O modus operandi foi uma reprodução em papel vegetal de outros atentados recentes mas, ao contrário de Nice ou de Londres, os telejornais não abriram com «atentado terrorista em Charlottesville», mas com variações criativas de «carro atropela pessoas em Charlottesville». Apesar de, nos EUA, o terrorismo fascista matar anualmente mais pessoas que o terrorismo islâmico, um atentado só é considerado terrorista quando o perpetrador é muçulmano. Não sendo possível confirmar a religião, classifica-se o responsável de louco, simples homicida ou, como neste caso, mau condutor. Trump foi mais longe e condenou a «violência de todos os lados», colocando em pé de igualdade a turba nazi que assassinou três pessoas e as suas vítimas.
«o fascismo não [é] um produto directo do "ódio", da "ignorância" ou da "loucura", mas um recurso extremo e calculado de capitalistas assustados.»
Mas o que aconteceu ontem na Virgínia não foi o epifenómeno raro e inconcebível de que se está a falar, como se se tratasse do rebentamento de uma bomba confederada por detonar. É assim todos os anos, e todos os anos é cada vez pior, porque se insiste em não ver o fascismo como aquilo que ele é: não um produto directo do «ódio», da «ignorância» ou da «loucura», mas um recurso extremo e calculado de capitalistas assustados.
Receio que o título deste artigo possa indignar alguns leitores. Clarificando: não existe qualquer contradição entre a oposição à pena de morte e a afirmação de que «um nazi bom é um nazi morto». Quando falamos de nazismo e fascismo, não estamos a falar de uma ideologia política, de uma doutrina filosófica, de uma opção partidária. O nazi é a derradeira degenerescência do ser que, biologicamente humano, perdeu a humanidade. Os fascistas que mataram Heather assumem-no novamente; enquanto aplaudem a morte de Heather porque era uma «gorda de 32 anos que não tinha filhos e por isso não servia para nada», justificam, à guisa aliás de um dos lemas do fascismo espanhol: «viva a morte e morra a inteligência».
Não se debate o fascismo porque não há debate possível sobre Auschwitz; porque não podemos aceitar dialogar com quem nos quer erradicar; porque aceitar ter uma conversa civilizada com um nazi é civilizar o que não pode ser civilizado: as crianças gémeas cosidas, costas com costas, umas às outras; os presos do Tarrafal, queimados vivos na frigideira; os «chuveiros» de Treblinka; pilhas de dentes humanos de Buchenwald; os «passeados» de Franco; os milhões e milhões de mortos às dezenas inconcebíveis por esse mundo fora, gaseados, fuzilados, torturados, brutalizados. Que ser humano pode, em consciência, lamentar os enforcados de Nuremberga? Quem pode, sabendo o que foi o fascismo, chorar uma lágrima por Mussolini pendurado num poste? Não, o fascismo não é uma «ideologia normal», é terror, barbárie e morte.
«Não se debate o fascismo porque não há debate possível sobre Auschwitz; porque não podemos aceitar dialogar com quem nos quer erradicar»
Qualquer concepção mínima de liberdade e democracia deve partir do pressuposto de que não há liberdade nem democracia para quem quer matar a liberdade e a democracia. A Constituição da República Portuguesa proíbe, justamente, qualquer expressão ou organização fascista para evitar que a humanidade seja novamente obrigada a pendurar de cabeça para baixo os próximos Mussolinis, um esforço contrariado todos os dias por televisões, jornais, filmes e livros que se encarregam de banalizar a besta nazi e chocar o ovo da serpente.
É por isto que um nazi bom é um nazi morto e enterrado no caixote de lixo da História. E, se estão indignados com isto, é porque não estão a prestar atenção.
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