Entre Braga e Faro ficam… Almada e Mora. Ali ao lado, as Caraíbas

Um novo museu, músicas, teatro, espectáculos para a infância e livros que merecem leitura. São estas as sugestões em mais um roteiro cultural que vale a pena conhecer.

Museu do Megalitismo, em Mora
Créditos / Câmara Municipal de Mora

Em Mora, trabalhando pela memória e pela cultura, um novo Museu

Que longe me sinto do centro do mundo – que hoje é a vila de Mora. Ou será a cidade de Almada, embandeirada de futuro? (Embora pudesse ser também a ilha de Cuba, nesta hora difícil, mas também ela vestida de futuro. Comece, então, por regressar a Carlos Puebla.

Que longe me sinto de Mora. E como me apetecia estar perto. Porque visitaria, com gosto, além do famoso Fluviário, o Museu do Megalitismo, inaugurado há poucos meses, e que parte da reabilitação da antiga estação de Mora, a que se juntaram dois novos edifícios. Leia-se a informação disponível: «Construído de raiz, o espaço museológico de 750 metros quadrados acompanha a modelação do terreno, e integra três espaços representativos do quotidiano das populações: a Vida, a Morte e a Contemplação. Aqui, o visitante é acolhido por um filme em 3D, que retrata a vida num povoado neolítico, e nos faz viajar no tempo. As diferentes mesas interactivas permitem ao visitante aceder à informação sobre as peças expostas, algumas com mais de seis mil anos, descobrir como se fazem as escavações e partir à descoberta do maravilhoso mundo do megalitismo. No percurso, o visitante ter-se-á deixado surpreender pela presença inusitada de um homem em tamanho real a fazer placas de xisto… As mais de cem peças expostas, cedidas maioritariamente pelo Museu Nacional de Arqueologia, são provenientes das dezenas de escavações arqueológicas que, no Concelho de Mora, tiveram início em 1914, com Vergílio Correia, de que resultou a obra El Neolítico de Pavía, editada em 1921.»

Andando pelo concelho – o que faz sede –, convém já agora não esquecer que, a 10 de Dezembro, há a XXII Prova de Vinho Novo, em Cabeção. Além do circuito das tascas e adegas, inclui animação musical. Outras razões de monta para se manter na terra: (re)visitar Pavia, para contemplar a insólita Anta – Capela de S. Dinis e com o fito na Casa-Museu desse admirável pintor que foi Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957), artista que nunca se quis alheio aos destinos do seu povo e do Alentejo e cujas relações com o movimento neo-realista e com os seus protagonistas, na literatura e noutras artes, são bem conhecidas.

Só bons motivos para dar um salto a este concelho alentejano, onde se continua a trabalhar em prol do desenvolvimento sociocultural das populações.

Almada com teatro e música para mais novos e não só; Lisboa com o Fado Barroco e com as vozes de dois barítonos

Nesta quadra natalícia, em que o público infantil é rei e senhor, porque não levar os miúdos a ver teatro e a ouvir música? Por exemplo no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, entre 8 e 18 de Dezembro de 2016, para assistir ao «Barbeiro de Sevilha», de Rossini, em espectáculo de fantoches destinado aos mais pequenos. Teresa Gafeira encena este trabalho da Companhia de Teatro de Almada.

E é também a Companhia de Teatro de Almada que mantém em cena «Noite da Liberdade», de Ödön von Horváth (1901-1938), encenação de Rodrigo Francisco. Cito a apresentação: «Horváth descreve a forma como, na Alemanha de Weimar, os sociais-democratas não foram capazes de travar o avanço do nacional-socialismo. (…) Denuncia[-se] abertamente a passividade de uma sociedade que não conseguiu evitar uma das mais trágicas catástrofes da Humanidade.» A esperança é que esta peça se não revele demasiado actual na sua temática…

Por outro lado, estando por Lisboa a 14 de Dezembro, 21h, vale a pena, certamente, assistir a «Fado Barroco», no Grande Auditório da Gulbenkian. Com Os Músicos do Tejo: Ana Quintans, soprano; Ricardo Ribeiro, fadista; Miguel Amaral, guitarra portuguesa; Marco Oliveira, viola; Marcos Magalhães, direcção musical, juntamente com Marta Araújo. Em «Fado Barroco», poderá ouvir música de Carlos Paredes, António da Silva Leite, Miguel Amaral, J. S. Bach, Francisco António de Almeida, Rão Kyao, José Palomino, Alain Oulman, Carlos Gonçalves e Madredeus.

