|Sugestões culturais

Arte, cultura e património a visitar este Verão

O arquitecto Manuel Augusto Araújo assina o roteiro cultura desta semana com vários pontos de interesse assinalados até ao fim do Verão.

André Morain Projected Shadow, Lourdes Castro (1966)
CréditosPedro Ribeiro Simões / CC BY 2.0

Isto de sugestões culturais é o diabo. Não pelo que se escolhe mas pelo que se deixa em cima da mesa. A oferta é tão variada que joeirá-la torna-se uma urgência para não se repetirem, na medida do possível. Outras sugestões, as já feitas e as que se seguirão, e para não se pintar uma tela em que as cores são tantas que o cinzento acaba por se sobrepor, ao invés das sete cores do arco-íris cujo aditivo é o branco luminoso do sol. Aí vão elas, esforçada e propositadamente sintéticas nas escolhas e nos porquês da selecção.

Artes Visuais

Vanguardas e Neo-Vanguardas na Arte Portuguesa – Séculos XX e XXI é uma exposição organizada pelo Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado (MNAC), nos novos pólos do museu depois de ocupar os espaços do Governo Civil e PSP, adjacentes ao seu núcleo inicial. É uma exposição antológica muito representativo da arte contemporânea portuguesa.

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Notável exposição que, durante um ano, dá a ver o fundamental da arte contemporânea portuguesa. Alguns artistas, como Fernando Lanhas, Joaquim Rodrigo ou Lourdes Castro, têm núcleos mais alargados. Um trabalho a sublinhar, realizado pelo MNAC, que desde 2007 não tem dinheiro para efectuar aquisições e que recorreu a coleccionadores privados, a galerias de arte e à Colecção da Secretaria de Estado da Cultura (SEC) que continua controversamente depositada em Serralves por decisão última de Barreto Xavier. É tempo de se resolver definitivamente essa situação paradoxal e absurda, até para se desfazerem de vez os mistérios do paradeiro de muitas obras da Colecção SEC que conta com 1115 obras. Lembre-se que nas listas anexas ao protocolo entre o Estado e a Fundação de Serralves teriam sido cedidas 848 obras à Fundação. Estranhamente, essa entidade apenas apresenta 553 obras. Das 267 remanescentes às listas anexas ao protocolo com a Fundação de Serralves, 165 foram localizadas e 102 não o foram. Exige-se que o Ministério da Cultura resolva essa situação rapidamente sem cedências a pressões de bastidores que explicam os ziguezagues do anterior titular da SEC. Outra explicação não há, por mais cambalhotas argumentativas que se façam.

É importante ver esta exposição bem representiva de todos os movimentos na arte portuguesa contemporânea, do advento do modernismo, nos primórdios do século XX, às instalações e performances do século XXI. De algum modo, aproveitar para lavrar o seu protesto por a colecção da SEC continuar dispersa quando há condições para a instalar no MNAC – Museu do Chiado. Uma sugestão, use o Livro de Reclamações. Fruir a arte nunca exclui, antes pelo contrário, a participação cidadã.

Cinema

Quando o verão avança, normalmente os cartazes de cinema tornam-se mais desinteressantes. Efeitos do calor? Mas o fresco dos cinemas é tão reconfortante e convidativo! Dois filmes a não perder. O que está para vir com argumento e realização de Mia Hassen-Love e uma interpretação superlativa de Isabelle Huppert no papel de uma professora de filosofia com a paixão de ajudar os seus alunos a pensar, a encontrar o lugar no mundo e uma vida familiar estável que vê subitamente o conforto do quotidiano romper-se com um inesperado pedido de divórcio. O choque inicial e uma liberdade insupeitada são oportunidade para nova etapa na existência.

