Há 50 anos, alguns dias antes do 11 de Março de 1975, dois oficiais spinolistas vindos de Madrid (Nuno Barbieri e Carlos Rolo) espalham o boato de que os comunistas se preparam para matar Spínola e centenas de militares e civis, incluídos numa suposta lista de contra-revolucionários. Baptizam a alegada operação de «matança da Páscoa» e afirmam estar prevista para 13 ou 17 de Março. Mas, aquando do julgamento dos operacionais do 11 de Março, estes alegam ter recebido tal informação oralmente, e no processo judicial não consta a referida lista de contra-revolucionários que seriam objecto da tal «matança». Aliás, curioso é o facto de que nem os oficiais informadores tenham dito, nem ninguém lhes tenha perguntado quem lhes dera tal informação. Não menos curioso é que no processo judicial também não conste qualquer investigação relativa à origem da informação.
Nas várias tentativas e acções contra-revolucionárias (golpe Palma Carlos, 28 de Setembro, 11 de Março e 25 de Novembro), os seus autores e cúmplices procuraram sempre justificá-las como sendo respostas a tentativas ou golpes do PCP.
Mas vamos aos factos relativos à tentativa de golpe militar ensaiada pelas forças contra-revolucionárias a 11 de Março de 1975.
No seu livro, Ascensão, apogeu e queda do M.F.A., Dinis de Almeida dá conta de que no dia 10 de Março de 1975, às 2h15, chegam à residência do general António de Spínola alguns militares, nomeadamente, o general Tavares Monteiro, e que, cerca das 21h30, Spínola sai da sua casa de Massamá dirigindo-se à portagem da auto-estrada de Vila Franca de Xira, «fazendo-se transportar num Mercedes alugado, disfarçado com barbas postiças, acompanhado de uma escolta composta por civis armados. O general Spínola, e seus acompanhantes, partem com destino a Tancos donde será desencadeado o golpe contra-revolucionário de 11 de Março», onde serão recebidos pelo coronel Moura dos Santos, comandante da Base Aérea nº 3 (BA3).
Na manhã do dia 11, cerca das 8h30, as duas companhias de soldados instruendos formadas na parada da BA3 são informadas de que está cancelada a instrução e de que o general Spínola está na unidade, sem mais pormenores. A Base está de prevenção, ninguém pode sair e os telefones estão cortados. No hangar principal, civis e militares procedem à municiação de aviões T6 e helicópteros. Mais tarde, os militares dão conta do levantamento dos meios aéreos, embora desconhecendo, em concreto, o seu destino e objectivo.
Pouco antes do meio-dia, os aviões procedentes da BA3 atacam o Regimento de Artilharia de Lisboa (RAL1), fazendo um morto e alguns feridos, para além dos danos na unidade. De seguida, tropas pára-quedistas do Regimento de Tancos cercam a unidade, exigem a rendição do regimento e apresentam um ultimato, que o capitão Dinis de Almeida firmemente rejeita. Entretanto, o diálogo encetado entre os comandantes do RAL1 e dos pára-quedistas, e a acção da população que ali ocorrera, acabariam por levar os pára-quedistas a abandonar o local.
Na BA3, pouco depois de saírem do almoço no refeitório, e reagindo às primeiras notícias que se ouvem sobre o que se estava a passar em Lisboa, os soldados instruendos decidem revoltar-se e passar à acção. Um grupo de largas dezenas de soldados cerca o edifício do comando, guardado por civis armados, onde se encontravam os conspiradores. Perante a situação, o comandante da unidade sai para dialogar com os instruendos e apaziguar os ânimos. Mas, ao aperceber-se de que estão a ser arrombados os porta-bagagens das viaturas que transportaram o general e a sua comitiva ali estacionadas, e do alarido provocado pela descoberta de armas, foge para dentro do edifício. No porta-bagagens do Mercedes preto que transportara Spínola, entre outras coisas, são descobertas umas barbas postiças e folhas de A4 manuscritas com o discurso que o general deveria fazer ao País caso o golpe tivesse tido êxito.
