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Nave dos loucos

A paz tornou-se gradualmente um conceito vazio, transformado propagandisticamente num instrumento ideológico cultivado apenas por minorias supostamente transviadas, por isso vilipendiadas e silenciadas em clima inquisitorial.

Pelo menos 16 pessoas morreram em bombardeamentos na cidade de Donetsk, capital da auto-proclamada República Popular de Donetsk. O ataque contra a população civil, perpetrado pelas forças armadas ucranianas, incidiu sobre o bairro de Kuibyshevsky. Duas das vítimas eram crianças. 19 de Setembro de 2022 
CréditosBruno Carvalho

Esqueçam as alterações climáticas, o aquecimento global, a pegada de carbono, as mil e uma sustentabilidades prometidas, as energias alternativas, os glaciares a derreter e os mares a subir, as agendas verdes e outros assuntos sérios relacionados com a sobrevivência do planeta. Como há muito se sabe, e agora se tornou existencial para todos nós, a guerra é a principal ameaça contra a Terra e todos os seres vivos que a habitam. Não há combate possível e eficaz contra os problemas parcelares se a guerra não for eliminada, isto é, se não forem encontradas e aplicadas fórmulas de paz capazes de neutralizar a opção dominante pelos conflitos armados.

Alguém acredita que possa ser estabelecido um sistema funcional e global de luta contra as alterações climáticas num mundo em guerra tal como aquele em que vivemos hoje? O recurso a armas de extermínio – de que já estivemos muito mais longe – é capaz de provocar em escassos minutos a extinção da vida do planeta que a degradação do clima pode demorar décadas ou séculos a consumar. O pensamento único dominante inverteu as prioridades de acção, optando no sentido da minimização ou mesmo do risco da extinção da vida, e, por incrível que pareça, isso não aconteceu por acaso. É obra de sociopatas, os que governam efectivamente o mundo de leste a oeste, de norte a sul e perderam a noção de que a própria defesa dos interesses das poderosas elites minoritárias para quem trabalham deveria ter limites, quanto mais não seja o da sobrevivência da humanidade.

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Nasceu o neoliberalismo climático

Salvar o planeta de quê? Das alterações climáticas, de que mais haveria de ser? Haverá mais coisas assim tão ameaçadoras com que tenhamos de nos preocupar?

Manifestação do grupo ambientalista Extinction Rebellion em Londres, a 15 de Abril de 2019.
Créditos / Sky News

Salvar o planeta! Ora aí está uma causa nobre, por certo não fracturante, à medida do mainstream, padronizada segundo as normas da opinião única, enfim polémica quanto baste porque os seus opositores são encabeçados por figuras que estão de passagem, como Donald Trump, por certo uma excepção na tão recomendável classe bipartidária e monolítica dos Estados Unidos da América. Atentemos nos casos de Obama, de Hillary Clinton, consabidamente tão amigos do planeta e do ambiente.

Salvar o planeta de quê? Das alterações climáticas, de que mais haveria de ser? Haverá mais coisas assim tão ameaçadoras com que tenhamos de nos preocupar?

Na verdade, parece não haver coisa mais necessário na sociedade global em que vivemos do que mobilizar-nos no urgentíssimo e justíssimo combate contra a degradação do ambiente e as mudanças climáticas dela decorrentes.

«Os expoentes do capitalismo na sua versão fundamentalista neoliberal estão em pleno desenvolvimento de uma operação de apropriação das questões ambientais tentando impor uma milagrosa quadratura do círculo. Ou seja, o capitalismo que envenena o planeta, que o põe diariamente em risco, surge como salvador do planeta privatizando uma justíssima causa para que lhe seja possível, com grande ajuda do sistema mediático, arrastar massas que sofrem de genuínas inquietações à mistura com ingenuidade e vulnerabilidades»

Mobilizemo-nos, pois. Sigamos as marchas juvenis e coloridas inspiradas algures nos meandros onde se move essa tão carismática como recatada figura de George Soros, conhecido como «filantropo», um verdadeiro papa do globalismo, do neoliberalismo, reconhecido patrono ou mesmo proprietário da democracia autêntica.

Sigamos Greta Thurnberg lamentando os seus «sonhos perdidos», juntemo-nos ao Eng.º Guterres, a quem as aflições do clima proporcionaram uma energia interventiva até agora desconhecida, sobretudo desde que se tornou secretário-geral da ONU; acompanhemos Obama, Mark Zuckerberg, Al Gore, Richard Branson e outros patronos do movimento de Greta Thurnberg; desfilemos de braço dado com o benemérito Bill Gates, agora dedicado à causa dos negócios da geoengenharia a bem do ambiente, com as comissárias e os comissários europeus, os generais da NATO, os poluidores e as suas vítimas, todos irmanados nesta imensa vaga regeneradora que a muitos parece cativar e verdadeiramente não tem inimigos pois todos habitamos nesta Terra e 2030, «o ponto de não retorno», é já amanhã.

Além disso, «não há planeta B», como muito bem recordou o prof. Marcelo mesmo que, desta feita, a autoria do sound bite não lhe pertença.

O sistema autorregenera-se

A crer nesta espécie de «revolução colorida» – o que não é de espantar, pois várias outras têm a chancela inconfundível do «filantropo» Soros – o seu êxito não suscita grandes dúvidas, porque estão mais do que identificadas as causas da revolta do clima.
O segredo não estará, ao que parece, em atacá-las mas sim em «adaptar-nos» a elas e acreditar que os grandes poluidores industriais se converterão beatificamente à causa; os gigantes do agronegócio transnacional deixarão benevolamente de destruir os solos, esbanjar água e expandir a seca; os monstros da indústria mineira global, comovidos pela grande movimentação, deixarão de contaminar os solos para os expurgar de riquezas; os negociantes de madeiras não mandarão acender nem mais um fósforo nas florestas; os magnatas do petróleo abandonarão o fracking e deixarão os mares e os solos em paz, genuinamente convertidos às energias renováveis; os impérios do armamento chegarão à conclusão de que as actividades amigas do ambiente são muito mais interessantes que as guerras, quiçá até do ponto de vista económico; os generais e outros senhores do militarismo deliberarão espontaneamente que o dinheiro investido em armas, sobretudo as nucleares, deve ser transferido para o combate à fome no mundo.

«O sistema que ganha destruindo o planeta é o mesmo que continua a ganhar pretensamente «adaptando-o» às mudanças – não atacando as causas e manipulando multidões. Por isso, de acordo com a sua estratégia, a nobre causa da luta contra as alterações climáticas, que mobiliza dezenas de milhões de pessoas genuinamente alarmadas, tem de ser isolada de outras que, na realidade, lhe são afins e complementares»

Os grandes interesses económicos do planeta, desde o grande especulador financeiro ao incansável barão da droga, curvar-se-ão, enfim, perante os activismos desinteressados que decidiram salvar a harmonia climática poupando, ao mesmo tempo, o sistema que a destrói. O capitalismo ecológico, o neoliberalismo climático estavam, afinal, a umas mobilizações bem comportadas e a uns discursos lamurientos de distância. E sem que a ordem que nos governa seja minimamente beliscada. Como não nos havíamos lembrado disto antes? Mas talvez ainda estejamos a tempo, mais vale tarde do que nunca, os destrambelhamentos climáticos serão domesticados. Com uma condição: que os aceitemos e nos adaptemos, como recomenda, sábio, Bill Gates. A «adaptação» será, afinal, a alma do negócio.

Nada de distracções

Mas atenção: foco total, nada de distracções, dedicação absoluta à «adaptação» do planeta às alterações climáticas e sempre no quadro da ordem estabelecida. Caso contrário, a ameaça persistirá.
Não há que esbanjar esforços em causas fracturantes e que, como se percebe pelo consenso quase global suscitado pelo caos climático, acabam por ser marginais.
Em poucas ou nenhuma ocasião como esta vamos encontrar do mesmo lado da barricada as paupérrimas vítimas das inundações do Bangladesh e o presidente do Goldman Sachs, o banco que, segundo o próprio, desempenha o papel de Deus na Terra; ou o indígena da Amazónia e o presidente cessante do Banco Central Europeu, Mario Draghi; ou os sudaneses vítimas da seca e os todo-poderosos dirigentes do Carlyle Group.

«Atendendo à gravidade dos cenários que ameaçam o planeta, o mais natural seria transformá-los numa causa única e poderosa capaz de reduzir os riscos. Defender a Terra e os sistemas de vida que nela existem seria uma acção muito mais eficaz e abrangente se interligássemos as lutas contra as alterações climáticas, a guerra, a pobreza, as desigualdades, as agressões aos direitos humanos, a escravatura e outras»

O mesmo não acontece com outras situações que suscitam mobilizações, mas nunca com esta amplitude e consenso. É o caso das guerras que se multiplicam pelo mundo, ou das crescentes desigualdades e do fosso que se alarga entre a maioria de pobres e a minoria de ricos, da acumulação de armas, sobretudo as nucleares, da globalização do trabalho escravo, dos milhões de desalojados e refugiados.
São, de facto, problemas em torno dos quais não encontramos mobilizações tão massivas, uma tal convergência de opiniões, uma cobertura tão abrangente dos meios de comunicação globais.

Fizeram-se – e fazem-se – manifestações contra as guerras, acções contra as injustiças e as desigualdades, iniciativas contra a pobreza, a fome ou os refugiados. Mas nela não encontraremos as figuras que lhe dão peso, prestígio e fama como Obama, o Eng.º Guterres, o presidente do Goldman Sachs, o diligente Bill Gates ou a presidente da Comissão Europeia. E se, por uma hipótese absurda, algum jovem ou alguma jovem assumir um papel semelhante ao de Greta Thurnberg, mas em defesa da eliminação total das armas nucleares, certamente não lhe será facultado o púlpito dos oradores nas Nações Unidas e não será transformado em ícone pela comunicação mainstream. Pelo contrário, não tardaria a ter à perna a comunidade global de espionagem e certamente seria tratado como reles agente russo ou chinês.

«Não conseguiremos encontrar na luta contra a guerra as mesmas vedetas globais e a mesma projecção da suposta luta contra as alterações climáticas. Em boa verdade, essas figuras dizem estar do lado do ambiente enquanto promovem as guerras e o negócio de armas, ao mesmo tempo que geram milhões de desalojados e refugiados»

No entanto, a proliferação de guerras e de armas cada vez mais modernas e com efeitos letais massivos pode provocar amanhã, depois de amanhã, de uma penada, os efeitos que as alterações climáticas produzem gradualmente e que têm ponto de não retorno agendado para 2030, segundo as previsões mais repetidas. Porém, ao que parece por aquilo a que temos vindo a assistir, a crise do clima é certa enquanto a destruição do planeta por um conflito global pode acontecer ou não, saibamos correr riscos… Portanto, nada de alarmismos e, sobretudo, de dispersões em relação à causa definitiva, a da «adaptação» às derrapagens do ambiente.


E se ligássemos tudo?

Atendendo à gravidade dos cenários que ameaçam o planeta, o mais natural seria transformá-los numa causa única e poderosa capaz de reduzir os riscos. Defender a Terra e os sistemas de vida que nela existem seria uma acção muito mais eficaz e abrangente se interligássemos as lutas contra as alterações climáticas, a guerra, a pobreza, as desigualdades, as agressões aos direitos humanos, a escravatura e outras.

Esta seria a ordem natural das coisas.

Mas não a ordem natural do sistema em que vivemos.

«se, por uma hipótese absurda, algum jovem ou alguma jovem assumir um papel semelhante ao de Greta Thurnberg, mas em defesa da eliminação total das armas nucleares, certamente não lhe será facultado o púlpito dos oradores nas Nações Unidas e não será transformado em ícone pela comunicação mainstream»

Ao associar as causas amigas do planeta seríamos conduzidos, inevitavelmente, à evidência que a defesa da Terra é, em si mesma, uma causa fracturante. Não conseguiremos encontrar na luta contra a guerra as mesmas vedetas globais e a mesma projecção da suposta luta contra as alterações climáticas. Em boa verdade, essas figuras dizem estar do lado do ambiente enquanto promovem as guerras e o negócio de armas, ao mesmo tempo que geram milhões de desalojados e refugiados.
Negócio é, de facto, a palavra-chave, o conceito que transpõe de forma traiçoeira, enganosa e oportunista a movimentação contra as alterações climáticas para o lado da guerra, das desigualdades, da pobreza, da exploração – tudo fruto do mesmo sistema.