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Entre o documentário e a ficção, A Academia das Musas, realização de José Luís Guerin. Na base, a filmagem documental das aulas de um professor universitário que debate o papel das musas na literatura clássica. Convicto do poder da arte, quer reintroduzir no mundo a poesia para o regenerar, sob a égide das musas, essas figuras míticas que tutelam a criação artística. As suas aulas são estimulantes e participadas. A sua relação com as alunas ultrapassa, inevitavelmente, as dissertações académicas, entra no campo da sedução. Um dia, um dia que acaba sempre por chegar, é questionado pela sua mulher sobre o seu projecto académico. O debate sobre os tópicos filosóficos: o amor, o belo, a subjectividade, o papel do criador e da criação, o poder da arte, prolonga-se e invade a vida afectiva do casal, a sua avaliação contaminada pela relação dele com as alunas, o que acaba por ter repercussões directas no casamento e na forma como a mulher o vê.

Nos tempos que correm, ver filmes não é só ir ao cinema. Ver cinema em casa é uma vulgaridade. Está à venda, com preços promocionais, a Colecção Béla Tarr, realizador que esteve, durante uma semana, nos finais do mês de Junho, na Cinemateca a apresentar filmes seus e filmes de outros realizadores escolhidos por si. O programa fechou com uma sessão memorável de diálogo de Béla Tarr com os espectadores e a projeção do seu monumental Sátántangó. A obra do realizador húngaro é um dos grandes marcos da história do cinema universal.

Música

As propostas musicais no Verão multiplicam-se. Entre as muitas seleccionáveis, destaca-se o já habitual Jazz em Agosto na Fundação Gulbenkian.

Este ano, a 33.ª edição do festival coincide com as comemorações dos 60 anos da Fundação Calouste Gulbenkian. Lustrou-se para o assinalar. Entre 4 e 14 de Agosto, 11 concertos no anfiteatro ao ar livre, três na Sala Polivalente do Centro de Arte Moderna, três documentários, duas conferências e a apresentação de um livro. Um desfile dos nomes mais conceituados do jazz contemporâneo.

A abrir, dia 4, o guitarrista Marc Ribot com o The Young Philadelphians, formação que se completa com outro guitarrista Chris Cochrane, o baixista Jammaladeen Tacuma e G. Calvin Weston na bateria. Nesse mesmo dia um novo grupo, o Lisbon String Trio.

O festival encerra dia 14. À tarde, um concerto a solo por Frank Gratkowski, saxofonista dos Z-Country Paradise. À noite, Paal Nilssen-Love Large Unit, com o baterista à frente de 13 músicos, um concerto que gera as maiores expectativas.

Entre o príncipio e o fim, motivos para ir à Gulbenkian assistir a outros eventos do festival não faltam. O melhor é consultar o programa deste que é, no jazz e na música, um dos mais importantes acontecimentos culturais do nosso país.

Literatura

Raduan Nassar escreve cerca de 600 páginas em três livros. Um romance Lavoura Arcaica, uma novela Um Copo de Cólera, um livro de contos Menina a Caminho. Deixa de escrever. Abandona os meios intelectuais e literários em 1984, são raríssimas as suas aparições, dedica-se à agricultura.

Seiscentas páginas que o colocam entre os maiores escritores brasileiros como Clarice Lispector, Guimarães Rosa ou Machado de Assis, e de língua portuguesa. Um caso único na literatura mundial em que um escritor com 50 anos já podia visitar a suas Obras Completas.

A escrita de Nassar é extremamente exigente para o leitor. Uma prosa poética de vocabulário elaborado mesmo quando utiliza palavras vulgares. Metáforas que se têm que decifrar e uma sonoridade absorvente. O leitor é obrigado a um exercício constante e exaltante no caminho para o deslumbramento.

Tanto em Um Copo de Cólera como em Lavoura Arcaica há uma forte carga sexual mesmo quando não explícita. O desejo move os personagens. Dilacera-os de prazer, dor, sofrimento e alegria. O desejo é central nas suas múltiplas faces em percursos do subconsciente para o consciente e regresso, num vaivém inquietante e que inquieta. Faz explodir o que as regras da sociedade atiram para debaixo do tapete.