«Há 50 anos, alguns dias antes do 11 de Março de 1975, dois oficiais spinolistas vindos de Madrid (Nuno Barbieri e Carlos Rolo) espalham o boato de que os comunistas se preparam para matar Spínola e centenas de militares e civis, incluídos numa suposta lista de contra-revolucionários.»
Os soldados, sem armas, organizaram-se, e, enquanto uns se mantiveram no cerco ao edifício do comando, outros concentram-se junto aos portões da unidade evitando entradas e saídas da unidade. Na porta de armas, um helicanhão pilotado pelo major Mira Godinho procura intimidar, sem êxito, os soldados ali concentrados. Pouco depois chega um camião Unimog com pára-quedistas, comandados pelo capitão António Ramos, para proteger os conspiradores. Após um debate acalorado com os soldados que impedem a abertura dos portões, os páras acabam por regressar ao seu regimento (RCP). Entretanto, um Volkswagen carocha vermelho deambulava pela unidade tentando sair. Acabou por ficar encurralado por um grupo de soldados e os seus ocupantes, general Tavares Monteiro e os pilotos que tinham atacado o RAL1, os majores Arantes e Oliveira e Neto Portugal (cunhado de Ramalho Eanes e condutor da viatura), foram apanhados à mão, literalmente. Foram salvos de males maiores pelo sargento Vintém, que estava armado e se impôs, conseguindo conduzir os oficiais à prisão da unidade em relativa segurança. Como paga, mais tarde, a Força Aérea afastá-lo-á!
Entretanto, como os soldados não arredassem pé no cerco ao edifício do comando, a certa altura surgem dois oficiais da Escola Prática de Cavalaria para os convencer a desmobilizar: o segundo comandante, tenente-coronel Ricardo Durão, e o capitão Salgueiro Maia, que faria as despesas da conversa. Uma intervenção que não foi muito bem recebida, e entendida como uma tentativa de proteger Spínola. Aliás, entre os praças ainda se ouviram vozes, a falar em cumplicidade e a sugerir a prisão do capitão de Abril, prontamente abafadas.
Cerca das 17h, quando os altifalantes da unidade faziam eco do pedido do MFA para que os militares da BA3 se revoltassem e interviessem junto dos conspiradores, estes já estavam detidos e haveriam de seguir para Lisboa onde seriam presos. Com excepção de Spínola e da sua comitiva, que da BA3 foram para o regimento de pára-quedistas e daí fugiram para Espanha.
Se o golpe tivesse triunfado, o general Spínola teria assumido plenos poderes, proclamaria o estado de sítio, suspenderia as liberdades, adiaria as eleições para a Assembleia Constituinte marcadas para Abril e anunciaria para Novembro eleições em que, de uma só vez, o povo escolheria o Presidente da República, a Constituição e os deputados da Assembleia Nacional. Não haveria Assembleia Constituinte, conforme o rascunho apreendido na altura do golpe.
Spínola regressaria a Portugal e seria «perdoado», era então Ramalho Eanes Presidente da República e Mário Soares primeiro-ministro. Mais tarde, já como Presidente da República, Mário Soares nomeia António de Spínola como chanceler das Antigas Ordens Militares, e condecora-o com «as insígnias da Grã-Cruz da Ordem Militar da Torre e Espada, pelos feitos de heroísmo militar e cívico e por ter sido símbolo da Revolução de Abril e o primeiro Presidente da República após a ditadura».
Estava derrotado o golpe de 11 de Março, mas não a contra-revolução. Algum tempo mais tarde, em «meados de Julho», como nos relata o historiador José Freire Antunes (antigo deputado e dirigente do PPD/PSD) no livro O segredo do 25 de Novembro, o então major Ramalho Eanes, usando o nome de «João Silva», faz um contacto telefónico com o tenente-coronel Tomé Pinto, que se encontrava na segunda repartição do Estado-Maior do Exército. Estava dado o pontapé de saída para a constituição do «Grupo Militar» que haveria de promover o golpe do 25 de Novembro.
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