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CGTP-IN: Este País não é para crianças

Estudo realizado pela Intersindical aponta graves lacunas no acesso a equipamentos sociais para a infância nos grandes centros urbanos. Creches só chegam a 50,4% das crianças em Lisboa e a 42,5% no Porto.

Créditos / CMS

A situação nacional melhorou significativamente nos últimos 15 anos, com um crescimento acentuado da taxa de cobertura das respostas sociais para a primeira infância (até aos três anos): de 35,1% em 2010 para 55,2% em 2023. A melhoria esconde, no entanto, grandes disparidades no acesso entre diferentes distritos de Portugal continental.

Embora 82,4% dos concelhos do continente (229 de 278) apresentassem, em 2023, uma taxa de cobertura acima dos 45%, ultrapassando a actual meta estabelecida pelo Conselho Europeu em Barcelona (2002, com revisão das metas em 2022), os distritos mais populosos, como Lisboa (50,4%), Setúbal (47,5%) e Porto (42,5%) continuavam a ser os territórios com menor cobertura face à população residente.

Em sentido oposto, os distritos da Guarda (92,5%), Portalegre (86,4%) e Coimbra (75,6%) registavam as taxas de cobertura de respostas para a primeira infância mais elevadas.

A alta taxa de utilização média das respostas para a primeira infância (que faz a relação entre o número de vagas existentes e o seu preenchimento), era de 87,3 % em 2023, demonstrando «a importância que este tipo de estrutura tem na organização e conciliação da vida laboral e familiar», afirma a CGTP-IN num comunicado. Só a Guarda apresenta uma taxa de utilização inferior a 80%.

No que toca ao período de funcionamento, em 2022, cerca de 87,2% das creches encontrava-se em funcionamento entre dez e 12 horas por dia, sendo que 42,2% das crianças frequentavam as creches entre seis e oito horas e 45,6% entre oito e dez horas diárias. Recorde-se a este respeito que o Governo de Montenegro decidiu viabilizar o acesso a creches gratuitas no sector privado e financiamento complementar quando pratiquem um horário de funcionamento além das 11 horas diárias.

Em 2023, «só 32% dos equipamentos sociais (infância e juventude, deficiência, pessoas idosas e família e comunidade) eram geridos por entidades públicas»

A situação inverte-se face à taxa de cobertura das respostas sociais para a primeira infância. O imenso potencial de lucro que existe para compensar a ausência de uma adequada resposta pública «faz com que a maioria das entidades privadas dirijam o seu negócio para os locais onde a procura é maior». De um total de 16%, 46,6% das entidades que procuram o lucro estão na Área Metropolitana de Lisboa.

Ainda assim, a grande fatia dos equipamentos sociais é assegurada por instituições particulares de solidariedade social (IPSS) ou equiparadas (52%).

O funcionamento desta rede de serviços e equipamentos sociais é, em larga medida, suportada por acordos de cooperação celebrados entre o Estado (que acaba por comparticipar financeiramente a falta de resposta própria) e as IPSS e entidades equiparadas (51%), assim como por pagamento directo do utente e/ou dos familiares (28%). Em menor grau, as receitas próprias destas instituições ajudam também a sustentar a rede.

Não há rede pública, mas a maior parte do investimento continua a ser do Estado

Os dados recolhidos pela CGTP-IN apontam para um crescimento muito substancial da despesa pública com os acordos de cooperação, um crescimento de aproximadamente 69%, no período 2010-2023. Estes valores traduzem, por um lado, «a actualização anual dos valores da comparticipação pública por utente», assim como o aumento do número de utentes que se vê forçado a recorrer a estas instituições (por falta de alternativa).

São 1947 milhões de euros, quase dois mil milhões, gastos pelo Estado só em 2023, uma despesa que poderia ter servido para a construção e gestão de equipamentos geridos pelo Estado, defende a central sindical. Não faz sentido, frisa, que «o grosso da oferta deste tipo de equipamentos não seja de propriedade e gestão públicas, ficando as entidades do chamado sector social, como IPSS e outras, e as empresas com um papel meramente supletivo na oferta».

Tal resulta, afima a CGTP-IN, de «políticas deliberadas de sucessivos governos que remetem o Estado para um papel menor, com resposta pública insuficiente nos equipamentos e valências mas forte apoio, por via legislativa e financeira, às IPSS e outras organizações similares».

Gratuitidade das creches abrangeu 90,6 mil crianças

Só em 2020 a gratuitidade das creches passou a ser uma realidade no nosso país, embora de forma parcial. No ano lectivo 2022/2023, cerca de 60 mil crianças nascidas após 1 de Setembro de 2021 tiveram direito a creche gratuita.

Desde então, a gratuitidade das creches (programa Creche Feliz), implementada por proposta do PCP, abrangeu 90,6 mil crianças. Perto de 80 mil são comparticipadas pelo Estado a entidades da chamada rede solidária, ao abrigo de acordos de cooperação, complementados ainda com a rede privada-lucrativa, IPSS sem acordo de cooperação e creches da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

A oferta de creches de entidades não lucrativas em Portugal continental era maioritária (76,2%) em 2023. Só nos distritos de Setúbal (45,7%), Lisboa (38,7%) e Porto (33,7%) é que o «peso relativo de creches de entidades privadas-lucrativas era superior a 30%». No caso dos distritos de Bragança, Guarda e Portalegre todas as creches existentes pertenciam à rede não lucrativa.

Segundo uma auditoria do Tribunal de Contas, a despesa da Segurança Social com as IPSS na área das creches ascendeu a 348,8 milhões de euros em 2022 (cerca de 20% da despesa da Segurança Social com acordos de cooperação), mais 100,8 milhões (40,7%) que em 2019, muito embora o número de crianças abrangidas tenha aumentado apenas 2,9%. Estes valores resultam de um aumento significativo dos valores cobrados nas comparticipações, evidenciando a necessidade de uma rede pública de creches, que demora a sair do papel.

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