Em Um Copo de Cólera, há o desejo de querer dominar e o desejo de querer ser dominado, a resistência e a submissão a essas pulsões. A violência de um feroz erotismo é plasmada numa escrita vibrante que explora os sinuosos e nunca lineares caminhos do amor.

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Em Lavoura Arcaica há as pragas nos campos e há a praga do desejo que corrói um círculo familiar fechado pelas regras impostas pelo pai que estouram quando um dos irmãos, André, se apaixona pela irmã mais nova, Ana. O desejo é omnipresente. Pedro, irmão mais velho, tem o desejo de manter a família unida, à imagem do pai que tem o desejo de uma família nos moldes das famílias sagradas. Na mãe, o desejo latente e recalcado por André, seu filho preferido. Ana, o desejo carnal e espiritual, entre a lascívia e o transcendente. André, a representação maior do desejo. Desejo recalcado pela mãe, transferido em transe para Ana. Foge e regressa. Uma parábola moderna do filho pródigo num contexto de repressão e libertação no fio da navalha de pulsões eróticas reprimidas.

Raras vezes a literatura nos conduz pelas cumeadas do sublime que Raduan Nassar nos faz percorrer.

Publicado em Portugal nos anos 1990, todos os seus livros se encontram esgotados. Agora, depois de lhe ter sido atribuído o Prémio Camões 2016, certamente as editoras não perdem a oportunidade de resgatar a sua ausência das prateleiras das livrarias. Um alerta para estar atento e não perder essa oportunidade antes que novamente se esgote.

Arte Pública

Um tema que merece um largo debate. A arte, nestes tempos pós-modernos, atola-se em novidades que pouco ou nada inovam. Não é por acaso que o destino histórico dos formalismos acaba sempre na utilização publicitária do trabalho sobre a forma. Parte substancial do que por aí anda classificado como arte pública não tem espessura. É mera decoração e maquilhagem.

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Mas há arte pública com substância e consistência. Um exemplo é a intervenção escultórica que João Limpinho realizou no Bairro da Bela Vista, em Setúbal, agrupando esculturas no que foi designado, não por acaso, de O Museu Está Na Rua. De facto, visitam-se as esculturas implantadas no bairro como se visita uma sala de museu onde estão as obras de um mesmo autor, só que despida de sacralidade. As esculturas são a transformação em obras de arte de «ready-made/objectos encontrados» nos estaleiros do Parque Industrial de Setúbal, que fazem parte das memória de Setúbal e de muitos habitantes do bairro que trabalham ou trabalharam nas empresas integrantes desse parque. Têm ainda relação com a leitura dos espaços arquitectónicos e a aquisição do conhecimento das particularidades sociológicas do Bairro da Bela Vista.

A confluência desses cruzamentos orientou, de forma objectiva e subjectiva, as pesquisas nas sucatas do Parque Industrial de Setúbal, apesar de todas as naturais contingências do acaso. Os «ready-made/objectos encontrados» foram aqueles, poderiam ter sido outros. Nenhum resistiu, como qualquer outro não resistiria, ao poder transformador do escultor que com eles realizou belas esculturas, em que a sua intervenção foi variável mas sempre estética e artisticamente criteriosa. Procurou, sempre que possível, cumprir o objectivo de os relacionar com a realidade física e sociológica existente, com as imagens pré-existentes e dominantes no Bairro, sem fazer disso uma condicionante limitativa da imaginação.

São esses cruzamentos que dão corpo e identidade ao O Museu Está Na Rua para se ficar a saber que das coisas nascem as coisas, que a arte, a poética espreita-nos a cada esquina da vida. Se não o sabíamos, aprendemos, continuamos a aprender essa verdade com João Limpinho, com a obra de João Limpinho, visitando O Museu Está Na Rua – Núcleo Museológico Urbano da Bela Vista.

