A editora Livros Cotovia vai deixar o espaço onde nasceu há «bem mais de 30 anos», na rua Nova da Trindade, no Chiado, «como tantos outros livreiros e alfarrabistas já deixaram também».
«A Cotovia vai mudar de casa» é o título do breve comunicado publicado no Facebook da editora, no qual, depois de se anunciar que «voa para outras paragens, mais tranquilas e não longe», se refere que «o Chiado, tal como está agora, não deixa saudades».
A editora promete continuar em actividade e adverte o público de que os seus livros «continuam disponíveis em praticamente todas as livrarias».
A editora, fundada em 1988 por André Fernandes Jorge e pelo seu irmão, o poeta João Miguel Fernandes Jorge – que mais tarde se afastaria do projecto –, construiu um catálogo exigente em torno do ensaio, da ficção, da poesia e do teatro, tendo-se feito notar pela qualidade das edições mas também pela sobriedade do grafismo, elaborado por João Botelho. No meio da profunda concentração editorial do sector editorial e livreiro, permaneceu como uma das mais significativas editoras portuguesas independentes. Após a morte de André Fernandes Jorge, em 2016, as rédeas da casa foram assumidas por Fernanda Mira Barros.
O que não muda e encerra definitivamente é a Livraria Cotovia, que funcionava no espaço da editora. Concebida pelo arquitecto Luís Borges da Gama (do atelier de Nuno Teotónio Pereira) era, descreve o comunicado, uma «livraria linda» num «edifício Raul Lino». A editora anuncia uma iniciativa de venda das existências, a preços muito especiais, entre 17 de Fevereiro e 13 de Março, de segunda a sexta-feira, das 10h às 14h.
Baixa perde oferta cultural independente e variada
O edifício de esquina da rua Nova da Trindade com a travessa João de Deus tem uma história de quase 50 anos ligada à actividade editorial e livreira. Com efeito, foi em 1971 que opositores ao regime fascista aí fundaram a Livraria Opinião – um dos baluartes livreiros da resistência ao fascismo. Ocupando os quatro pisos do então renovado prédio, contando com um desenho de interior do arquitecto Daciano da Costa, foi não só uma livraria como uma galeria de arte, um local de debate e convívio da oposição intelectual e política na fase final do marcelismo, mas resistiu mal ao refluxo pós-revolucionário e fechou as portas em 1980.
Os últimos anos têm vindo a testemunhar o desaparecimento acelerado de espaços livreiros independentes no centro de Lisboa – alfarrabistas e livrarias – prosseguindo a degradação da diversidade da oferta cultural num sector economicamente frágil. Depois de encerradas a Portugal (2012), a Sá da Costa (2013) e a Aillaud & Lellos (2017), em 2018 foram ameaçadas de despejo pelos seus senhorios a Livraria Trindade, a Campos Trindade e o Centro Antiquário do Alecrim. Em Dezembro de 2019 foi a vez do encerramento no Chiado da Livraria Olisipo, que acusou a Câmara Municipal de Lisboa de «incompetência e incúria» no processo e reabriu portas na Av. Infante Santo.
Na raiz deste movimento está a vertiginosa subida de preços das casas em Lisboa, que afecta tanto as rendas para habitação como as de estabelecimentos comerciais, incluindo lojas históricas. O processo acelerou após a aprovação da chamada «Lei dos Despejos», no governo do PSD com o CDS-PP, mas traduz, também, responsabilidades na política de licenciamento intensivo de unidades hoteleiras seguida pelo executivo PS na Câmara Municipal de Lisboa.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui