia Pedro Alves Duarte, director da EMMA, cuja homologação apenas re concretizou no final de 2023.

Pedro Duarte acusa a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares de anunciar um concurso que «não é um concurso, mas sim uma atribuição» de bolsas aos conservatórios antigos, que obtêm vagas fruto de «direitos adquiridos». A alínea que impede as novas escolas de aceder ao financiamento está na origem de uma desigualdade de condições que assume foros de inconstitucionalidade, na opinião do director.

«Neste concurso, sabemos de mais quatro escolas na mesma situação”, disse, estimando que centenas de alunos tenham perdido a oportunidade de prosseguir os estudos por deixarem de ter uma escola próxima que lhes oferecesse essa oportunidade gratuitamente. A Lusa questionou o Ministério da Educação sobre estas acusações, mas não obteve qualquer resposta.

A alternativa para as crianças poderia ser optarem pelos conservatórios mais antigos, que têm bolsas. Mas muitas famílias não podem abandonar o posto de trabalho para levar os meninos à musica, lembra Pedro Duarte. A mãe de Amadu, por exemplo, é cozinheira e o seu horário de trabalho sobrepõe-se ao do filho.

Para ter aulas no conservatório mais próximo, que fica na Terrugem, o menino de 10 anos teria de sair «às quatro da tarde da escola, apanhar o comboio para Sintra, que demora mais ou menos 40 minutos, mais um autocarro para a Terrugem, que são outros 40 minutos» e, no final, fazer a viagem de regresso a casa, já de noite. «São pessoas que não têm capacidade para ir para outro conservatório», salienta Pedro Duarte.

No Agrupamento de Escolas Ruy Belo, em Monte Abraão, os pais das crianças têm, em média, pouco mais do que o 9.º ano de escolaridade. Ali, chumbar ou desistir de estudar é muito mais frequente do que no resto do país, segundo dados do Ministério da Educação que situam o agrupamento numa zona de maior vulnerabilidade social e identificado como Território Educativo de Intervenção Prioritária (TEIP).

Aprender um instrumento é também uma mais-valia para as restantes disciplinas. O director pedagógico do conservatório EMMA, José Lopes, lembra que a música trabalha muitas áreas, desde a «concentração, a saber estudar ou socializar».

Para José Lopes, a EMMA deveria ensinar gratuitamente os alunos de Queluz, Belas, Massamá e Casal de Cambra, tendo em conta os protocolos celebrados com os agrupamentos da zona, como o de Queluz-Belas, onde os chumbos e abandono são quase três vezes superiores à média nacional, ou o das escolas de Massamá, que recebem as crianças do bairro da Xetaria e têm visto aumentar os casos de abandono e insucesso escolar.


com Lusa

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