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Lugares

Portugal é um pequeno País recheado de lugares deslumbrantes e de sítios onde se desenvolvem projectos culturais interessantíssimos. É extraordinário como na sua exiguidade territorial coexistem paisagens tão fortes e diversas como as de Trás-os-Montes ou do Alentejo. Como essas paisagens se transformam com as estações do ano. Como é extraordinário o Outono em Trás-os-Montes, com as cores luxuriantes das folhas perenes e caducas e a Primavera a ondular ao vento as jovens searas no Alentejo. Faz-nos falta um roteiro turístico orientado por equinócios e solstícios Outras regiões se poderiam referir.

Voltando a Lisboa, sou um urbano, esta a minha cidade, maravilha-me a mão do homem a construir e conformar a natureza, criando espaços de grande beleza. Em Lisboa, um desses espaços é o jardim da Fundação Gulbenkian, um arquétipo que não sofre com a passagem do tempo. Estacionar, gozar o jardim da Gulbenkian usando-o a bel-prazer é quase como entrar num paraíso.

Outros lugares valem e visitam-se pelo que lá se faz. São muitos, alguns quase secretos, por esse País fora. Em Lisboa, deve-se referir a Casa da Achada – Centro Mário Dionísio que, como o nome indica, se localiza no Largo da Achada, na Mouraria e tem como seu projecto fundador divulgar e preservar a obra e o espólio de Mário Dionísio. Naturalmente a obra literária de Mário Dionísio, poesia e romance, estão sempre presentes como está presente A Paleta e o Mundo, um ensaio paradigmático, indispensável em qualquer parte do mundo para o entendimento crítico das artes plásticas.

Com uma Biblioteca, Centro de Documentação e Mediateca muito bem organizados e de consulta pública, a Casa da Achada – Centro Mário Dionísio desenvolve/tem uma programação cultural diversificada que se distingue pela sua qualidade e propostas alternativas, o que a fazem ocupar um lugar ímpar no panorama cultural nacional. Ali nada se perde. Tudo se transforma em enormes e inteligentes momentos de fruição cultural.

Agenda

O tempo corre. Coisas que parecem ainda distantes de súbito surpreendem ao virar de uma folha do calendário. A abrir Setembro, a Festa do Avante! dias 2 ,3 e 4, na Atalaia/Seixal, num espaço que se ampliou. A Festa, com a marca política identitária do PCP, ultrapassa essas fronteiras e tem, desde a sua primeira edição, uma forte componente artística e cultural que a faz entrar, por direito próprio, nos roteiros culturais. Motivos e razões para a visitar não faltam, todos os anos se renovam. Este ano, como em todos os outros anos é assim e nunca deixará de ser assim. Entre tudo o que pode encontrar na Festa, a começar pela amizade com que se encalha e celebra a cada passo, é de ver no Pavilhão Central uma bem documentada exposição de gravura, quase uma antológica, e uma exposição de desenhos de Silva Dias, arquitecto de obra importante na história e no pensar da arquitectura portuguesa que a nova tendência do marketing papel couché ainda não registou.

Ainda em Setembro dois concertos de Os Músicos do Tejo, uma jovem orquestra de música barroca de créditos firmados. Em 16 de Setembro, no Palácio das Laranjeiras – Teatro Thalia, integrado no ciclo Ciência na Música, uma iniciativa da Ciência Viva coordenada por Jorge Calado, com o tema Emoções e Consciência, Paride e Elena de C.W. Gluck. A excelência da música na sequência de um memorável primeiro concerto cujo tema foi Os Elementos, em que foram tocados Rameau, Marais e Handel.

A 26 de Setembro no Centro Cultural de Belém, a oratória La Giuditta de Francisco António de Almeida, compositor português do século XVIII que tem sido tocado e gravado pelos Os Músicos do Tejo, La Spinalba e Il Trionfo dell’Amore, com enorme sucesso nacional e internacional.

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