A peça que, em 2009, recebeu o Prémio Nacional de Teatro Bernardo Santareno, é agora levada à cena pela primeira vez. Estreou na passada sexta-feira e estará em cena até final de Abril, com sessões às sextas e sábados, às 21h30, no Auditório Municipal Lourdes Norberto, em Linda-a-Velha (concelho de Oeiras).
O espectáculo conta-nos a história de Ricardo, que encontra asilo na casa de Isabel e Teodomiro, por ser perseguido pela polícia política. O inspector da PIDE, Antunes do Ó, faz da pensão das redondezas o seu gabinete de delações.
O elenco é composto por André Levy, Dina Santos, Fábio Nóbrega Vaz, Fernando Ramos, João José Castro, Joâo Manuel Pinho, Kate Camilo, Paulo Miguel Almeida Pereira, Samuel Cardita e Teresa Neves.
AbrilAbril: Esta peça é levada à cena, pela primeira vez, 11 anos depois de ser publicada e premiada. Por que razão decidiram agora apresentá-la?
Silva Henriques: Os 11 anos já foram uma espera longa demais para dar corpo a estes personagens, quanto mais num tempo em que a extrema-direita surge como uma solução rápida e fácil, simplista portanto, para todas as maleitas do mundo capitalista.
AA: O prémio que lhe foi atribuído liga a obra de Domingos Lobo à figura de Bernardo Santareno (cujo centenário é assinalado este ano). Qual o sentido que encontram nesta relação?
SH: 2020 assinala concomitantemente os 100 anos do nascimento de Bernardo Santareno e os 50 anos da morte de Salazar, daí que, quando a direcção do Intervalo-Grupo de Teatro me convidou para encenar esta obra premiada de Domingos Lobo, tendo a oportunidade de trabalhar em estreita colaboração com o dramaturgo e com uma dedicada equipa, senti que se estava a dar um acaso belo. Tal como Bernardo Santareno, Domingos Lobo é um libertário que vê no direito à diferença uma forma de combate à narrativa única, uma tautologia que nos remete para os grandes mitos. Terrasalva, onde decorre a acção, é o mesmo Ribatejo onde cresceu Bernardo Santareno, que morreu em Carnaxide, a terra onde eu cresci.
AA: O trabalho para construir esta encenação passa por pensar também um público que, não tendo vivido o fascismo, possa através da vossa peça encontrar algum tipo de alerta para os tempos que vivemos hoje?
SH: Eu, que não vivi aquele tempo, pois já nasci no pós-25 de Abril, conheço as histórias apenas de as ouvir contar, mas ouço-as atentamente, pois acredito que a preservação da memória e a reflexão histórica oferecem-nos a experiência que o mundo contemporâneo nos prometeu. Ou seja, viver mais tempos e em mais lugares ainda que com um só corpo. Colocarmo-nos no lugar do outro permite-nos desenvolver como seres mais humanos e o potencial da experiência teatral reside exactamente neste facto, nesta condição de reconhecer que aquele outro também sou eu. Trago esta imagem para frisar aquilo que gostaria de nunca vir a esquecer: de certo modo, todos estamos ligados e os sonhos apenas se constroem juntos, tal como este espectáculo, que apenas se completa com o olhar crítico do espectador.
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