Os expoentes do capitalismo na sua versão fundamentalista neoliberal estão em pleno desenvolvimento de uma operação de apropriação das questões ambientais tentando impor uma milagrosa quadratura do círculo.

Ou seja, o capitalismo que envenena o planeta, que o põe diariamente em risco, surge como salvador do planeta privatizando uma justíssima causa para que lhe seja possível, com grande ajuda do sistema mediático, arrastar massas que sofrem de genuínas inquietações à mistura com ingenuidade e vulnerabilidades.

Mas não só.

«a proliferação de guerras e de armas cada vez mais modernas e com efeitos letais massivos pode provocar amanhã, depois de amanhã, de uma penada, os efeitos que as alterações climáticas produzem gradualmente e que têm ponto de não retorno agendado para 2030, segundo as previsões mais repetidas»

O principal é que o capitalismo neoliberal transformou a luta contra as alterações climáticas num negócio. O método é insidioso: dá como adquiridas as transformações já ocorridas ou em curso e põe a tónica na «adaptação» do planeta a essas circunstâncias. O negócio do clima junta-se assim ao negócio da guerra, ao negócio da droga, ao negócio do trabalho escravo, ao negócio da exploração dos recursos naturais.

Desenvolver pretensas soluções científicas capazes de responder ao aquecimento global, à subida dos mares, aos degelos, às carências de água e outros fenómenos está a transformar-se na antecâmara de novos grandes negócios. Aos lucros da contaminação do planeta somam-se os proveitos gerados pela «adaptação» aos efeitos da contaminação.

O sistema que ganha destruindo o planeta é o mesmo que continua a ganhar pretensamente «adaptando-o» às mudanças – não atacando as causas e manipulando multidões. Por isso, de acordo com a sua estratégia, a nobre causa da luta contra as alterações climáticas, que mobiliza dezenas de milhões de pessoas genuinamente alarmadas, tem de ser isolada de outras que, na realidade, lhe são afins e complementares, como a da luta pela paz. É a manobra a que estamos a assistir.

O capitalismo neoliberal conseguiu encontrar um caminho para transformar as questões ambientais e climáticas em lucros. Quanto à «paz», a única maneira de a fazer gerar proveitos é espalhando a ilusão de que pode ser estabelecida através da multiplicação de guerras. Nasceu assim o neoliberalismo ambiental, humanista, pacifista.

É necessário desmontar esta mistificação e impedir que as causas ambientais sejam capturadas pelos terroristas do ambiente para que tudo continue na mesma, isto é, deteriorando-se. A luta contra as alterações climáticas é indissociável dos combates contra a guerra, a pobreza, a austeridade, as desigualdades, os problemas dos refugiados, a censura, a exploração, a extinção dos direitos sociais, a violação dos direitos humanos. Converge tudo na mobilização contra o sistema que está na base de todas as aberrações que afectam o ser humano e o planeta.

Tipo de Artigo: 
Opinião
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A procura da paz nunca poderia ter sido separada e isolada das causas dominantes dos nossos tempos. Mas alguém seria capaz de imaginar hoje um jovem discursando nas Nações Unidas apelando à paz mundial, tal como a sueca Greta Thunberg fez sobre a degeneração climática? À luz da mentalidade dominante seria um absurdo, nem o secretário-geral das Nações Unidas pensaria numa coisa dessas até porque incomodaria os poderes que se apropriaram da organização, por sinal os senhores da guerra.

A paz tornou-se gradualmente um conceito vazio, transformado propagandisticamente num instrumento ideológico cultivado apenas por minorias supostamente transviadas, por isso vilipendiadas e silenciadas em clima inquisitorial. A paz é «subversiva» ou, no dizer de eminentes pensadores e opinadores assumidos como proprietários da opinião única, um conceito «abstracto».

E o mundo tornou-se um lugar vazio de paz agora que o planeta rolou para a beira do abismo, atingindo a posição mais periclitante de sempre. Neste cenário resta a guerra, mas como a guerra não tem solução à vista, a não ser a do confronto fatal, e não há quem consiga fazer ouvir a voz da razão sobre a cacofonia da morte, então nada augura de bom para esta nave dos loucos a bordo da qual somos arrastados. Eles não ouvem nem sentem; estão imunes até às vozes sensatas que conseguem furar o cerco da propaganda terrorista.

Ordem mundial em jogo. Como chegámos a este extremo?

Explica-nos a única versão permitida em boa parte do mundo, porque assim o determina o Ocidente sem margem de contestação, que a culpa é da Rússia e do chefe do seu regime nacionalista, Vladimir Putin, quando decidiu invadir militarmente a Ucrânia, no quadro de uma alegada estratégia expansionista de Moscovo.

A Rússia argumenta que foi forçada a tomar a decisão para impedir que as populações de origem russa, maioritárias na região do Donbass, continuassem a ser vítimas do genocídio praticado há oito anos pelo regime de Kiev, influenciado e sustentado por organizações de índole nazi guiadas por conceitos de supremacia racial segundo os quais os russos são sub-humanos.

No mundo nada acontece isoladamente: portanto, o cenário descrito é superficial, insuficiente e traiçoeiro.

O problema da situação da Ucrânia é muito mais profundo, teve como etapa principal mais recente o golpe de Estado que em 2013 instituiu o actual regime de Kiev a partir da destituição de um governo eleito democraticamente. Uma manobra antidemocrática na qual participaram os paladinos da democracia legítima, os regimes dos Estados Unidos da América e da União Europeia – não confundir com o continente Europa e muito menos com os povos da Europa. A partir de então a Ucrânia transformou-se num polo de provocação contra a Rússia agindo como entidade da NATO e da União Europeia, embora não formalmente integrada nas organizações.

Esta etapa representou mais um passo num caminho percorrido desde o início dos anos noventa do século passado pelos Estados Unidos e a NATO/União Europeia para instituírem a unipolaridade global de índole imperial e neocolonial a partir, sobretudo, do desmembramento da União Soviética e da Jugoslávia. Seguiram-se a colonização dos Balcãs e da Rússia, neste caso sob o regime de Boris Ieltsin, teleguiado de Washington.

«No mundo nada acontece isoladamente: portanto, o cenário descrito é superficial, insuficiente e traiçoeiro.»

Quando Vladimir Putin se tornou presidente, por sinal indicado pelo próprio Ieltsin, Moscovo assumiu gradualmente a gestão da Rússia e estancou o saque das riquezas e da economia do país – pondo fim ao maná de Washington e dos interesses que gerem a União Europeia através dos autocratas de Bruxelas e dos governos nacionais que lhes obedecem.

Então, o processo de cerco militar da Rússia pela NATO, institucionalizado a partir da integração dos países do extinto Tratado de Varsóvia na aliança atlantista, acelerou-se através da colossal concentração de tropas e de meios militares em fronteiras do território russo. Tratava-se, explica a NATO, de acções «defensivas» perante uma Rússia com objectivos «expansionistas» capazes de «ameaçar toda a Europa». Um primor de ficção assumido como base das doutrinas militares dos Estados Unidos e da NATO e reproduzido como verdade única e indesmentível pelo aparelho global de propaganda que age sob capa de «informação». Da promessa feita ao presidente russo Gorbatchov no início dos anos noventa pelos principais dirigentes ocidentais, segundo a qual a NATO não se moveria «um centímetro» para Leste em relação às posições do fim da guerra fria, chegámos, 30 anos depois, ao cerco quase total das fronteiras ocidentais da Rússia pela própria Aliança Atlântica.

A Ucrânia era uma peça essencial que faltava e foi inserida no sistema agressivo da Aliança Atlântica através do golpe de 2013. Por isso estamos a assistir a uma guerra, não entre Moscovo e Kiev, mas sim entre a Rússia e a NATO.

Sociopatia sem freios

Chegados a este tipo de confronto que reedita cenários da guerra fria mas tendo de ambos os lados personagens menos previsíveis, sem dúvida mais irresponsáveis em termos de recurso aos conflitos armados, os riscos de uma guerra de grandes proporções, envolvendo armas de extermínio em massa, são bem mais elevados do que na segunda metade do século XX.

«Da promessa feita ao presidente russo Gorbatchov no início dos anos noventa pelos principais dirigentes ocidentais, segundo a qual a NATO não se moveria «um centímetro» para Leste em relação às posições do fim da guerra fria, chegámos, 30 anos depois, ao cerco quase total das fronteiras ocidentais da Rússia pela própria Aliança Atlântica.»

As doutrinas neoconservadoras que controlam os centros de poder norte-americano e que assentam na afirmação global do único país «imprescindível», que não admite a existência de qualquer outra potência com a dimensão e a influência dos Estados Unidos, são ainda mais ameaçadoras e incontidas do que, por exemplo, as práticas do regime de Ronald Reagan, em plena guerra fria.

E se a Rússia e a China são potências emergentes que têm de ser contidas antes de serem capazes de desafiar o império, a União Europeia também não escapa às manobras de Washington para limitar a sua dimensão, peso e influência através do mundo. O exemplo revelador está ao alcance da mão: o modo como Washington tem obrigado os 27 a pagar as despesas do combate económico e militar contra a Rússia enquanto consegue ultrapassar a situação de maneira praticamente incólume, pelo menos até agora.

Em Moscovo, a clique que assumiu o poder ao redor de Putin, nacionalista, retrógrada, restauradora de ambientes de inspiração czarista principalmente devido à dissolução no conservadorismo social da poderosa igreja ortodoxa, é perigosamente imprevisível, sobretudo porque dispõe já de uma capacidade militar em paridade com a da NATO, pelo menos no plano convencional.

O embate presente entre as duas principais potências militares, que acontece pela primeira vez a um nível de confronto directo (situações conjunturais na Síria não assumiram uma dimensão semelhante) passou a desenvolver-se exclusivamente em forma de guerra. Nunca é demais recordar a frase do «ministro dos negócios estrangeiros» da União Europeia, Josep Borrell, segundo a qual a questão da Ucrânia apenas se resolve com a derrota da Rússia.

«Em Moscovo, a clique que assumiu o poder ao redor de Putin, nacionalista, retrógrada, restauradora de ambientes de inspiração czarista principalmente devido à dissolução no conservadorismo social da poderosa igreja ortodoxa, é perigosamente imprevisível (...).»

Para Bruxelas, cumprindo as ordens de Washington, a diplomacia não passa de uma prática arcaica. Os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia não admitem ao regime de Kiev qualquer possibilidade de negociar um acordo com Moscovo – o entendimento de Istambul foi assassinado à nascença por imposição ocidental, tal como já acontecera com os acordos de Minsk; e Moscovo faz saber cada vez com maior veemência que a hora de negociar já passou, sobretudo agora que quatro regiões do Donbass vão integrar-se na Rússia no seguimento de consultas feitas às respectivas populações.

Sob o signo do terror

O conjunto de circunstâncias que rodeia a crise na Ucrânia e as respectivas repercussões na relação internacional de forças coloca-nos sob a ameaça muito real de extermínio em massa, pelo menos de populações europeias mas que extravasará irremediavelmente para outras áreas do globo. O mundo, tal como hoje o conhecemos, corre um perigo sério porque qualquer das partes envolvidas é incapaz de se comprometer a não usar armas nucleares. Os neoconservadores norte-americanos há muito que estão ansiosos por isso; o seu criado Zelensky pediu o acesso a essas armas de extermínio durante a conferência de «segurança» de Munique, em 19 de Fevereiro último; e as declarações do Kremlin sobre a matéria alinham pelo mesmo signo da ameaça terrorista.

«Os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia não admitem ao regime de Kiev qualquer possibilidade de negociar um acordo com Moscovo – o entendimento de Istambul foi assassinado à nascença por imposição ocidental, tal como já acontecera com os acordos de Minsk (...).»

A principal conjuntura que conduziu a este confronto sem cedências é o carácter existencial com que ambas as partes – EUA/NATO e Rússia – o encaram. Quanto à Ucrânia, o regresso a antes de 24 de Fevereiro já é impossível devido à rejeição permanente das hipóteses de acordo com Moscovo.

O conflito em curso, principalmente o embate directo entre os dois maiores aparelhos militares mundiais, é certamente existencial para a Rússia em caso de derrota. A xenofobia russófona que guia os comportamentos e as acções de grande parte da Europa, designadamente dos seus dirigentes, está profundamente enraizada na história. Os exemplos de Napoleão e de Hitler são apenas situações extremas de um culto de cruzada, de um ódio «civilizacional» e segregacionista permanente que passa inclusivamente por cima de questões ideológicas.

O frenesim anti-Rússia de hoje não está muito distante do frenesim anti-soviético da guerra fria. Salta à vista que o comportamento irracional e irresponsável dos dirigentes norte-americanos e europeus em relação a uma Rússia soberana, capaz de se governar a si própria e de desenvolver relações internacionais fora do padrão ocidental, traduz a intenção de eliminar um tal adversário.

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O mundo já não será o que era

A partir de agora o mundo nunca mais voltará a ser o que foi desde o início da década de noventa do século passado, quando os Estados Unidos assumiram isoladamente o comando planetário.

Créditos / Shutterstock

De tanto esticar, a corda rebentou. Ao cabo de um longo processo de acosso e humilhação, a Rússia decidiu extirpar militarmente o tumor russófobo ucraniano, circunstância que está a deixar os dirigentes ocidentais e a propaganda social em estado de choque mas sem a decência de assumirem as responsabilidades que têm na situação. Durante oito anos, sem dar mostras de quaisquer escrúpulos, os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia apoiaram o regime ucraniano sustentado por esquadrões da morte nazis saudosos de Hitler e aproveitaram essa cobertura para tentar criar uma imensa base militar que, uma vez incorporada na NATO, estrangularia militarmente a Rússia.

A intervenção desencadeada por Moscovo contra as estruturas militares e repressivas do regime ucraniano, tendo em vista igualmente criar condições que interrompam o massacre contínuo das discriminadas populações de origem russa, pretende liquidar essa estratégia atlantista. Principalmente cortando pela raiz a manobra para a integração de Kiev na Aliança Atlântica e deixando também definido o padrão de comportamento do Kremlin caso a NATO insista na integração da Geórgia. Sem esquecer as recentíssimas advertências à Suécia e à Finlândia.

«Nestes dias, e apesar de ainda não se ter dissipado o nevoeiro de guerra, acabou a era da impunidade das acções imperiais e coloniais para implantação unilateral de um globalismo absolutista ao serviço de uma casta acoitada em nichos de riqueza criados à custa de toda a humanidade. Começou, provavelmente, a era do multilateralismo, aquela em que o domínio absoluto dos Estados Unidos, flanqueado pelos aliados, passa a ser verdadeiramente contestado»

A partir de agora o mundo nunca mais voltará a ser o que foi desde o início da década de noventa do século passado, quando os Estados Unidos assumiram isoladamente o comando planetário, sem poderem ser contestados, aproveitando a extinção da União Soviética. Nestes dias, e apesar de ainda não se ter dissipado o nevoeiro de guerra, acabou a era da impunidade das acções imperiais e coloniais para implantação unilateral de um globalismo absolutista ao serviço de uma casta acoitada em nichos de riqueza criados à custa de toda a humanidade.

Começou, provavelmente, a era do multilateralismo, aquela em que o domínio absoluto dos Estados Unidos, flanqueado pelos aliados, passa a ser verdadeiramente contestado. A resposta militar russa à transformação da Ucrânia numa base militar da NATO quebra pela primeira vez o cerco e o ciclo de intimidação e contenção montado pela aliança contra um inimigo fabricado artificialmente e do qual necessita para sobreviver. O maior exército do mundo já não tem o poder absoluto, confirmando-se assim, na actual crise e com maior significado, o que já sucedera no Iraque, no Afeganistão e, de certa forma, na Síria.

Interpretada conjuntamente com o recente tratado estratégico assinado ao mais alto nível pela China e a Rússia, a acção russa na Ucrânia, não mais contestável do que muitas outras desenvolvidas pelos membros da NATO, é uma machadada na ordem mundial unipolar, que os Estados Unidos e seus súbditos pretendiam inquestionável.

Agora já não é. A Rússia deixou uma mensagem muito séria de que possui capacidade de resposta às ameaças contra as suas intenções de contribuir para uma nova ordem internacional na qual não mandem os mesmos de sempre à luz de uma espécie de direito divino de usucapião. As oligarquias russas estão a mostrar às oligarquias ocidentais que o caminho para o globalismo de índole tendencialmente autoritária não está livre de sérios escolhos.

«Nada disto tem a ver com democracia, direitos humanos, o bem-estar das pessoas, o respeito pelo ambiente e o aproveitamento dos recursos naturais com fins que beneficiem a humanidade. O que está em causa são interesses, negócios, acesso aos bens que a Terra nos oferece, uma luta entre oligarquias e plutocracias, umas mais bem disfarçadas que outras»

A mensagem e acções da China, país que tem mantido uma proverbial cautela sobre os acontecimentos na Ucrânia, também não deixam dúvidas de que o nascente multilateralismo veio para ficar.

Nada disto tem a ver com democracia, direitos humanos, o bem-estar das pessoas, o respeito pelo ambiente e o aproveitamento dos recursos naturais com fins que beneficiem a humanidade.

O que está em causa são interesses, negócios, acesso aos bens que a Terra nos oferece, uma luta entre oligarquias e plutocracias, umas mais bem disfarçadas que outras, pela influência sobre governos, instituições nacionais e internacionais, conglomerados económicos e financeiros. As pessoas são meros instrumentos neste tabuleiro. É a sociopatia à solta, animada pela anarquia neoliberal que é determinante mesmo onde não é seguida segundo as plenas convicções fundamentalistas e ortodoxas.

A intervenção russa na Ucrânia não respeita o direito internacional. O pobre direito internacional que há décadas sofre tratos de polé às mãos dos que querem impor, em alternativa, uma «ordem internacional baseada em regras»; normas estas a cumprir por todos mas estabelecidas totalitariamente por uma só nação, os Estados Unidos da América. Um direito internacional despudoradamente invocado, de maneira histérica e alienada, por aqueles para quem violá-lo é o pão de cada dia.

De facto, entra pelos terrenos da alienação o coro dos dirigentes ocidentais e dos meios de propaganda corporativos que asfixiam a opinião pública de quase todo o mundo impondo-lhe uma opinião única sobre a operação da Rússia na Ucrânia. Um país onde o regime de base nazi – coisa de que tantos «bem informados» se esquecem – se dedicava há oito anos a uma metódica limpeza étnica de vastas regiões do Leste do país, acicatado e auxiliado pela NATO, que o tinha verdadeiramente adoptado. Ao mesmo tempo que as autoridades de Kiev, comprometidas com os Acordos de Minsk de 2015, contendo neles a solução diplomática para os conflitos no país, protelavam a sua aplicação até que Moscovo perdeu a paciência e as ilusões de que alguma vez a parte ucraniana tencionasse cumpri-los.

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«Kiev fez tudo para sabotar os acordos de Minsk»

Numa reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU, o embaixador russo acusou as autoridades ucranianas de não terem respeitado os acordos que exigem o fim das hostilidades no Donbass.

Zona do Donbass bombardeada pelas forças ucranianas; de acordco com as milícias populares em Lugansk, os bombardeamentos prosseguem 
Créditos / @EHDonbass

No encontro realizado ontem à noite, o representante da Rússia junto das Nações Unidas, Vassily Nebenzia, afirmou que o seu país se mantém aberto a uma solução diplomática para resolver o conflito na região do Donbass, mas denunciando que a Ucrânia prossegue com a retórica militar e com o incumprimento dos acordos de Minsk.

«Kiev não só regressou muito rapidamente à retórica militar e continuou a bombardear os civis, como também fez todo o possível para destruir os acordos de Minsk, que pedem o fim das hostilidades na região do Donbass», disse, citado pela Prensa Latina.

Neste sentido, destacou a necessidade de defender as regiões separatistas do Sudeste da Ucrânia – as autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk – daquilo que qualificou como uma agressão da Ucrânia.

Nebenzia disse que o seu país não vai permitir um novo banho de sangue na região do Donbass, frisando que a questão que prevalece é «como evitar a guerra e obrigar a Ucrânia a parar os bombardeamentos e as provocações contra Donetsk e Lugansk».

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EUA mentem sobre a situação na Ucrânia, denuncia Rússia

O representante permanente da Rússia junto da ONU, Vassily Nebenzia, afirmou esta segunda-feira que os EUA tentam enganar a comunidade internacional sobre a verdadeira situação na Ucrânia.

Créditos / alarabiya.net

Numa reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas para analisar a situação na Ucrânia, o diplomata russo classificou como «ingerência inadmissível» nos assuntos internos do seu país a declaração da delegação norte-americana para justificar o encontro, uma vez que considera o destacamento de tropas russas em território russo como uma ameaça à paz internacional.

«Na verdade, sugerem que convoquemos uma reunião do Conselho de Segurança com base em especulações e acusações infundadas, que refutámos repetidamente», frisou, citado pela TASS.

Nebenzia referiu que o formato aberto da reunião, proposto pelos Estados Unidos, associado ao tema «extremamente provocador», fez do encontro «um exemplo clássico de diplomacia de megafone».

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Esses espiões que tratam da nossa informação

O tratamento do problema da Ucrânia é realmente um caso exemplar da maneira mistificadora, desinformativa, alienante e até atemorizadora como a comunicação social dominante se comporta.

CréditosLarry Downing / Reuters

A «Operação Mockingbird» foi uma linha de montagem da propaganda imperial montada pela Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana logo no início da guerra fria para interferir nos principais meios de comunicação social dos Estados Unidos, da Europa e através do mundo.

Os numerosos autores que investigaram o processo revelam que a CIA inscreveu centenas de jornalistas de numerosas nacionalidades nas suas folhas de pagamentos de modo a tornar dominantes as posições do regime norte-americano, se possível em todo o mundo.

O jornalista Carl Bernstein informou, na sequência de uma investigação realizada nos finais dos anos setenta do século passado, que a CIA pagava a mais de 400 jornalistas de 25 empresas jornalísticas proprietárias de publicações sonantes como a Newsweek, Time, Miami Herald, das televisões ABC e NBC e das principais agências de notícias mundiais: AP, UPI e Reuters. O jornal Washington Post, através dos seus proprietários e editores, era uma parte da operação.

«a CIA inscreveu centenas de jornalistas de numerosas nacionalidades nas suas folhas de pagamentos de modo a tornar dominantes as posições do regime norte-americano, se possível em todo o mundo»

William Scharp, advogado que foi uma figura de relevo no caso da morte de Martin Luther King, explicou que a CIA financiava milhares de jornalistas, além de ter as suas próprias organizações de media. Para a agência, revelou um antigo membro da rede de propaganda, «era mais barato pagar a um jornalista do que a uma prostituta». E Thomas Braden, chefe de divisão de um departamento governamental de Washington, testemunhou que «não havia limite de dinheiro para gastar, não havia limites para as actividades a realizar na guerra fria secreta». A «Operação Mockingbird» funcionava, segundo a mesma fonte, «como uma multinacional».

Um relatório de 1976 do Congresso dos Estados Unidos concluiu que centenas de indivíduos em todo o mundo tentam influenciar as opiniões através de propaganda dissimulada, graças ao acesso directo a jornais e outros periódicos, serviços de imprensa, agências de notícias, rádios, televisões, editoras e outros meios de comunicação estrangeiros.

Coisa do passado?

Terá sido a «Operação Mockingbird» uma coisa do passado?

A realidade diz-nos que não. E os factos comprováveis todos os dias, tanto nas causas como nos efeitos, explicam sem rodeios que o processo de imposição de uma opinião única, fazendo dos interesses do regime norte-americano os dominantes e legítimos em todo o mundo, tem vindo a consolidar-se de maneira asfixiante.

«factos comprováveis todos os dias, tanto nas causas como nos efeitos, explicam sem rodeios que o processo de imposição de uma opinião única, fazendo dos interesses do regime norte-americano os dominantes e legítimos em todo o mundo, tem vindo a consolidar-se de maneira asfixiante»

Dados que é possível obter através de pesquisas pouco mais do que sumárias revelam-nos que a «Operação Mockingbird» pode até ter perdido a designação com o passar das décadas, mas os seus objectivos estão mais vivos do que nunca e os métodos utilizados refinaram.

Nada indica que a CIA tenha deixado de pagar a jornalistas, mas a realidade actual ultrapassa em muito esse processo e adaptou-se à dinâmica vertiginosa da circulação das mensagens emitidas pelos media, proporcionada pelas novas tecnologias e a multiplicação de plataformas de emissão e partilha de conteúdos.

«dezenas de ex-operacionais das várias agências de espionagem internas e externas [...] transferiram-se e transferem-se para lugares de «analistas», «comentadores» e «especialistas» das grandes cadeias de televisão e dos principais jornais, onde funcionam como fontes inquestionáveis e acima de qualquer suspeita das quais bebem os principais órgãos de manipulação social em todo o mundo»

A agência central de espionagem dos Estados Unidos descobriu um novo ovo de Colombo, que lhe permite até poupar nas despesas: dezenas de ex-operacionais das várias agências de espionagem internas e externas, alguns que desempenharam até recentemente cargos de chefia máxima, transferiram-se e transferem-se para lugares de «analistas», «comentadores» e «especialistas» das grandes cadeias de televisão e dos principais jornais, onde funcionam como fontes inquestionáveis e acima de qualquer suspeita das quais bebem os principais órgãos de manipulação social em todo o mundo. As mensagens da CIA, a propaganda imperial, fluem assim directamente para milhares de milhões de pessoas que consomem unicamente os meios dominantes ditos de informação. Não é verosímil, de facto, que essa nova espécie de «analistas», «comentadores» e «especialistas» de âmbito globalista abdiquem da sua experiência de espiões acumulada durante décadas para se tornarem «independentes» ao sentar-se nos grandes estúdios que propagam veneno embrulhado em verdade, liberdade e rigor de informação.

Um dos casos mais relevantes dos últimos anos é a transformação do director da CIA entre 2013 e 2017, John Brennan, em analista sénior de segurança e inteligência nas televisões NBC News e MSNBC, cargo para o qual transitou mal deixou Langley. Na sua nova posição foi reencontrar Juan Zarate, que foi conselheiro de segurança nacional da Administração Bush. Um serviu Obama, outro o seu antecessor, e assim se verifica não haver querelas partidárias nestas matérias onde o partido é único, tal como a informação dominante e a opinião que induz.

Escritórios da CNN em Washington DC, EUA CréditosJohn Nacion / STAR MAX/IPx

A CNN monopoliza

Não há, porém, como a CNN para integrar espiões, super polícias, operacionais do contra-terrorismo e generais do Pentágono, de preferência com ligações à indústria da morte, nas suas equipas informativas.

É uma realidade que faz todo o sentido. A CNN é o veículo internacional por excelência das mensagens do regime norte-americano, o que acontece desde a sua fundação, e a criação do mito da «informação em directo» servida logo na primeira guerra contra o Iraque – abafando todo e qualquer contraditório. De tal maneira que os jornalistas empenhados em trabalhar «à antiga», isto é, dando a conhecer outros lados da situação foram rapidamente olhados como «cúmplices» de Saddam Hussein. Tal como acontece actualmente aos meios de comunicação verdadeiramente independentes, imediatamente acusados de estarem «ao serviço da Rússia» quando abordam outras realidades que não coincidam com as versões oficiais de Washington, da NATO, da União Europeia e da engrenagem de manipulação social.

«Tendo em consideração o número de CNN’s franchisadas que se multiplicam através do planeta – operação à qual Portugal não escapou – entende-se como este processo associa as agências do poder imperial à construção de uma opinião única formatada segundo os interesses do complexo militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos, além da NATO e da União Europeia como seus ramos militar e político»

Ao serviço da CNN, como «comentadores independentes», estão, por exemplo, James Clapper e Michael Hayden, ex-directores de inteligência nacional norte-americana; Chuck Rosenberg, ex-director da DEA, agência dita antidroga mas com a reputação manchada por vínculos pouco claros com meios do narcotráfico, tal como acontece com a CIA em relação ao ópio/heroína do Afeganistão; James B. Conney, ex-conselheiro do director do FBI; Frank Figliuzzi, ex-chefe de contra-espionagem no FBI; Asha Rangcapo e James Galiano, ex-destacados agentes do FBI; Mike Rogers, ex-presidente da Comissão de Inteligência da Câmara dos Representantes; Steven L. Hall, antigo oficial de operações da CIA com mais de 30 anos de experiência em postos de comando na Eurásia e América Latina; Philip Mudd, ex-operacional da CIA; Andrey McCabe, ex-director adjunto do FBI; John Campbell, ex-supervisor especial do FBI.

Neste mundo selecto existem, com regularidade, algumas mudanças – também elas muito significativas. Por exemplo, Anthony Blinken, ex-conselheiro de segurança de Obama, trocou recentemente o lugar de «comentador independente» da CNN pelo de secretário de Estado, isto é, a segunda figura da administração Biden; e Samantha Vinograd, também membro do Conselho de Segurança de Obama, deixou agora o cargo de «comentadora de política externa» da CNN transitando para o Departamento de Segurança Interna de Biden; Fran Townsend, ex-conselheiro de Segurança Nacional, trocou há pouco a CNN pela CBS News.

A CNN tem, portanto, a parte de leão no recrutamento de membros do aparelho de espionagem, militar e governamental dos Estados Unidos.

«[No Reino Unido] o público é bombardeado com opiniões e informações seleccionadas apoiando as prioridades dos fazedores de política; Os media fornecem de forma rotineira informação deturpada e estão longe de actuar com independência»

Declassified UK

Tendo em consideração o número de CNN’s franchisadas que se multiplicam através do planeta – operação à qual Portugal não escapou – entende-se como este processo associa as agências do poder imperial à construção de uma opinião única formatada segundo os interesses do complexo militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos, além da NATO e da União Europeia como seus ramos militar e político.

O recrutamento de personalidades como as constantes da lista não exaustiva aqui publicada é comum a todas as grandes cadeias norte-americanas de televisão, da Fox à MSNBC. E também a jornais olhados como «bíblias» da independência – New York Times, Washington Post e Wall Street Journal, por exemplo. Susan Hennessy trocou recentemente o lugar neste último jornal por um cargo na Divisão de Segurança Nacional da Administração Biden.

E em alguns casos não existe exclusividade. Michael Hayden é uma espécie de deus do comentário. Além da CNN, pode dizer-se que está em todo o lado: MSNBC, Fox News, programa The Late Show, New York Times, Washington Post e Wall Street Journal. Uma rendição absoluta do aparelho informativo à sua experiência de director da espionagem nacional dos Estados Unidos.

Fora dos Estados Unidos, a desclassificação, no ano passado, de alguns documentos governamentais no Reino Unido veio provar que a imprensa do país, «do Times ao Guardian, ajuda rotineiramente a diabolizar Estados identificados pelo governo como inimigos enquanto tenta branquear os que são aliados». A conclusão é da publicação Declassified UK.

De acordo com a mesma fonte, «o público é bombardeado com opiniões e informações seleccionadas apoiando as prioridades dos fazedores de política; Os media fornecem de forma rotineira informação deturpada e estão longe de actuar com independência».

Um casal escapa de uma casa em chamas após um bombardeamento da força aérea ucraniana em Luganskaya, Leste da Ucrânia, em 2 de Julho de 2014. Os bombardeamentos sistemáticos de alvos civis pelas forças de Kiev contaram com o silêncio cúmplice do Ocidente. CréditosValery Melnikov / Rossia Segodnya

É o que temos

À luz destes factos indesmentíveis, e que desmontam a «verdade» cultivada pelo aparelho de comunicação funcionando à escala globalista, não temos de nos surpreender com o tom histérico da abordagem da actual situação na Ucrânia e a «iminência», que já se prolonga há alguns meses, de uma invasão russa.

«o cidadão que se considera informado ao frequentar a comunicação dominante desconhece, por exemplo, que o governo ucraniano é sustentado por grupos paramilitares nazis, os mesmos que integram as forças de repressão que fazem guerra às populações das regiões do Leste do país, onde grande parte dos habitantes são russófonos»

Aos consumidores dos órgãos de manipulação social basta saber que a Rússia quer ocupar a Ucrânia, não se sabendo bem porquê, talvez porque sim, é uma inerência própria dos «maus». E, para concretizar a invasão, 100 mil efectivos militares russos movimentam-se na fronteira com o território ucraniano. Então, desde âncoras de telejornais a «especialistas» e «analistas», passando por peças montadas supostamente informativas, todos tratam o tema sob este único ângulo, máquinas repetidoras das opiniões de espiões reciclados em «comentadores» actuando nas imperiais cadeias de televisão e outros meios.

A razão assim gritada não tolera contraditório. E ai dos que tentam, baseados em factos comprovados, demonstrar que há muito mais para saber sobre o actual cenário ucraniano. Quem o fizer é «cúmplice» dos russos, quiçá um disseminador de «mensagens de ódio» prontas a cair na alçada censória das redes sociais.

Por este caminho, o cidadão que se considera informado ao frequentar a comunicação dominante desconhece, por exemplo, que o governo ucraniano é sustentado por grupos paramilitares nazis, os mesmos que integram as forças de repressão que fazem guerra às populações das regiões do Leste do país, onde grande parte dos habitantes são russófonos.

Não é por isso, porém, que existe o risco de uma intervenção russa: a situação tensa prolonga-se há sete anos, desde o golpe dito «democrático» dado em Kiev pelos Estados Unidos com o apoio da União Europeia.

«Nos termos do documento [Acordo de Minsk], o governo de Kiev e os representantes das populações de Donetsk e Lugansk comprometeram-se a encontrar uma solução para os seus diferendos que proporcione uma autonomia àquelas regiões dentro do que está previsto na lei ucraniana. A Rússia, ao contrário do que é comum ouvir-se e ler-se, não é parte activa: actua como um dos países mediadores, tal como a França e a Alemanha»

Outro dos comportamentos manipuladores assumidos pela comunicação dominante é a desinformação em torno do Acordo de Minsk sobre uma saída política para a situação ucraniana. Nos termos do documento, o governo de Kiev e os representantes das populações de Donetsk e Lugansk comprometeram-se a encontrar uma solução para os seus diferendos que proporcione uma autonomia àquelas regiões dentro do que está previsto na lei ucraniana. A Rússia, ao contrário do que é comum ouvir-se e ler-se, não é parte activa: actua como um dos países mediadores, tal como a França e a Alemanha.

Ao abordar a situação existente na região os meios de comunicação evitam tratar e comentar a ideia de que as tropas russas na fronteira com a Ucrânia se movimentam com pleno direito, porque estão no interior do seu país. Já o mesmo não pode dizer-se das tropas da NATO, que estão fora dos territórios das suas nações, colocadas ameaçadoramente nas imediações das fronteiras com a Rússia. Explica a comunicação que temos, fazendo eco de generais, espiões e políticos sem coluna vertebral, que esse gigantesco aparelho militar é para nos «defender», tal como foi invocado para as agressões ao Afeganistão, Iraque e Líbia. E o cidadão comum, contaminado e intoxicado, acredita.

Também não é explicado aos envenenados leitores e telespectadores que os Estados Unidos e o seu braço armado da NATO estão ansiosos que a Rússia proceda à sempre «iminente» invasão. Estão mesmo dispostos a provocá-la e, para isso, há indícios de infiltrações de agentes especiais de países da NATO no Leste da Ucrânia para cometerem um atentado, admitindo-se que com armas químicas, De acordo com a eventual estratégia atlantista, a acção criminosa seria atribuída por Moscovo ao regime de Kiev, seguindo-se a intervenção militar para proteger as populações do Donbass.

Sejamos lúcidos, ao contrário do que pretende a manipulação social: que interesse tem a Rússia numa guerra quando se encontra em fase de desenvolvimento económico e de afirmação como grande potência do multilateralismo, a par da China? Uma Rússia empenhada em processos de integração multifacetada para Oriente carece de estabilidade, não do envolvimento numa aventura militar.