Mais para diante (21 de Dezembro), os barítonos Thomas Hampson e Luca Pisaroni com Christian Koch no piano apresentam «No Tenors Allowed», ópera, opereta e teatro musical de Mozart, Leoncavallo, Verdi, Rossini, Bellini, Lehár, Kálmán, Bernstein e Rodgers/Hammerstein. É às 21h, no Grande Auditório.

Dia dos Direitos Humanos: regressar a Peniche e ao Forte, para continuar a defender a memória

Por iniciativa do movimento Plataforma Cascais, a que se associou o Movimento Cívico Não Apaguem a Memória!, e com o apoio de outros movimentos e associações nomeadamente da Associação 25 de Abril, realizar-se-á um encontro no Forte de Peniche no dia 10 de Dezembro (para o qual será convidado o presidente da Câmara), seguido de visita ao núcleo museológico e de almoço. Escrevem as associações: «O dia-a-dia prisional, ao longo de (…) 40 anos, foi uma impressionante afirmação de dignidade política e humana, por parte de todos os que se bateram, também na prisão, pela libertação do nosso povo. A defesa desta memória, colectiva e nacional, impõe a nossa presença no Forte de Peniche no dia 10 de Dezembro. De forma aberta e unitária, no âmbito e no espírito da resolução da Assembleia da República n.º 24/2008 de 26 de Junho, empenhar-nos-emos, de imediato, na concepção e concretização, no antigo espaço prisional, de um Museu Nacional da Resistência, digno da nossa história e permanente luta pela liberdade, em colaboração com as entidades públicas responsáveis. A visita a este espaço memorável, no Dia Nacional e Internacional dos Direitos Humanos, o dia de 1948 em que a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal, convoca-nos de novo, a todos, à defesa da liberdade numa conjuntura internacional perigosa, marcada por uma crescente vaga de extrema direita que ameaça toda a humanidade.» Importa não esquecer este apelo, este movimento, os seus objectivos fundamentais, o seu projecto.

Coimbra e Escola da Noite: teatro e música, sem nunca esquecer a infância

Lê-se na nova newsletter da Escola da Noite, essa imprescindível companhia coimbrã: «A propósito da temporada em Coimbra de "Embarcação do Inferno", A Escola da Noite tem dinamizado com os seus cúmplices habituais dos Sábados para a infância o ciclo "Diabruras e outras artes para meninos que são uns anjos". Desde Outubro, houve leitura de contos e oficinas de artes visuais, teatro e dança, sempre com o Diabo como fonte de inspiração.

O Taleguinho de Catarina Moura e Luís Pedro Madeira junta-se agora à festa, com a oficina de cantigas, lengalengas e trava-línguas da tradição oral portuguesa, que terá lugar no primeiro sábado do mês, a 3 de Dezembro. As crianças que nela participarem são convidadas a regressar no dia 8, para o encerramento do ciclo. Neste dia, serão partilhados com o público os resultados das diversas iniciativas. Ao longo da manhã, haverá leituras, projecção de vídeos e fotografias e a apresentação do resultado da oficina do Taleguinho.»

