Escrevo-te
Escrevo-te de um país mergulhado no breu
E não se trata da noite.
Escrevo-te
Por causa deste escuro.
Escrevo-te sobre o muro
Que está ao fundo do escuro.
*
Há o escuro que me impele a escrever.
E há um muro sobre o qual escrevo
E é para ti.
Não sei o que seja este breu
Estou cá dentro
Escrevo-te sobre um muro ao fundo do escuro.
*
Sei que fora
Não arrepia o escuro.
*
Quase sempre o muro é direito,
Palpita-me que este ondula.
Quando refiro
Que ele está ao fundo do escuro,
É para me tranqulizar.
Evoco-o
Para que seja útil.
*
Se nunca leres sobre este muro
O que para ti escrevi
Talvez possas adivinhar
Aonde estava encerrado
*
Se todavia tivesse escrito
Sobre o teu muro
Sobre o muro ao fundo
Do bréu onde és
E tu não soubesses
Que aí escrevi para ti?
*
Conheço-te, sol,
Conheço-vos, macieiras.
Conheço a estranha
Variedade de escuro
A que se chama luz
No gume do seu reino estremeci.
*
Não tenho horizonte
Para lá desse muro
Sobre o qual te escrevo.
Não escreverei mais
Do que não possa saber.
*
Escrevo a verdade que suporta o muro
Ao fundo deste breu.
*
Fora impôr-se-ia um outro campo de acção,
A corneta onde soprar o dia mais forte do que ele,
Esse sopro de uma única labareda a nu sobre os caminhos,
Quando o meio-dia vem esporear
A face da terra permanente.
Mas fora, onde escrever-te
À falta deste muro?
*
Lá fora, mas eu não saberia mais
A quem escrever.
E quem será, lá fora,
No fogo e no vento,
Aquele que te deve escrever?
*
A menos que um dia –
Virá alguma vez esse dia? –
Nós saibamos estar juntos, quero-o muito,
Para o exterior e para o escuro.
Em nossa honra aí
Esbrasearão de luz,
Mas à nossa medida,
As macieiras, os rios.
Então escreverei sobre o que tu verás
Incendiar-se de ternura,
Sobre todas as coisas ao redor de nós
No exterior e no escuro.
E não terei mais necessidade
De procurar escrever-te
Sobre o muro inencontrável
Onde escrevo agora.
*
Que importa depois disso
Que ainda haja uma bainha de breu
No esplendor da luz,
Ao fundo da luz,
Se tu estarás lá
Para tactearmos juntos
E então escreverei na tela
Do teu corpo com os meus lábios
*
Em esperando escrevo
Sobre o muro que estará ao fundo no breu:
«Abençoo os teus joelhos,
«Penso no dia em que sob
«As minhas mãos eles tremerão
«Como fazem as folhagens
«Com menos razão.»
*
E nós galgaríamos
Rumo à luz curável.
Eugène Guillevic, tradução António Cabrita
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