O Jornal de Notícias deu à estampa recentemente (15 de Agosto) um artigo de Ivo Neto, significativamente intitulado «Formar opinião sem mediação», no qual se faziam algumas curiosas cogitações sobre órgãos de imprensa partidários e, de passagem, sobre esse novo tipo de publicações que nos últimos anos e meses têm surgido entre nós, como é o caso de AbrilAbril, cujo recente aparecimento é no artigo referido.
Como aliás acontece por todo o mundo, estas cada vez mais numerosas iniciativas editoriais apresentam-se como alternativa vital e imprescindível ao domínio exercido, sem contraditório, pela comunicação social de massas (televisão) ou pela imprensa escrita (quotidianos, semanários) sobre a opinião pública, numa forma de pressão mais ou menos disfarçada das variadíssimas expressões do «pensamento único» que prolongam e adaptam, entre nós, a estratégia que impende sobre o Homem e a sociedade e, em geral, procurando escamotear a deriva tresloucada e à beira do abismo que o velho Imperialismo pós-Guerra Fria faz incidir a nível planetário.
Constituindo o referido texto uma investigação despretensiosa do jornalista junto de responsáveis por várias dessas publicações alternativas, na qual uma fonte citada de AbrilAbril lhe terá precisamente confiado que «um dos principais objectivos do mesmo» passa pela «formação de opinião através de artigos de colunistas, envolvendo as mais diversas áreas» — não gostaria, entretanto, de ficar por esta referência e constatação. Porque a coisa fia mais fino.
O problema é que Ivo Neto, nesta sua tarefa, talvez para se escudar junto de gente bem-pensante e que julgou credível, resolveu ouvir os chamados «especialistas» sobre estas matérias, os quais decidiram botar douta opinião acerca deste novo fenómeno. E as coisas que lhes saíram pela boca fora, entre outras que por pudor terão ficado no tinteiro, revelam-se verdadeiramente espantosas.
Por exemplo, Fernando Zamith, investigador dos novos média na UP, parece incomodar-se com a circunstância de que, nestes portais, os leitores (que chatice!) «podem encontrar conteúdo propagandista disfarçado de opinião, informação e humor» através de «uma forma fácil e barata (de) difundir informação e opinião sem constrangimentos» (sublinhado meu), não se dando conta de que, ao assim responder, esta sua opinião se torna uma insidiosa acção contra-propagandística disfarçada de análise científica.
Pelo seu lado, Vasco Ribeiro, investigador da Universidade do Porto, descobriu — a palavra utilizada é mesmo «assumiu» — que a Internet se transformou numa «forma muito eficaz de os políticos chegarem directamente à opinião pública», o que é uma descoberta científica de dimensão altamente transcendente. Mas já parece lamentar que «nestas plataformas (não haja) nenhuma tentativa de apresentar os factos objectivamente, mas antes (como) uma distorção deliberada, pura propaganda».
Porquê? Muito simplesmente porque os políticos fazem chegar a informação aos cidadãos de forma directa, «sem a mediação e a validação jornalística» (sublinhado meu). Ou seja, para este «especialista», o jornalista surge como um ser, dir-se-ia, iluminado ao qual caberia a suprema função de não só «mediar», mas também «validar» a informação política de tal ou tal força política, seus dirigentes e, quem sabe, meros opinadores com ou sem partido... Tem-se visto!
«Está-se mesmo a ver (...) como a generalidade dos meios de comunicação social (...) se tem afincadamente batido por uma particularíssima visão e missão da libertação do povo português de décadas de opressão e obscurantismo...»
Como toda a gente sabe (independentemente das muitas e honrosas excepções que, como em todas as profissões, no jornalismo existem), está-se mesmo a ver, pela prática das últimas quatro décadas de Liberdade e Democracia, como a generalidade dos meios de comunicação social — e dos grupos económicos e financeiros que os dominam —, se tem afincadamente batido por uma particularíssima visão e missão da libertação do povo português de décadas de opressão e obscurantismo...