Aliás, a recente tentativa de «revolução colorida» no Casaquistão, através de um golpe à maneira da Praça Maidan em Kiev, teve a ver com o objectivo de multiplicar os acontecimentos que obriguem Moscovo a desperdiçar meios e energias necessários para desenvolver a estratégia traçada. Porém, desta feita Estados Unidos e aliados saíram-se mal: a lição da Ucrânia foi aprendida pelo regime russo – a resposta estava preparada e funcionou.

Os Estados Unidos e a NATO têm efectivamente todo o interesse em desviar Moscovo dos seus principais objectivos, comprometendo-os num conflito desestabilizador e contraproducente no plano internacional que, ao mesmo tempo, travaria a fase de consolidação e afirmação do país. Quando Putin garante que não pretende intervir na Ucrânia não é para ser «bonzinho» ou especialmente cordato; na verdade, tem todas as razões objectivas para o dizer. E também não o vemos a mexer um dedo que seja para erradicar o poder fascista em Kiev. Só um agravamento provocatório da violência do regime ucraniano sobre as populações do Leste seria susceptível de obrigar Moscovo a fazer o que realmente não quer.

E não o deseja porque, nessas circunstâncias, a Rússia seria também obrigada a rever a sua presença militar na Síria para ajudar o governo legítimo a combater o terrorismo objectivamente ao serviço dos Estados Unidos e da NATO, que têm assim mais uma razão para empurrarem Moscovo em direcção à Ucrânia.

A resposta à hipotética acção russa no território ucraniano, tudo o indica, não seria dada pela colocação de tropas norte-americanas no terreno – coisa que até os desinformados consumidores da informação asfixiante já sabem. O que desconhecem é a previsível intenção da NATO de promover e treinar uma miríade de estruturas armadas de «resistência ucraniana», a partir dos grupos paramilitares nazis, para criar, segundo militares norte-americanos, um «pântano» onde se enterrem as tropas russas invasoras. Isto é, um «novo Afeganistão» agora desenvolvido pelo apoio ocidental a «combatentes da liberdade» oriundos dos sectores saudosistas de Hitler no lugar dos terroristas islâmicos que deram origem à al-Qaeda.

«É evidente que os múltiplos ângulos sob os quais os acontecimentos podem ser vistos obrigariam os consumidores de informação a pensar. E pensar é tudo quanto os poderes dominantes pretendem evitar – como também se percebe na actual campanha eleitoral portuguesa – porque assim não conseguiriam cultivar a robotizada opinião única»

A comunicação social também tem silenciado, certamente seguindo o comportamento dos espiões transformados em «comentadores», a proposta apresentada pela Rússia aos Estados Unidos de um tratado escrito capaz de garantir a paz e a segurança entre os dois países desde que a Ucrânia não seja admitida na NATO e esta aliança não instale mísseis nas fronteiras com o território russo. Proposta razoável sabendo-se que a seguir ao desmembramento da União Soviética a administração do presidente William Clinton se comprometeu com Moscovo a manter o status quo da NATO, significando isso que a Aliança Atlântica não se deslocaria para Leste na sequência da derrocada do muro de Berlim. Do compromisso de Washington, pela voz de Clinton, resta aquilo que sempre foi: uma deslavada mentira.

Os Estados Unidos evitam dar qualquer resposta à nova proposta de Moscovo. Isso diz muito sobre os reais interesses de Washington servidos pela crise actual – que é artificial e cultivada de Ocidente para Oriente. O que ajuda a explicar a movimentação das tropas russas no interior das suas fronteiras, de facto para as defender.

O tratamento do problema da Ucrânia é realmente um caso exemplar da maneira mistificadora, desinformativa, alienante e até atemorizadora como a comunicação social dominante se comporta.

É evidente que os múltiplos ângulos sob os quais os acontecimentos podem ser vistos obrigariam os consumidores de informação a pensar. E pensar é tudo quanto os poderes dominantes pretendem evitar – como também se percebe na actual campanha eleitoral portuguesa – porque assim não conseguiriam cultivar a robotizada opinião única.

Para isso é essencial a informação do tipo fast food, cozinhada com sound bites, frases feitas, mentiras repetidas e métodos próprios do marketing publicitário. Uma lavagem cerebral, em suma.

Uma tarefa onde pontificam brigadas de espiões reciclados em «analistas» fazedores de opinião e os respectivos batalhões de máquinas repetidoras que envenenam o mundo. Um sistema que faz parecer os primeiros tempos da «Operação Mockingbird» uma brincadeira de crianças.

José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

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O representante russo disse «entender perfeitamente o zelo» dos seus colegas norte-americanos «em espalhar a histeria em torno das suas próprias alegações sobre os preparativos de uma agressão russa», sublinhando que a utilização das tribunas do Conselho de Segurança coloca os países-membros «numa posição bastante incómoda».

Neste contexto, o diplomata russo destacou que as acções de Washington «não são menos prejudiciais» para a Ucrânia, cujo presidente, Vladimir Zelensky, pediu nos últimos dias aos países ocidentais que não exacerbem «a histeria sem fundamento sobre a presença de tropas russas perto da fronteira, já que todo esse exagero prejudica a economia ucraniana».

«"Não precisamos deste pânico", disse o Sr. Zelensky. Mas parece que isso é do interesse de quem promove o tema da mítica ameaça russa», afirmou Nebenzia.

Acrescentou que altos responsáveis em Kiev afirmaram publicamente nas últimas semanas que não existe uma ameaça à Ucrânia por parte da Rússia, ao contrário do que afirma Washington, que, denunciou Nebenzia, está a tentar enganar a comunidade internacional sobre a situação real na região.

«Não apresentam provas»

De acordo com o comunicado publicado pela embaixadora norte-americana junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield, a reunião visava debater «um assunto de importância crucial para a paz e a segurança internacional», face ao alegado «comportamento ameaçador» da Rússia contra a Ucrânia.

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Rússia: «Se houver intimidação, haverá contra-intimidação»

Alexander Grushko, diplomata russo, considerou a reunião com a NATO «franca, directa e intensa», mas destacou as divergências existentes e a necessidade de «alterar o perigoso curso dos acontecimentos».

Alexander Grushko, ao centro, em Bruxelas, esta quarta-feira, com o vice-ministro russo da Defesa, Alexander Fomin, e com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg 
Créditos / bakersfield.com

Ao comentar a reunião desta quarta-feira, em Bruxelas, entre a Federação Russa e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros apontou a «viragem» da aliança atlântica para «esquemas de segurança da Guerra Fria», dando prioridade ao objectivo da dissuasão da Rússia.

Uma política desse género terá uma resposta semelhante da parte de Moscovo: «Se a NATO passa à política de dissuasão, da nossa parte haverá uma política de contra-dissuasão. Se houver intimidação, haverá contra-intimidação. […] Não é a nossa opção, mas não haverá outro caminho se não conseguirmos […] mudar hoje o perigoso curso dos acontecimentos», disse o diplomata, citado pela RT.

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Rússia insta países ocidentais a travar avanço para leste

Com vista a garantir a segurança da Europa e impedir o avanço da NATO para leste, a diplomacia russa defende negociações imediatas e a celebração de acordos juridicamente vinculativos.

Um tanque norueguês participa em exercícios militares na Polónia (imagem de arquivo)  
CréditosSean Gallup / RT

Na sequência do encontro recentemente mantido entre os presidentes russo, Vladimir Putin, e norte-americano, Joseph Biden, o Ministério russo dos Negócios Estrangeiros afirma que «o diálogo é urgentemente necessário», tendo em conta a «linha crítica» para que caminham as relações entre a Federação Russa e o Ocidente.

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Ucrânia oferece o seu território para instalar sistema de defesa aéreo dos EUA

O apelo da Ucrânia aos EUA para que enviem tropas e sistemas anti-mísseis para o país foi classificado pela Rússia como uma «provocação grosseira», que não ficará «sem retaliação».

Créditos / PressTV

Numa reunião em Washington com o presidente da Jamestown Foundation, Glen Howard, o vice-ministro ucraniano para a Reintegração dos Territórios Não Controlados, Alexei Reznikov, abordou aquilo a que chamou a necessidade de expandir o pacote de segurança para a Ucrânia.

Para esse efeito, sugeriu a instalação de meios de defesa anti-aérea dos Estados Unidos e mesmo o destacamento de unidades de tropas norte-americanas, refere a agência TASS.

Reznikov defendeu que a legislação ucraniana permite o destacamento de tropas estrangeiras no país e disse estar preocupado com a alegada intenção da Rússia de colocar armas nucleares na Crimeia.

Reagindo a estas «especulações» do lado ucraniano, o presidente da Comissão para os Assuntos Externos da Duma Estatal, Leonid Slutsky, recorreu à rede social Telegram para afirmar que o destacamento de sistemas norte-americanos de defesa anti-mísseis na Ucrânia poderia alterar o equilíbrio de forças na região e fora dela, informa a agência russa.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP
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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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O responsável russo classificou o pedido de Reznikov como «uma provocação grosseira» e sublinhou que a presença dos sistemas de defesa aérea dos EUA «perto das fronteiras com a Rússia irá sem dúvida merecer uma resposta da parte de Moscovo». «As tensões vão simplesmente aumentar», alertou Slutsky.

«É lamentável que as leis da Ucrânia permitam privá-la do que ainda resta da sua soberania e aos seus cidadãos de uma oportunidade para viver em segurança. Os políticos ucranianos estão dispostos a sacrificar tudo isto para prolongar a sua participação no projecto anti-Rússia», afirmou o funcionário russo.

As relações entre Kiev e Moscovo deterioraram-se bastante na sequência do golpe fascista de Maidan, em Fevereiro de 2014, com a Ucrânia a assumir um posicionamento consistente pró-NATO, UE e EUA e anti-russo, a acusar a Rússia de envolvimento na guerra antifascista na região do Donbass e a reclamar a recuperação da Crimeia, depois de os habitantes do território terem votado num referendo esmagadoramente a favor da reintegração na Rússia, em Março de 2014.

A Ucrânia tem acolhido no seu território, de forma recorrente, manobras militares organizadas pelos países da NATO, tanto em terra como no Mar Negro.

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«Aumentar o confronto com o nosso país é absolutamente inaceitável», afirma o governo russo num comunicado emitido dia 10, onde defende a adopção de um acordo juridicamente vinculativo que garanta que a Organização do Tratado do Atlântico Norte não avança mais para leste ou instala armamento de ataque nos países que fazem fronteira com a Rússia.

Também insiste em receber uma resposta da NATO a propostas previamente formuladas com vista à diminuição das tensões na Europa, nomeadamente sobre a realização de exercícios operacionais a uma distância acordada da linha de contacto Rússia-NATO; a coordenação da aproximação de navios e aviões de combate, para prevenir actividades militares perigosas, sobretudo nas regiões do Báltico e do Mar Negro; a renovação do diálogo regular entre os ministérios da Defesa nos formatos Rússia-EUA e Rússia-NATO.

Negociações devem começar «imediatamente»

Sobre a conversa telefónica mantida esta segunda-feira entre Vladimir Putin e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o gabinete de imprensa do Kremlin refere que a Rússia expôs a necessidade urgente de negociações, que devem ter início «imediato», para estabelecer acordos internacionais que impeçam qualquer expansão adicional do bloco militar.

No decorrer da conversa, Johnson manifestou preocupação com um «alegado movimento de tropas russas em larga escala junto à fronteira com a Ucrânia», a que o chefe de Estado russo respondeu com a sua visão da situação actual no país vizinho, de acordo com a nota do Kremlin, a que a RT faz referência.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

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Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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Putin deu exemplos concretos de decisões tomadas por Kiev com o objectivo de desmantelar os acordos de Minsk, com vista a encontrar uma solução para o conflito no Leste da Ucrânia, e acusou as autoridades de Kiev de estarem a agravar a situação no Donbass, recorrendo a armamento pesado e drones de ataque, e de discriminarem a população russo-falante no país.

O Kremlin acusa também o Ocidente de estar a utilizar como pretexto a situação na Ucrânia, um país onde «se empenhou no incentivo à russofobia e em justificar as acções do regime de Kiev para minar os acordos de Minsk [de 2015] e se preparar para um cenário militar no Donbass».

«Os países da NATO estão a empurrar Kiev para medidas agressivas. A militarização do território da Ucrânia e o fornecimento de armas estão em curso», lê-se na nota emitida dia 10, na qual a Rússia advoga que a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) não deve estar à margem das discussões que dizem respeito à segurança no continente.