No Porto, a Salta-Folhinhas: um espaço a revisitar, desta feita com teatro. Em Sintra, festa na Casa dos Hipopómatos. Em Lousada, «Pedro e o Lobo»

A oferta teatral continua, ligada neste caso ao livro infantil. Proposta no Porto: o espetáculo «Gira sol» (baseado no livro «Breviário do Sol», de Francisco Duarte Mangas e João Pedro Mésseder). É já no dia 11 de Dezembro de 2016, às 17h30, na Salta Folhinhas, rua António Patrício, 50, ali bem perto da avenida da Boavista e da Casa da Música. Esta é a mais antiga livraria infantil da cidade, um pertinaz espaço de divulgação e comercialização de belos livros (muitos dos quais dificilmente encontrará noutras livrarias) e um local também de ateliers (expressão plástica, conta-contos, etc.). O espectáculo é uma criação colectiva de Graça Ochoa, Helena Mancelos e Jonas de Andrade, que formam o jovem grupo de teatro Colibri.

Uns dias antes, no Auditório Municipal de Lousada, outro espectáculo: «Pedro e o Lobo», pelo Jangada Teatro: é dia 8, às 16h.

Já em Sintra, haverá festa junto à Biblioteca Pública, pois é aí, no meio das árvores, que Nazaré de Sousa mantém, com o apoio da autarquia, a belíssima Casa dos Hipopómatos, a qual celebra o seu 1.º aniversário. Trata-se da melhor livraria e local de exposição de álbuns para crianças («picture books») que conheço por cá (invejável colecção que se deve ao olho culto e arguto de Nazaré). Um espaço também de animação da leitura, casa de chá e lugar de exposições e ateliers diversos, em cooperação com a Biblioteca Municipal. No fim-de-semana de 10 e 11 de Dezembro, comemora-se o 1.º aniversário, pelo que Nazaré e quem com ela colabora gostariam de estar rodeados de todos os amigos (ilustradores, escritores, animadores) que têm passado pela Casa dos Hipopómatos. Expostos estarão textos e testemunhos dos amigos da Hipopómatos na Lua.

Natal é tempo de livros e mais livros, em Lisboa, no Porto, em Braga e em Faro…

Aí ficam algumas sugestões. Aproveite, se estiver em Lisboa, para ir à Torre do Tombo assistir à entrega do Prémio Jacinto do Prado Coelho, da Associação Portuguesa de Críticos Literários, que distinguiu ex aequo o livro «O Essencial sobre Michel de Montaigne» (2015), de Clara Rocha, e «Uma Admiração Pastoril pelo Diabo (Pessoa e Pascoaes)» (2015), de António Feijó, ambos editados pela IN-CM (e aproveite-se para elogiar esta empresa pública por ainda editar bons ensaios, esperando que deixe de editar os maus que também por vezes edita). A cerimónia está marcada para 14 de Dezembro, às 17h30, na Torre do Tombo (sede da DGLAB). Li o primeiro destes ensaios e aconselho-o vivamente: é uma introdução admiravelmente estruturada e desenvolvida, rigorosa e elegantemente redigida, à obra de Montaigne, em que somos levados pela mão da nossa maior especialista em escrita autobiográfica. Complete-a já agora com a leitura de «Um Verão com Montaigne» (Gradiva, 2016), de Antoine Compagnon, teórico e crítico de excepção, professor no Collège de France.

No que toca a livros infantis e a outros que, não o sendo, gravitam em torno de um imaginário infantil, experimente conhecer «24 Horas antes do Natal» (Afrontamento, 2016), que é apresentado no próximo dia 4 de Dezembro, às 16h30, na fnac de Santa Catarina, no Porto. Um álbum de uma das melhores ilustradoras portuguesas, Manuela Bacelar, figura tutelar para muitos artistas desta área.

Vale a pena igualmente ler, de outra grande ilustradora mais jovem, Rachel Caiano, em parceria com Sandro William Junqueira (texto), «A Grande Viagem do Pequeno Mi» (Caminho, 2016), belo e divertido álbum narrativo. Patrícia Portela e a sua filha Zöe assinam a quatro mãos o livro de palavras e imagens «Zöelógica» (Caminho, 2016), um trabalho feito de conversas entre mãe e filha, com tudo o que existe de cativante no discurso de alguém que começa a ter a inteligência do mundo e a dizê-lo.