Permitindo-me algumas citações pessoais, a partir do prefácio que escrevi para um volume, ainda no prelo, de crónicas sobre estas matérias — incidindo com particular relevo no papel especialmente pernicioso desempenhado mais em geral pela televisão ao longo dos anos —, é ainda no campo da informação, a pedra de toque «ideológica» por excelência, que muito permanece quase inalterável, chegando mesmo a refinar-se, a agravar-se e a ampliar-se (dada a maior sofisticação do embuste e a diversificação do «barulho das luzes») a extensão e a proliferação das vias multiplicadoras do «pensamento único».
«E mesmo que se tenha aberto, apesar de tudo, um espaço (até aí limitadíssimo nos nossos canais) para a “naturalidade” que passou a constituir o regular debate das ideias e a discussão dos grandes temas políticos e, sobretudo, económicos, nacionais, esta é sempre feita (claro!) com conta, peso e medida, percebendo-se mesmo, a exemplo das grandes cadeias de TV internacionais, que o reflexo informativo dos mais controversos acontecimentos e tragédias mundiais, que estão a determinar o devir do mundo, terá de ser sempre filtrado, censurado e moldado à medida dos ditames das grandes corporações e conglomerados económicos e financeiros e, por tabela, comunicacionais.»
«Assim nasceu de há vários anos para cá e se multiplicou, de forma completamente artificial e potencializada pela necessidade da concorrência inter-canais, a figura singular do “analista político”, muito em especial do “comentador económico” ou mesmo do “fazedor de opinião" disponível para todo o serviço, cuja “análise” pouco diverge, naturalmente, na sua base ideológica, e cujo “comentário” ou “opinião” invariavelmente apostam na regurgitação do mesmo tipo de mensagem, dando mesmo a ideia de que a sua contratação e transferência (consoante a estação ou o grupo económico que a trafica) se faz na modalidade do “pacote avençado”, faltando porventura só chegar-se (a exemplo do que acontece no futebol) ao estabelecimento de “cláusulas de rescisão”!»
«Eles (elas) eram (são) p’raí uma dúzia, a mesma dúzia de sempre, rodando em carrossel de canal para canal, pelo meio dos quais apenas rareiam, como verdadeiras excepções à regra, formas e ideias, dir-se-ia, alienígenas (!) de interpretar o mundo que não sejam as da Direita ou as do Grande Centrão»
Eles (elas) eram (são) p’raí uma dúzia, a mesma dúzia de sempre, rodando em carrossel de canal para canal, pelo meio dos quais apenas rareiam, como verdadeiras excepções à regra, formas e ideias, dir-se-ia, alienígenas (!) de interpretar o mundo que não sejam as da Direita ou as do Grande Centrão, mesmo em tempos de novas maiorias parlamentares que institucionalmente abarcam outras matrizes ideológicas, anteriormente ainda mais remetidas ao puro silêncio!
«Eles (elas) mudam ciclicamente de canal para canal, até mesmo da direcção de um jornal para a direcção de uma rádio dentro do mesmo grupo editorial (!) e circulam de programa para programa (mantendo, apesar de tudo, em casos muito especiais, espaços relativamente fixos ou regulares), num rodopio que acompanha de certo modo o dos comentadores partidários convidados, ainda e sempre pertencentes, na sua esmagadora maioria e com as habituais e selectivas exclusões, ao mesmo espectro político de sempre — o do antigo e hoje desacreditado "arco da governação", lembram-se? —, sejam eles velhos "senadores" reciclados e sempre tornados respeitáveis, aos quais oportunamente vêm somar-se (vá lá!) tolerados e convenientes jovens turcos "fracturantes" promovidos ou caídos em moda (...)».
Não tendo procuração para tal — mas exprimindo-me livremente, como simples cidadão colaborador deste site empenhado na transformação desta preocupante realidade —, creio que é por isso mesmo que AbrilAbril existe e aqui está: para escapar ao cerco e se afirmar muito para além da «mediação» e da «validação» do grande Poder económico!
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