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A parte russa, referiu Grushko, indicou que uma maior deterioração da situação conduziria a «consequências mais imprevisíveis e nefastas para a segurança europeia», e propôs medidas que «permitem voltar a construir uma segurança europeia baseada em princípios comuns, no interesse de todos», que irá «melhorar não apenas a segurança militar da Federação Russa, mas também a dos países-membros da NATO».

Alexander Grushko qualificou a conversa com os representantes da Aliança Atlântica como «bastante franca, directa, profunda, intensa», mas revelando, ao mesmo tempo, «muitas divergências sobre questões fundamentais».

Neste sentido, acrescentou que Moscovo não pode aceitar a abordagem da NATO ao princípio da segurança indivisível, uma vez que é «selectiva»: «aos olhos da NATO só existe para os membros da aliança», ignorando os interesses de outros países.

Fim da expansão para Leste e «desescalada» na Ucrânia

Em declarações à imprensa, Grushko afirmou que uma das principais exigências da Rússia à NATO é a do fim da expansão para Leste, nomeadamente para países que integravam a União Soviética, e sublinhou os riscos associados a «uma nova expansão».

Numa reunião que durou quatro horas, o tema da Ucrânia ocupou uma hora e meia, disse o diplomata, para dar uma ideia da importância da questão.

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Pela defesa da paz, é «urgente» acabar com o cerco da NATO à Rússia

Acompanhando com preocupação a escalada de tensão da NATO face à Rússia, o CPPC defende que o Governo português não deve alinhar nesta escalada, respeitando os princípios da Constituição da República.

Comboio militar da NATO circulando em estradas polacas.
CréditosFonte: US Naval Institut

«Perante a gravidade da situação», o Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC) advoga a urgente adopção de medidas que reduzam, no imediato, a escalada militar e o perigo de confrontação, bem como a promoção do «estabelecimento de medidas de confiança mútua que, a prazo, possibilitem o desanuviamento e a salvaguarda da paz».

Numa nota agora publicada, a organização de defesa da paz urge ao fim da ameaça de escalada de agressão das forças militares ucranianas no Donbass e apela ao diálogo «com vista à resolução pacífica do conflito, no respeito dos acordos e compromissos anteriormente assumidos».

Também considera fundamental deter a escalada de confrontação, a campanha belicista e as contínuas ameaças por parte da NATO face à Rússia, incluindo «provocações e manobras» junto às fronteiras da Rússia, e os planos de instalação de sistemas de misseis e de outros armamentos de carácter ofensivo dos EUA na Europa.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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É igualmente proposto o fim do alargamento da NATO, assim como colocar no horizonte a dissolução deste bloco político-militar «agressivo e principal responsável pela corrida aos armamentos e militarização que hoje varre o mundo».

Só tomando medidas desta dimensão, para acabar com «a política de confrontação e cerco à Rússia», se poderá «salvaguardar a paz e a segurança na Europa e no mundo», defende o CPPC, que reafirma o direito dos povos à paz e à soberania.

No que respeita à actuação do Governo português, o organismo de defesa da paz considera que não deve ser pautada pelo «alinhamento com a escalada belicista e de ameaça da NATO e da UE [União Europeia]», e que a intervenção no plano internacional deve ser feita no respeito dos princípios da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente pela «solução pacífica dos conflitos internacionais».

Não se trata de um mero «diferendo entre a Ucrânia e a Rússia»

Sobre as razões na origem do agravamento da situação, o CPPC alerta que não devem ser reduzidas a um diferendo entre a Ucrânia e a Rússia. «Na verdade, elas radicam em décadas de alargamento da NATO ao Leste da Europa – de cuja estratégia a Ucrânia é actualmente mais um peão –, visando o cerco, a pressão, a chantagem, a confrontação com a Rússia», lê-se no texto.

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Rússia insta países ocidentais a travar avanço para leste

Com vista a garantir a segurança da Europa e impedir o avanço da NATO para leste, a diplomacia russa defende negociações imediatas e a celebração de acordos juridicamente vinculativos.

Um tanque norueguês participa em exercícios militares na Polónia (imagem de arquivo)  
CréditosSean Gallup / RT

Na sequência do encontro recentemente mantido entre os presidentes russo, Vladimir Putin, e norte-americano, Joseph Biden, o Ministério russo dos Negócios Estrangeiros afirma que «o diálogo é urgentemente necessário», tendo em conta a «linha crítica» para que caminham as relações entre a Federação Russa e o Ocidente.

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Ucrânia oferece o seu território para instalar sistema de defesa aéreo dos EUA

O apelo da Ucrânia aos EUA para que enviem tropas e sistemas anti-mísseis para o país foi classificado pela Rússia como uma «provocação grosseira», que não ficará «sem retaliação».

Créditos / PressTV

Numa reunião em Washington com o presidente da Jamestown Foundation, Glen Howard, o vice-ministro ucraniano para a Reintegração dos Territórios Não Controlados, Alexei Reznikov, abordou aquilo a que chamou a necessidade de expandir o pacote de segurança para a Ucrânia.

Para esse efeito, sugeriu a instalação de meios de defesa anti-aérea dos Estados Unidos e mesmo o destacamento de unidades de tropas norte-americanas, refere a agência TASS.

Reznikov defendeu que a legislação ucraniana permite o destacamento de tropas estrangeiras no país e disse estar preocupado com a alegada intenção da Rússia de colocar armas nucleares na Crimeia.

Reagindo a estas «especulações» do lado ucraniano, o presidente da Comissão para os Assuntos Externos da Duma Estatal, Leonid Slutsky, recorreu à rede social Telegram para afirmar que o destacamento de sistemas norte-americanos de defesa anti-mísseis na Ucrânia poderia alterar o equilíbrio de forças na região e fora dela, informa a agência russa.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
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Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

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Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

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Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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O responsável russo classificou o pedido de Reznikov como «uma provocação grosseira» e sublinhou que a presença dos sistemas de defesa aérea dos EUA «perto das fronteiras com a Rússia irá sem dúvida merecer uma resposta da parte de Moscovo». «As tensões vão simplesmente aumentar», alertou Slutsky.

«É lamentável que as leis da Ucrânia permitam privá-la do que ainda resta da sua soberania e aos seus cidadãos de uma oportunidade para viver em segurança. Os políticos ucranianos estão dispostos a sacrificar tudo isto para prolongar a sua participação no projecto anti-Rússia», afirmou o funcionário russo.

As relações entre Kiev e Moscovo deterioraram-se bastante na sequência do golpe fascista de Maidan, em Fevereiro de 2014, com a Ucrânia a assumir um posicionamento consistente pró-NATO, UE e EUA e anti-russo, a acusar a Rússia de envolvimento na guerra antifascista na região do Donbass e a reclamar a recuperação da Crimeia, depois de os habitantes do território terem votado num referendo esmagadoramente a favor da reintegração na Rússia, em Março de 2014.

A Ucrânia tem acolhido no seu território, de forma recorrente, manobras militares organizadas pelos países da NATO, tanto em terra como no Mar Negro.

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«Aumentar o confronto com o nosso país é absolutamente inaceitável», afirma o governo russo num comunicado emitido dia 10, onde defende a adopção de um acordo juridicamente vinculativo que garanta que a Organização do Tratado do Atlântico Norte não avança mais para leste ou instala armamento de ataque nos países que fazem fronteira com a Rússia.

Também insiste em receber uma resposta da NATO a propostas previamente formuladas com vista à diminuição das tensões na Europa, nomeadamente sobre a realização de exercícios operacionais a uma distância acordada da linha de contacto Rússia-NATO; a coordenação da aproximação de navios e aviões de combate, para prevenir actividades militares perigosas, sobretudo nas regiões do Báltico e do Mar Negro; a renovação do diálogo regular entre os ministérios da Defesa nos formatos Rússia-EUA e Rússia-NATO.

Negociações devem começar «imediatamente»

Sobre a conversa telefónica mantida esta segunda-feira entre Vladimir Putin e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, o gabinete de imprensa do Kremlin refere que a Rússia expôs a necessidade urgente de negociações, que devem ter início «imediato», para estabelecer acordos internacionais que impeçam qualquer expansão adicional do bloco militar.

No decorrer da conversa, Johnson manifestou preocupação com um «alegado movimento de tropas russas em larga escala junto à fronteira com a Ucrânia», a que o chefe de Estado russo respondeu com a sua visão da situação actual no país vizinho, de acordo com a nota do Kremlin, a que a RT faz referência.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

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Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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Putin deu exemplos concretos de decisões tomadas por Kiev com o objectivo de desmantelar os acordos de Minsk, com vista a encontrar uma solução para o conflito no Leste da Ucrânia, e acusou as autoridades de Kiev de estarem a agravar a situação no Donbass, recorrendo a armamento pesado e drones de ataque, e de discriminarem a população russo-falante no país.

O Kremlin acusa também o Ocidente de estar a utilizar como pretexto a situação na Ucrânia, um país onde «se empenhou no incentivo à russofobia e em justificar as acções do regime de Kiev para minar os acordos de Minsk [de 2015] e se preparar para um cenário militar no Donbass».

«Os países da NATO estão a empurrar Kiev para medidas agressivas. A militarização do território da Ucrânia e o fornecimento de armas estão em curso», lê-se na nota emitida dia 10, na qual a Rússia advoga que a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) não deve estar à margem das discussões que dizem respeito à segurança no continente.

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«Faltando a compromissos de boa vizinhança assumidos na década de oitenta do século passado, sucessivos alargamentos da NATO nos últimos 30 anos colocaram este bloco político-militar agressivo às portas da Rússia», afirma o CPPC, que situa igualmente entre os motivos para o agravamento da situação questões como: o aumento do número de exercícios militares junto às fronteiras russas; o abandono, pelos EUA, de vários tratados internacionais de controlo de armamento; a imposição de sanções económicas à Rússia, por parte de EUA e UE; uma campanha anti-russa «cada vez mais agressiva» e «mobilizando vastos recursos mediáticos».

Neste sentido, torna-se «extremamente perigosa a instrumentalização da Ucrânia na estratégia belicista da NATO», alerta o texto, sublinhando que, «desde o golpe de Estado de 2014 – orquestrado e apoiado por EUA, NATO e UE –, é dirigida por forças assumidamente xenófobas e anti-russas, em que se integram sectores fascistas, que levaram a profundas divisões e à guerra» no país.

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Moscovo defende que a «desescalada no país vizinho é possível» e que, para alcançar esse objectivo, é necessário que Kiev implemente de forma incondicional os acordos de Minsk, no âmbito da resolução 2052 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Sendo aplicados os acordos de Minsk, «não haverá ameaças à segurança e à integridade territorial da Ucrânia», frisou Grushko, acrescentando que, se a NATO estiver interessada na «desescalada», deve cessar «toda a ajuda militar à Ucrânia», incluindo fornecimento de armas, bem como retirar do país inspectores, instrutores, oficiais e soldados.

Sobre a reunião entre o Conselho da NATO e a Rússia, o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, também se pronunciou em Bruxelas, valorizando-a como positiva, e referindo-se à importância de retomar o diálogo com Moscovo, mas destacando as divergências entre as partes.

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Por seu lado, o representante russo instou a parte norte-americana a aproveitar a reunião para apresentar alguma prova das suas acusações, frisando que «os responsáveis russos não fizeram uma única ameaça de invasão à Ucrânia».

Nebenzia pediu ainda aos seus colegas que deixem de utilizar o Conselho de Segurança como instrumento «para implementar os posicionamentos da propaganda do Ocidente».

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O diplomata disse ainda que, entre os países ocidentais, existe um «pânico sem fundamento» sobre uma alegada invasão da Ucrânia.

A reunião de emergência do Conselho de Segurança foi convocada por iniciativa da Ucrânia, depois de, ontem, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ter decidido «reconhecer de imediato a independência e a soberania» de Donetsk e Lugansk, e ter anunciado o envio de forças para os territórios separatistas para garantir a paz.

Alerta para consequências «regionais e globais»

A secretária-geral adjunta da ONU, Rosemary DiCarlo, sublinhou que as próximas horas e dias serão «críticos» e destacou que a decisão da Rússia de reconhecer a independência de ambas as repúblicas populares poderá ter «implicações regionais e globais».