A 7 de Dezembro, Sara Reis da Silva, professora da Universidade do Minho e especialista em Manuel António Pina, estará na Livraria de Serralves, no Porto, das 19 às 20h, para apresentar a reedição de um belo e estranho livro de Pina, escrito a partir de pinturas de Paula Rego, mas que dialoga também, como é evidente, com conhecidos contos de Perrault e dos irmãos Grimm: História do Capuchinho Vermelho Contada a Crianças e Nem por Isso.

O prolífico João Manuel Ribeiro, ora enveredando pela poesia, ora pela narrativa de fundo mítico ou biográfica, ora ainda pelo conto ilustrado, seja de temática ambiental seja explorando idiomatismos e jogo linguístico, traz a lume meia dúzia de novos livros infantis: «Provérbios de Pernas para o Ar», «365 Adivinhas sem Espinhas», «Dédalo, o Maior Inventor do Mundo» e «O País do Faz-de-Conta», todos editados em 2016 pela Trinta por Uma Linha, além de «Pequenos Corações Verdes» e «Amadeo de Souza-Cardoso – Tenho mais fases que a Lua», ambos com a chancela da Opera Omnia. Tanto o terceiro título como o último se destinam preferencialmente ao público juvenil.

Já em Braga, na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, a 6 de Dezembro, às 21h, Vergílio Alberto Vieira (n. 1950) e o fotógrafo José Rocha apresentarão «A Cidade das Fontes» (Crescente Branco, 2016): sugestivos poemas evocando uma cidade por vezes ignorada de muitos (incluindo os próprios bracarenses), à margem do circuito turístico. Imagens (muito belas) da velha Bracara Augusta, numa edição sóbria e especialmente cuidada.

Por estes dias, reencontrará também uma obra caracterizada por uma escrita de grande elegância e poeticidade: a de Albano Martins, em mais um dos seus livros de prosa, «Circunlóquios III» (Universidade Fernando Pessoa, 2016), no qual se reúnem textos situados entre o ensaio, a crónica, o escrito autobiográfico e a entrevista. Livro essencial para o conhecimento deste notável poeta (n. 1930), marcado pelas tradições aforística, epigramática e do haiku, que foi um dos fundadores da revista «Árvore» e que, além do mais, é excepcional tradutor de poesia grega, italiana e em castelhano (Neruda, por exemplo, de que traduziu o Canto Geral).

Termino com a sugestão de que experimente ler uma surpreendente revelação do romance português, Isabela Figueiredo, que é já uma confirmação de qualidade narrativa e ficcional. Comece por ler «A Gorda» (Caminho, 2016), obra de várias singularidades: a que se prende com a temática (autenticidade do vivido de uma mulher, questão que o título indicia mas não só); a escrita sentida, mas trabalhada e rigorosa, dominando a difícil arte-de-contar-prendendo-a-atenção (sem nos distrair ou alienar); o interessante aparato paratextual, que propõe, a abrir, uma espécie de banda sonora (como que a sugerir ao leitor que a procure e escute ao ritmo da leitura); um aparato que, além disso, ambiguamente situa a obra entre o ficcional e o autobiográfico.

Depois de «A Gorda» passe para então para «Caderno de Memórias Coloniais» (Moçambique é o cenário) – um discurso literário de qualidade, é certo, mas de cunho memorialístico que vai já em 6.ª edição (esta, revista e aumentada, é de 2015 e tem a chancela da Caminho).

Ah, e quase a terminar, se vive em Faro, não se esqueça de que tem uma Feira do Livro a decorrer no Centro de Trabalho do PCP, até 28 de Dezembro. Uma iniciativa que contará com a presença de autores algarvios: Adão Contreiras, Carina Infante do Carmo, Damião Pereira e Fernando Martins. Não perca esta surpreendente oportunidade, merecedora de todo o apreço e… boas leituras.

Contribui para uma boa ideia

Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.

O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.

Contribui aqui