Quem te viu, Brasil. Chico Buarque foi agraciado, em 2019, com o mais importante prémio literário lusófono (o Prémio Camões, instituído pelos Governos de Portugal e Brasil), não tendo o cantor e escritor brasileiro recebido a distinção na altura em função do mesquinho boicote do ex-presidente Jair Bolsonaro, que se recusou a assinar o certificado.
Chico Buarque regressa a Portugal, 38 anos depois de ter ficado «apavorado», e depois rendido, com uma das maiores plateias da sua vida, num concerto de «clima perfeito» e pelo qual nem cobrou cachê. «Depois do concerto, ele reconheceu que foi especial e disse: "Nunca mais se vai repetir uma coisa destas". Não sei se foram os astros, houve ali um clima perfeito naquilo tudo, e o Chico, pela atitude dele, foi fundamental», contou à Lusa o jornalista António Macedo, que acompanhou o músico brasileiro nos dias que passou em Portugal, que culminaram no concerto de encerramento da Festa do Avante!, a 13 de Julho de 1980. O concerto, o primeiro de Chico Buarque em Portugal depois do 25 de Abril de 1974, reuniu uma «embaixada» de músicos brasileiros, com Edu Lobo, os MPB 4 e Simone, como conta um dos responsáveis pela programação da festa anual do PCP, Ruben de Carvalho: «O Chico é um pai de santo, vai toda a gente atrás». Para o «clima perfeito» terão concorrido o momento histórico, com os «brasileiros cheios de "pica"» contra a ainda vigente ditadura militar – rumo ao movimento «Diretas, já» –, aponta Ruben de Carvalho, a química entre os músicos gerada numa viagem recente a Angola, ainda muito presente, e a emoção da morte de Vinicius de Moraes, dias antes do concerto que se realizou no Alto da Ajuda, então recinto da Festa do Avante!. O concerto foi encenado por Ruy Guerra, o cineasta moçambicano que levou o Cinema Novo para o Brasil, e os ensaios decorreram no antigo edifício do Teatro Aberto, em Lisboa. António Macedo assistiu a esses ensaios, passou muito tempo com Chico Buarque, que estava instalado com a mulher, Marieta Severo, e as filhas, no Hotel Penta – «só me faltou dormir com ele» –, e acompanhou-o numa visita ao recinto do Alto da Ajuda, antes do início da Festa do Avante!. «Quando olhou para aquela vastidão de terreno à frente, ele que é um tipo muito envergonhado, que não gosta de concertos, disse: "Isto é tudo para o povo?"», conta. Estava «completamente apavorado», recorda António Macedo, que se lembra de lhe ter ouvido um «Eu não canto». Cantou. «Transcendeu-se. Esteve praticamente duas horas em palco», lembra, naquela que António Macedo escreveu para o jornal Se7e ter sido «a maior plateia» que Chico jamais tivera pela frente. António Macedo lembra um alinhamento «em crescendo nas canções políticas»: «A parte final do concerto começa com o Apesar de Você, é para aí a sexta antes do fim, e depois ele começa a ligar isso com Portugal, canta o Fado Tropical, estreia a Morena de Angola – é a primeira vez que a canção é cantada pelo Chico, já era conhecida porque tinha sido cantada pela Clara Nunes.» O relato do jornal O Diário refere também as canções Geni e o Zepelim, Construção, Roda Viva, Cio da Terra, Cálice, e, naturalmente, Tanto Mar. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Cultura|
Chico Buarque: a Festa do «Avante!» 1980 foi a «maior plateia»
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Quem te vê. Quatro anos depois, Buarque vai receber, por fim, o Prémio Camões que sempre foi seu, numa sessão em Lisboa (dia 24 de Abril) que vai contar com a participação de Lula da Silva, Presidente do Brasil.
Aproveitando a ocasião, a Câmara Municipal do Seixal (CMS) vai receber, «com muita honra», o espectáculo de tributo musical a «um dos nomes maiores da música popular brasileira», anuncia Paulo Silva, presidente da CMS.
«O concerto passeia pelos muitos sucessos do cantor, apresentando a sua obra». Na voz, estarão Marcus Lima e Thais Motta, no piano, Cristóvão Bastos, no violão e cavaquinho, João Lyra, na flauta e saxofone, Eduardo Oliveira, no baixo, Dimerval da Silva e, na bateria e percussão, Marcos Thadeu.
Este espetáculo, que se realiza amanhã, 14 de Abril de 2023, às 21h30, no Fórum Cultural do Seixal, está integrado nas comemorações do 25 de Abril da autarquia, explica Paulo Silva, «Chico Buarque é um cantor da liberdade que teve muitas das suas músicas censuradas durante o nefasto período da ditadura brasileira», uma experiência semelhante ao que se passou em Portugal, durante o regime fascista.
Chico Buarque actua no Porto, nos dias 26 e 27 de Maio, e em Lisboa, nos dias 1, 2 e 3 de Junho.
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