DiCarlo, que também se mostrou preocupada com o destacamento de tropas russas para o Leste da Ucrânia numa «missão de manutenção de paz», alertou para as tensões na região e para 3331 violações do cessar-fogo registadas nos últimos dias no Donbass.

Já a China fez um apelo à «moderação» de todas as partes envolvidas, no sentido de não tomarem medidas que conduzam à tensão, bem como a procurar resolver o conflito pela via diplomática.

Países ocidentais falam de «violação do direito internacional» 

No Conselho de Segurança, a representante norte-americana junto da ONU, Linda Thomas-Greenfield, afirmou que o reconhecimento, por Vladimir Putin, das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk «como estados independentes» constitui «uma violação não provocada da soberania e integridade territorial da Ucrânia», refere a RT.

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Proposta iniciativa na Sérvia para recordar agressão da NATO

A Rede de Intelectuais, Artistas e Movimentos Sociais em Defesa da Humanidade – Capítulo Sérvia lançou uma iniciativa para perpetuar entre os cidadãos a memória da agressão da NATO, iniciada há 22 anos.

A agressão da NATO à Jugoslávia começou a 24 de Março de 1999
Créditos / serbianmonitor.com

Um documento a que a agência Prensa Latina teve acesso destaca que a lembrança deste dia relaciona toda a gente com o massacre dos cidadãos da então República Federal da Jugoslávia, perpetrado por 19 países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte entre 24 de Março e 10 de Junho de 1999.

Pela primeira vez na história das Nações Unidas, sublinha a Rede, tomou-se a decisão de atacar um país soberano, membro e fundador desta organização internacional, sem a aprovação do Conselho de Segurança, um precedente criado como expressão da arbitrariedade política dos líderes dos Estados Unidos e da NATO.

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Bombas sobre Belgrado

Há vinte anos a NATO iniciou o bombardeamento da Jugoslávia. Começava a primeira agressão militar a um país soberano no continente europeu, após a Segunda Guerra Mundial. Os sérvios não esquecem.

Manifestação anti-NATO em Belgrado. Foto de arquivo.
CréditosAlexa Stancovic / AFP/RT

«A Sérvia jamais entrará para a NATO, nem que seja o único país europeu» a rejeitar aquela aliança militar, afirmou o ministro da Defesa sérvio, Aleksandar Vulin, em evento recordando a passagem do 20.º aniversário do início da agressão à Jugoslávia, desencadeada pela NATO a 24 de Março de 1999. «Estamos prontos para perdoar, mas não para esquecer», afirmou o ministro sérvio.

«Fizemos esta escolha porque fomos bombardeados mas, acima de tudo, porque jamais faremos a outros aquilo que nos fizeram» – afirmou Vulin, confirmando que Belgrado escolheu ser militarmente neutral em qualquer situação.

«Não faremos parte da NATO», afirmou também o presidente sérvio Aleksandar Vucic, durante uma entrevista à televisão russa Canal 1, a 22 de Março. «Tornei-o claro a [Jens] Stoltenberg» (secretário-geral da NATO) afirmou o presidente sérvio, acrescentando que «a Sérvia, que foi o coração da antiga Jugoslávia, não é algo que se possa esmagar ou destruir».

«Não esperamos ser reembolsados pelas nossas perdas, nem podemos esperar a punição dos responsáveis por este crime horrendo», declarou Vucic, «mas o mais importante, agora, é [assegurar] que isto nunca mais nos volte a acontecer».

É a guerra

A 24 de Março de 1999 iniciaram-se os bombardeamentos, pela aviação da NATO, à Jugoslávia. Era o primeiro de 78 dias de pesadelo. Entre 24 de Março e 9 de Junho os aviões da NATO cumpriram 38 mil missões sobre a Jugoslávia, sendo quase 11 mil delas de bombardeamento, atingindo aquele estado balcânico com mais de 23 mil bombas e mísseis – muitos deles integrando o cancerígeno urânio empobrecido. Fontes próximas à coligação agressora estimam terem sido despejadas sobre a Jugoslávia mais de 6,3 mil toneladas de bombas, quase um terço daquelas que, nos ataques de Dezembro de 1972, foram largadas pelos EUA sobre Hanói, durante a guerra do Vietname.

O pretexto para os bombardeamentos foi um incidente na cidade de Racak, no Kosovo, onde os sérvios foram acusados do massacre de dezenas de civis de etnia albanesa naquela região da República Sérvia, a 15 de Janeiro de 1999. Trata-se de uma acusação contestada pelos sérvios mas também por diversos especialistas naquele conflito. Vladimir Chizhov, representante diplomático da Rússia na União Europeia (UE), declarou à RT News que se tratou de «uma pura provocação para começar os bombardeamentos», denunciando as acusações de massacre naquela «praça-forte dos militantes albaneses» como falsas e afirmando que os corpos apresentados pertenciam, na realidade, a membros dos grupos terroristas albaneses falecidos em combate.

Os ataques aéreos, que não pouparam alvos civis, deixaram o país em ruínas. Milhares de mortos, muitos deles civis – a coligação admitiu «apenas» 500 – e dezenas de milhar de feridos, com um número não determinado de mortos, ocorridos anos mais tarde, por cancros causados pelas radiações emitidas pelas munições da NATO, é a conta criminosa que nenhum dos implicados nos ataques aceita receber, até hoje.

Alvos civis e vítimas civis: os horrores da guerra

Hoje é reconhecido que as bombas com urânio empobrecido, largadas pela NATO, poluíram o país. A substância tóxica, que é usada para dotar os projécteis de um mais elevado poder de penetração, é vista como estando na origem do aumento de cancros entre a população civil, que ainda hoje são demasiado elevados na Sérvia.

Têm sido detectados cancros, em crianças sérvias com menos de 15 anos de idade, com uma frequência três vezes mais elevada do que em qualquer país europeu, afirmou à RIA Novosti a neurocirurgiã Danica Grujicic, directora de neuro-oncologia no Centro Clínico em Savski, nos arredores da capital, e docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Belgrado. «Cheguei a perguntar-me se estaríamos a fazer algo de errado», disse Grujicic, «operamo-los como sempre fizemos, recebem a radioterapia» e, ainda assim, «morrem passado um ano».

A cidade de Vranje, no Sul da Sérvia, não era reconhecida por nenhum facto em particular, antes da agressão da NATO à Jugoslávia. Deixou de o ser: haverá poucas cidades na Europa que possam gabar-se de ter uma «rua da morte», refere uma reportagem do Canal 1 sobre a Sérvia: «depois de Hiroshima e Nagasaki, Vranje tornou-se a primeira cidade na história a ser bombardeada com armas nucleares». No decurso dos ataques ao país, aviões da NATO literalmente encheram a colina no centro da cidade com munições reforçadas com núcleos de urânio empobrecido. Vinte anos depois, os activistas locais das vítimas dos bombardeamentos com urânio continuam a aumentar as suas listas.

«A minha mulher teve um diagnóstico de cancro e, duas casas abaixo, um vizinhomorreu de cancro pulmonar. Do outro lado da rua, os meus dois vizinhos estão doentes. E são pessoas jovens, não têm mais de 40-45 anos», disse à reportagem um residente local. A rua Przharskaya, chamada pelos habitantes de Vranje de «rua da morte», é a mais próxima da colina onde ficava a antena de televisão bombardeada pela NATO. Os resíduos radioactivos transformados em munições perfurantes encheram o ar de partículas tóxicas. Desde então, contam-se pelos dedos da mão as casas cujos moradores não sabem o que é um cancro. Os anos passam e a alta taxa de mortalidade permanece igual,«como se evidencia pelos anúncios de mais uma morte prematura», em cada passo da «rua da morte».

Os responsáveis estão vivos, mas não serão julgados

Goran Petronievich é um conhecido advogado sérvio. Há 20 anos era juiz de distrito no tribunal de Belgrado. Em um dos seus veredictos dessa época condenou a 20 anos de prisão – in absentia – a direcção da NATO e os líderes dos países responsáveis pela agressão, entre eles Bill Clinton, Tony Blair e Madeleine Albright. A sentença foi anulada em 2001 pelas autoridades sérvias «sob pressão do Ocidente» e agora repousa «nos arquivos do tribunal», afirmou Petronievich ao Canal 1 russo, em programa produzido por aquela estação por ocasião da entrevista do presidente da Sérvia.

«Ainda que chegue um tempo em que esta sentença volte a estar em demanda, nunca entrará em efeito» mas, «ainda assim, servirá a história», manifestou o jurista, acrescentando: «reunimos provas irrefutáveis de que as baixas civis não foram acidentais».

Antes desta tentativa, ainda as bombas da NATO tombavam sobre o país, a Jugoslávia apresentou queixa no Tribunal Internacional de Justiça em Haia, da agressão que estava a sofrer. A queixa foi liminarmente rejeitada. «As mais de duas mil vidas ceifadas» pelos 78 dias de ataques, incluindo cerca de uma centena de crianças, «já não parecem uma irrealidade», diz-se na reportagem daquele canal televisivo. A impunidade favorece os criminosos, como se veio a ver no Iraque e na Líbia. A Jugoslávia foi apenas «a primeira vítima dessa falta de legalidade e cinismo», refere o Canal 1: «à destruição de um país, à morte de milhares de pessoas, à ocupação de 15% do território, chamaram uma operação de imposição da paz».

Um outro advogado, Srdjan Aleksic, vem de Vranje, a cidade onde fica a «rua da morte». Quando, imediatamente após a guerra, a sua mãe morreu imesperadamente de cancro, prometeu a si próprio punir os responsáveis. Percebendo que das instâncias internacionais ou interestatais não se pode esperar justiça, concluiu que «o único caminho, para as vítimas», é demandarem os culpados por meio de processos privados, «exigindo compensação pelos dados sofridos».

Um tribunal estabelecido por «grandes potências que não estivessem implicadas na agressão contra a Jugoslávia, como a Rússia, a Índia e a China» poderia, para Aleksic, ser a solução para obter justiça para as vítimas. «Um tal tribunal poderia ser absolutamente imparcial», afirma. As queixas poderão não ser apenas sérvias: soldados italianos da NATO, que estiveram no Kosovo após o fim dos bombardeamentos, morreram de cancro, inesperadamente, depois de regressarem a casa – outros lutam, ainda, contra a terrível doença. Ao reconhecerem como causa da morte desses soldados o contacto com resíduos das munições reforçadas urânio empobrecido, a justiça italiana criou um precedente que pode vir a servir a outras vítimas. E convém não esquecer que militares portugueses da KFOR morreram por essa razão.

No seu escritório «acumulam-se as caixas de crimes sem castigo», refere a reportagem do Canal 1. Aleksic aguarda o veredicto de da comissão estatal sérvia, estabelecida no ano transacto com o objectivo de avaliar os danos causados pelos bombardeamentos da NATO e as suas consequências. «Este veredicto», refere a reportagem, «poderá tornar-se a base para transformar aquelas histórias em processos legais».

Não será fácil. Os EUA anunciaram, recentemente, a sua disposição de imporem sanções contra representantes do Tribunal Internacional de Justiça de Haia que manifestem nem que seja a intenção, apenas, de acusar soldados americanos de crimes de guerra que tenham cometido no Afeganistão. É difícil de imaginar qual a reacção imperial a uma tentativa sérvia para pedir justiça por estes crimes, cometidos vinte anos atrás.


O ministro da Ecologia e da Protecção Ambiental da Sérvia, Goran Trivan, mostrou-se pessimista, nas declarações prestadas ao Canal 1. «Não acredito que alguém venha a responder por estes crimes. O povo sérvio parece condenado a que ninguém seja responsável pelos crimes contra si cometidos. Compreendemo-lo muito bem. Mas, ao contrário do que é admitido, não ficaremos calados! Clinton e Solana cometeram crimes numa escala épica».

«O impacto da injustiça interminável sofrido pela sociedade sérvia não é menor que o impacto das munições de urânio empobrecido sobre a saúde da nação». O jornalista do Canal 1 dificilmente poderia fechar de melhor forma a reportagem conduzida pelo canal televisivo.

