Caracas, 1 de Setembro de 2016. Dezenas de milhares de pessoas manifestam-se para pressionar a realização de um referendo para a revogação do mandato do Presidente da República da Venezuela, Nicolás Maduro, convocadas pela coligação de oposição Mesa de Unidade Democrática (MUD). Noutro ponto da cidade, dezenas de milhares de pessoas manifestam-se em defesa do governo legítimo e da paz e contra o golpismo, convocadas nomeadamente pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). São factos.
Um olhar sobre a narração daqueles factos pelos Media sugere a adaptação de uma conhecida anedota nos meios forenses sobre a posse da verdade: há a verdade dos convocantes; a verdade – muito variável – dos meios de informação; e a verdade verdadinha. Por muito imparciais que se arroguem e por muito «órgãos de informação de referência» a que pretendam alcandorar-se, a verdade é que não há nódoa de parcialidade que lhes não macule o prestígio de que se reivindicam.
Vem isto a propósito da denúncia que a ministra venezuelana do Poder Popular para as Relações Exteriores, Delcy Rodríguez, fez no dia seguinte, numa reunião com o corpo diplomático, acusando as «empresas transnacionais de comunicação»: «Pretendem silenciar a realidade na Venezuela, querem vender mentiras (…) e a verdade verdadeira é que o povo chavista de Caracas saiu à Avenida Bolívar a enchê-la de paz, garantindo a democracia».
Horas antes, a embaixada venezuelana em Madrid apresentava um vigoroso protesto contra a inaceitável ingerência do governo espanhol – aliás em funções de mera gestão desde há mais de oito meses –, cujo Ministério para os Assuntos Exteriores e da Cooperação manifestara o seu apoio à manifestação da oposição e, sem qualquer grão de hesitação diplomática, participava nas pressões para a aceleração do processo referendário.
«Ao preparar, de véspera, os leitores para a "Toma de Caracas", a versão em linha do jornal titulava: "A oposição exibe a sua força nas ruas".»
Por outro lado, a representação venezuelana denunciava a cobertura parcial e tendenciosa de «alguns meios (de comunicação social) espanhóis, que ampliaram a manifestação da oposição e invisibilizaram a mobilização do povo bolivariano a favor do Governo» e pedia «à imprensa responsável uma cobertura equilibrada que dê conta do apoio popular ao Governo».
Seria abusivo o pedido de cobertura «equilibrada», isto é, dando espaço às duas partes e relatando as duas manifestações?
Quem acompanhou, nesse dia, as versões em linha dos meios de informação espanhóis, ou puder recuperá-las (1, 2, 3 4), poderá confirmar, sem favor, que nomeadamente o influente diário «global» El País privilegiou com excessos de entusiasmo a causa da oposição. E que, só quando já não a podia silenciar completamente, é que se referiu à concentração bolivariana, mas em escassas linhas e sem deixar de apoucar a dimensão e o conteúdo da manifestação revolucionária.
Por muito que tente disfarçar os seus compromissos e interesses, estes, de resto, em franco progresso na América Latina, e por muito que o seu director alegue que «o único delito que comete é informar sobre a Venezuela com certa frequência», a torrente de notícias e editoriais de El País não dissimula o evidente desequilíbrio, o ostensivo posicionamento anti-chavista e a adesão a uma retórica agressiva tão favorável à desestabilização do país almejada pela direita.
Ao preparar, de véspera, os leitores para a «Toma de Caracas», a versão em linha do jornal titulava: «A oposição exibe a sua força nas ruas». No texto, assumia que «a ocasião serve, sobretudo, para uma demonstração do renovado músculo eleitoral da oposição».
A metáfora foi retomada na madrugada seguinte, proclamando em título «A oposição da Venezuela exibe músculo e pressiona mais Maduro», dando largas ao argumentário dos que não se conformam com a legitimidade do mandato de Nicolás Maduro e ajudando, com mapa apropriado, a indicar os locais de concentração e a progressão previsível das forças contra-revolucionárias na «tomada de Caracas».
Para amanhã, dia 7, a oposição convocou marchas sobre a sede e as delegações do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), pressionando a aceleração do pretendido referendo revogatório. Uma semana depois, tomará «todas as cidades» da Venezuela por um período de 12 horas; duas semanas após, todo o país – ameaça – será «tomado» por 24 horas.
Beneficiando dos seus justamente intocáveis direitos e garantias, a imprensa internacional lá estará – muita exibindo o músculo da manipulação, renunciando sem pudor a qualquer compromisso sério com a verdade e o equilíbrio informativo.
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