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Amazónia em risco com a «MP da grilagem» de Bolsonaro

Investigadores alertam que a Medida Provisória 910, que o governo brasileiro diz ser de «Regularização Fundiária», estimula a devastação da Amazónia e a posse ilegal de terras desmatadas.

Investigadores afirmam que MP 910 potencia a devastação da Amazónia
Créditos / metrojornal.com.br

Menos de um mês após a divulgação, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do maior índice de desflorestação na Amazónia dos últimos dez anos, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, avançou no passado dia 10 de Dezembro com uma Medida Provisória que abre o caminho para que parte das áreas públicas desmatadas ilegalmente até Dezembro de 2018 passe para as mãos dos desmatadores.

Apoiada pela chamada «bancada ruralista», a Medida Provisória 910 permite que terras públicas desmatadas com uma área até 2500 hectares se tornem propriedade de quem as ocupou irregularmente, desde que se cumpram alguns requisitos, lê-se numa reportagem publicada esta segunda-feira pela BBC News Brasil.

Os críticos da medida apelidaram-na de «MP da grilagem», afirmando que premeia quem leva a efeito a desflorestação, além de estimular a destruição de novas áreas de floresta. Por seu lado, o governo de Bolsonaro, que chama à iniciativa «MP da Regularização Fundiária», diz que, com ela, visa desburocratizar a concessão de títulos a agricultores «que produzem e ocupam terras da União de forma mansa e pacífica».

Terras públicas não destinadas

A Medida Provisória tem como alvo terras públicas não destinadas, ou seja, áreas que pertencem à União [Estado brasileiro], mas que ainda não tiveram uma função definida (por exemplo, tornarem-se parques nacionais ou reservas para proteger o modo de vida dos povos tradicionais).

A medida, que é válida para todo o Brasil, vai ter maior impacto na Amazónia Legal, uma região que engloba os nove estados onde há vegetações amazónicas e que concentra as terras públicas não designadas do país sul-americano. De acordo com o Ministério da Agricultura, na Amazónia, essas áreas somam cerca de 57 milhões de hectares (pouco mais do que o território da França).

A medida já entrou em vigor, mas, para não perder a validade, tem de ser aprovada pelo Congresso num prazo de 120 dias. De acordo com a fonte, a bancada ruralista apoia a iniciativa e está mobilizada em prol dessa aprovação.

«Grilagem» e desmatamento da Amazónia

De toda a área desmatada na Amazónia entre Agosto de 2018 e Julho de 2019, 35% são terras públicas não destinadas, segundo uma análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). A prática de desflorestar áreas públicas e falsificar documentos para simular a posse dos terrenos é conhecida como grilagem. Segundo a BBC News Brasil, o principal objectivo dos grileiros é vender as terras, lucrando com a valorização ocorrida após o desmatamento, uma vez que a área se torne apta para actividades agropecuárias. A pecuária é a actividade preferencial.

A grilagem é apontada como uma das maiores causas do desmatamento na Amazónia. «A prática alimenta o mercado ilegal de terras na região, gerando uma corrida incessante por novas áreas de floresta. Essas áreas são visadas por desmatadores na expectativa de que venham a ser regularizadas futuramente — o que de facto tem acontecido», destaca a reportagem.

Regularizações sucessivas

A medida de Bolsonaro não é a primeira a ser chamada «MP da grilagem»: em 2017, o então presidente Michel Temer assinou a Medida Provisória 759, que foi caracterizada pelos críticos da mesma forma. A iniciativa de Temer flexibilizava os critérios para a concessão de áreas públicas na Amazónia ocupadas até 2014. Tanto a MP 910, de Bolsonaro, como a MP 759, de Temer, são vistas como actualizações de uma iniciativa de 2009 do governo de Lula da Silva, a Medida Provisória 458, que deu origem ao Programa Terra Legal.

Então, Lula também disse ter como objectivo regularizar a posse de terra de pequenos agricultores na Amazónia. No entanto, o livro Dono é quem desmata: conexões entre grilagem e desmatamento no Sudoeste paraense, dos investigadores Mauricio Torres, Juan Doblas e Daniela Alarcon, apontou outros efeitos da iniciativa.

Segundo os autores, embora 90% do público-alvo do programa realmente ocupasse pequenas porções de terra, essas áreas correspondiam a apenas 19% do território coberto pela iniciativa, enquanto 63% das áreas ficariam nas mãos de 5,7% dos requerentes.

Premiar os grileiros, em prejuízo do erário público

Em declarações à BBC News Brasil, Paulo Moutinho, doutor em Ecologia e investigador do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), alertou que a medida de Bolsonaro premeia quem desmatou com o intuito de lucrar com a venda das terras. «Certamente há muitos pequenos produtores na Amazónia passíveis de regularização, mas há um contingente substancial de gente que grilou a terra e vai obter benefício do governo», frisou.

Apesar de o Ministério da Agricultura afirmar que a MP se destina «àqueles que produzem e ocupam a terra de forma mansa e pacífica há muitos anos e podem comprovar a sua permanência e trabalho no local», Moutinho denuncia que uma grande parte das áreas desflorestadas na Amazónia se destina actualmente à «especulação»: os responsáveis contratam pessoas para desmatá-las sem ter a pretensão de as ocupar, mas, sim, de as vender. «É uma lucratividade astronómica», disse.

A MP é ainda alvo de crítica pela «perda de património público com as concessões dos títulos». Para tomar posse de áreas públicas desmatadas até 5 de Maio de 2014, os reclamantes devem pagar entre 10% a 50% da tabela de preços do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Já quem desmatou entre Maio de 2014 e Dezembro de 2018 deve pagar 100% do valor de tabela do Incra – que, ainda assim, é menos da metade do valor de mercado, segundo revela a advogada Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Em Junho do ano passado, Brito publicou um artigo na revista científica Environmental Research Letters no qual mediu possíveis efeitos da lei 13.465, de 2017, que também versou sobre a ocupação de terras públicas e se baseou na MP 759, de Michel Temer. Brito calculou quanto dinheiro o governo deixaria de arrecadar se os descontos fossem aplicados à venda de todas as áreas públicas não destinadas que poderão ser privatizadas – áreas que, segundo a Câmara Técnica de Destinação e Regularização de Terras Públicas Federais na Amazônia Legal, somam 19,6 milhões de hectares, o equivalente ao estado do Paraná.

Segundo o estudo, a perda em receitas potenciais seria de até R$ 120,3 mil milhões – 43 vezes o orçamento aprovado para o Ministério do Meio Ambiente em 2019. Brito diz que, como a MP de Bolsonaro manteve os percentuais de desconto, o cálculo segue válido.

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