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Os silêncios do tráfico sobem ao palco da Boutique da Cultura

Escrita por Sandra Benfica e encenada por João Borges de Oliveira, a peça Silêncios e Tanta Gente estreia esta noite na Boutique da Cultura, em Lisboa. 

A peça estará em cena a partir de hoje e até 1 de Outubro, às 21h30, mas já há novas datas: 13, 14 e 15 de Outubro, no mesmo horário
CréditosPatrícia Blázquez / Silêncios e Tanta Gente

«Às vezes é no meio de tanta gente/Que descubro afinal pra onde vou/E esta pedra/E este grito/São a história daquilo que sou». Este breve excerto da canção de Maria Guinot podia resumir o sentimento das histórias reveladas na peça, quase homónima, que estará em cena a partir de hoje na Boutique da Cultura, em Carnide.

Makahiya, Marco, Tikirit e Pablo são as personagens de Silêncios e Tanta Gente. Vidas que o tráfico roubou, trazidas a palco num cenário minimalista, preenchido apenas pelos sonhos, angústias e o futuro comprometido das vítimas. «Um coração não se cose com uma agulha e uma linha», lamenta-se uma das personagens. 

Houve uma adaptação, mas as histórias são reais e violentas. «É uma realidade dura», realça Sandra Benfica ao AbrilAbril. A dirigente do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), que assina o texto, realça que ele só é possível graças ao trabalho do movimento, também nesta área.

O objectivo, diz, é confrontar o público com realidades que a televisão não mostra ou perante as quais nos vestimos com a pele da indiferença. É longe daqui, são pessoas diferentes de nós, subterfúgios a que se recorre para lidar com uma situação que «está a rebentar», também em Portugal, alerta Sandra Benfica. E que, adianta, vai piorar no quadro do surto epidémico que assola o mundo. 

A dirigente do MDM realça que vivemos num tempo em que as violências exercidas sobre milhões de «outros nós» são encaradas como inevitáveis. Isso por um lado. Por outro, critica, há uma espécie de «glamorização» de algumas realidades, como a da prostituição, onde, apesar da mistura de conceitos promissores, só cabe sofrimento e violação. 

O crime de tráfico de seres humanos, segundo negócio mais lucrativo a nível mundial, a seguir ao das armas, anda de mãos dadas com os de auxílio à imigração ilegal e uso de documento de identificação alheio. É a escravatura dos tempos «modernos», fruto de redes criminosas organizadas, onde não se olha a meios para ceifar vítimas, independentemente das suas idades (ver caixa), como se percebe pelo testemunho de Tikirit, interpretado pela actriz Rita Dias. 

Apesar da teia obscura, onde muitas vítimas nunca chegam a ser conhecidas, um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) publicado em 2018 revelava que o número de vítimas de tráfico não pára de aumentar e que, em contrapartida, as condenações são cada vez menos.

Segundo dados disponibilizados pelo MDM, mais de 76% das vítimas de tráfico na Europa são mulheres e pelo menos 15% são crianças, sendo que as mulheres e crianças representam 95% do total de pessoas traficadas para fins de prostituição. A exploração sexual (67%) é a forma mais comum de tráfico de seres humanos, seguida da exploração laboral (21%).

A ONU estima que haja cerca de 30 milhões de escravos em todo o mundo. 

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