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A NATO bombardeou a Jugoslávia para «proteger os civis»
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O texto afirma que esse foi o último grande crime do século XX, cometido pelo Ocidente em violação do direito internacional e numa tentativa de estabelecer um mundo unilateral, e destaca que essa acção bélica inaugurou um modelo de intervencionismo global que depois se aplicou no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, no Mali e na Síria.

A nota a que a agência cubana teve acesso acrescenta que, longe do medo e da agonia esperados, as forças de defesa jugoslavas, pese a inferioridade técnica e militar, ofereceram uma magnífica resistência e as canções patrióticas dos desobedientes ressoaram em locais públicos, pontes e tertúlias.

Foram 1008 soldados e polícias mortos, que marcharão para sempre junto à memória colectiva, bem como mais de 2500 vítimas civis do crime da NATO, incluindo 89 crianças, denuncia a declaração.

Resistência à desmemória e à «profanação» do Fogo Eterno

A Rede afirma que as cicatrizes daquela agressão ainda não se apagaram, mas que as transformações sociais e políticas posteriores na Sérvia fizeram surgir figuras que mudaram a atitude face à agressão e à forma de a recordar.

Chamou a atenção da Rede o facto de o monumento denominado Fogo Eterno, em Belgrado, ter sido vandalizado, apagada a chama, símbolo da defesa heróica da Sérvia com a participação de todo um povo, e destruída a placa com os nomes dos países participantes no ataque.

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Jugoslávia: o dia em que uma televisão se tornou um alvo militar

Dentro de algumas horas, a Rádio Televisão da Sérvia será bombardeada para calar a agressão da NATO à Jugoslávia. Estamos em 1999 e este é um dos muitos ataques contra alvos civis, ao longo de 78 dias.

O edifício do Quartel-General do Exército da Jugoslávia não foi reconstruído depois de ser danificado por mísseis de cruzeiro em Abril de 1999, durante o bombardeio da NATO
Créditos / 1389blog.com

A agressão imperialista à República da Jugoslávia tinha começado um mês antes, a 24 de Março de 1999, e desenrolou-se até 10 de Junho desse ano, depois de fracassadas as negociações em Rambouillet e Paris, entre 6 e 23 de Fevereiro de 1999, com o pretenso objectivo de pôr fim ao conflito entre o Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) e as forças de Belgrado, acusadas de promoverem uma limpeza étnica.

Durante 78 dias, aviões e navios de guerra da NATO realizaram 3800 «operações de combate», lançando 22 milhões de quilos de bombas, cerca de 2300 mísseis e 14 mil bombas sobre um milhar de alvos, entre os quais a Rádio Televisão Sérvia, onde morreram 16 pessoas.

Para a NATO, a sede da TV Sérvia, em Belgrado, era um alvo militar a abater pelo facto de ser «porta-voz da propaganda» de Milosevic. Por outras palavras, pelo facto de revelar uma realidade não conforme com a que foi fabricada pelo Ocidente, evidenciando as consequências dos ataques da Aliança Atlântica, liderada pelos EUA.

Os ataques a pontes, comboios, colunas de refugiados, mercados e fábricas foram alguns dos crimes cometidos pela NATO, e que a televisão estatal cobriu. 

Em 2002, Milanovic, ex-director da televisão estatal, foi condenado por um tribunal sérvio a dez anos de prisão por não ter procedido à evacuação dos trabalhadores, apesar de «saber que o edifício podia vir a ser alvejado e que um ataque provocaria necessariamente a perda de vidas humanas». Milanovic acabaria por ser o único condenado pelo bombardeamento ocorrido na madrugada do dia 23 de Abril. 

O advogado de Milanovic classificou a sentença como «o mais vergonhoso veredicto na história da justiça de Belgrado». Mais curioso ainda, o facto de Carla del Ponte, procuradora do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ), ter admitido que, após analisar a possibilidade de indiciar os dirigentes dos países da NATO, estes não eram responsáveis pelos crimes. 

Criado em 1993 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o TPIJ foi, segundo Diana Johnstone, na sua obra Cruzada de Cegos, «uma instituição estabelecida de cima para julgar os de baixo. […] Desde o princípio, o objectivo proclamado pelos seus promotores principais não foi forjar um instrumento de Justiça neutra e universal mas punir um grupo nacional: os sérvios». 

«Take it ou leave it»

As supostas negociações ocorridas em França e mediadas pela NATO não foram mais do que uma encenação. Numa entrevista concedida ao Belgrado Politika, em 2013, Zivadin Jovanovic, então ministro jugoslavo dos Negócios Estrangeiros, afirmou que «em Rambouillet, não houve nem tentativa de alcançar um acordo, nem de negociação».

Zivadin Jovanovic explicou que o enviado norte-americano exigiu à delegação jugoslava que se limitasse a assinar o texto que ele mesmo tinha elaborado e colocado em cima da mesa, «segundo o princípio take it or leave it [peguem ou larguem]».

Entre os pressupostos do referido texto, assinalava-se a passagem livre e sem restrições, bem como o acesso total em todo o território da República Federal da Jugoslávia por parte do pessoal da NATO, incluindo os seus veículos, navios, aviões e equipamento. 

«Uma provocação»

Numa entrevista ao Daily Telegraph de Londres, a 27 de Junho de 1999, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger denunciou: «O texto do projecto de acordo de Rambouillet, que exigia o estacionamento de tropas da NATO em toda a Jugoslávia, era uma provocação. Serviu de pretexto para começar os bombardeamentos. O documento de Rambouillet estava formulado de tal maneira que nenhum sérvio podia aceitá-lo.»

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Por isso, lançou a iniciativa de restaurar a instalação, voltar a acender a chama da tocha e colocar em redor do pedestal o texto original e os nomes dos agressores.

Também sugeriu colocar no local aquilo que designa como 14 obstáculos, com os nomes dos mais altos políticos e comandantes da aliança ocidental, condenados no Tribunal do Distrito de Belgrado em Setembro de 2000, como «advertência ao mundo inteiro do perigo da arbitrariedade política e abusos de poder», refere a Prensa Latina.

Considerou ainda oportuno para as actuais e futuras gerações fazer o contraste entre essas personagens e as últimas palavras dos pilotos coronel Milenko Pavlovic e major Zoran Radosavljevic, dedicadas ao amor à pátria e à defesa das crianças do país, como um acto de desagravo à profanação do monumento.

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Da mesma forma, outros países ocidentais, como França, Alemanha, Canadá ou Portugal, receberam mal a decisão do Kremlin, frisando que se trata de «uma violação unilateral dos compromissos internacionais da Rússia e um ataque à soberania da Ucrânia».

Alguns também falaram em «reagir com firmeza» perante a «violação do direito internacional». Reconhecer a independência do Kosovo, bombardear a Jugoslávia, destruir a Líbia, o Iraque ou Afeganistão não mereceram a mesma apreciação dos dirigentes do mundo ocidental, aliados dos EUA, membros da NATO e outros.

Intervir na Síria sem mandato das Nações Unidas e sem autorização do país também não violou o direito internacional, ao que parece. E apoiar Juan Guaidó – a marioneta autoproclamada a mando de Washington – na Venezuela fez parte da etiqueta ocidental. Até que não. 

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Para quem vive apenas na espuma dos dias, anestesiado e também alarmado pela chuva de soundbites manipuladores ou pela torrente de «análises» cacofónicas, é importante recordar que o exército ucraniano integrou manobras de NATO envolvendo o território, céus e águas da Ucrânia, em Junho, Julho e Setembro do ano passado, obviamente contra a Rússia. A Ucrânia fazia parte, de facto, da estrutura militar da NATO, pelo que representava uma ameaça à segurança de uma Rússia cercada por dezenas de milhares de tropas multinacionais dotadas com armamento ultramoderno e armas nucleares – tudo «defensivo» – constantemente humilhada, caluniada e tratada como um Estado pária. Este cenário contradizia plenamente o princípio da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) aceite a Oriente e a Ocidente e segundo o qual a segurança é indivisível. Isto é, apesar de as alianças militares serem abertas a qualquer país que o deseje e tenha condições para as integrar, isso nunca poderá acontecer à custa da segurança de outro Estado.

«A mentira tornou-se a verdade absoluta e indiscutível, sob pena de as opiniões diferentes da versão oficial serem consideradas mensagens do inimigo; a realidade paralela abafa e enterra factos, provas e circunstâncias. Quem se indigna, sem conseguir evitar tons patéticos, contra a operação militar russa na Ucrânia encarou com bonomia a sangrenta destruição da Jugoslávia e entusiasmou-se com o cobarde bombardeamento da NATO sobre Belgrado»

Não passa de uma triste figura, uma expressão de hipocrisia, de elitismo próprio de aristocracias arruinadas e de arrogância colonial, a campanha de propaganda, intoxicação e pânico montada pelos dirigentes internacionais e pela máquina de propaganda que o neoliberalismo instalou com uma eficácia avassaladora no mundo ocidental e especial acuidade na União Europeia. A mentira tornou-se a verdade absoluta e indiscutível, sob pena de as opiniões diferentes da versão oficial serem consideradas mensagens do inimigo; a realidade paralela abafa e enterra factos, provas e circunstâncias.

Quem se indigna, sem conseguir evitar tons patéticos, contra a operação militar russa na Ucrânia encarou com bonomia a sangrenta destruição da Jugoslávia e entusiasmou-se com o cobarde bombardeamento da NATO sobre Belgrado; olhou serenamente para a cruel invasão do Afeganistão; babou-se de emoção com as «operações cirúrgicas» e a «guerra em directo» da devastadora agressão contra o Iraque – realizada a partir do momento em que o secretário de Estado norte-americano exibiu na ONU um frasquinho de um inocente pó branco que seria o «combustível» das armas químicas iraquianas inseridas num arsenal de armas de extermínio massivo que jamais apareceram; apoiou com ardor a guerra contra a Síria na qual a NATO criou e alimentou grupos de mercenários fundamentalistas islâmicos para retirar de Damasco o «tirano Assad» e instaurar «a democracia»; tal como na Líbia, onde a NATO, também de mão dada com terroristas islâmicos dos quais nasceu, por exemplo, o Isis ou Estado Islâmico, chacinou civis, assassinou de maneira revoltante o chefe de Estado e depois deixou o país à deriva, agonizando numa anarquia de que não se vê o fim; e mais ainda o que se passa no Iémen, na guerra provocada pela divisão do Sudão, na Somália, no Sahel; e sem contar com a inexistência na comunicação corporativa de informações sobre os bombardeamentos aéreos praticamente diários de Israel sobre a Síria.

As duas faces da R2P

R2P, Responsability to Protect ou Responsabilidade de Proteger, foi uma doutrina inventada pelos Estados Unidos e a NATO para intervirem militarmente, promoverem golpes de Estado, assassinar ou mesmo chacinar em países que supostamente não respeitam as normas de conduta impostas por aquelas entidades.

Criado na administração norte-americana de William Clinton, o pretexto foi invocado com especial destempero pela secretária de Estado Madeleine Albright na guerra criminosa contra a Jugoslávia, incluindo o bombardeamento de Belgrado.

A chacina da Líbia foi outro exemplo em que foi aplicada a R2P, sem esquecer as «guerras humanitárias» protagonizadas por William Clinton como presidente norte-americano, entre as quais se podem recordar a invasão da Somália, bombardeamentos contra uma escola no Afeganistão e uma fábrica de produtos farmacêuticos no Sudão.

A intervenção militar ordenada pelas autoridades russas, sob comando do presidente Vladimir Putin, nos territórios do Leste da Ucrânia autoproclamados como Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, não representou nada de novo em relação ao que tem sido a prática dos Estados Unidos e aliados tanto na NATO como na União Europeia.

«R2P, Responsability to Protect ou Responsabilidade de Proteger, foi uma doutrina inventada pelos Estados Unidos e a NATO para intervirem militarmente […] em países que supostamente não respeitam as normas de conduta impostas por aquelas entidades. […] a doutrina de Responsabilidade de Proteger será propriedade única e intransmissível de Washington e da NATO ou pode servir de exemplo a outras nações, neste caso a Rússia?»

Há, no entanto, uma diferença factual a registar: as tropas russas, enviadas alegadamente num contexto de «manutenção de paz», têm como missão defender (R2P) os cidadãos ucranianos de origem russa habitando nos territórios do Leste da Ucrânia, centenas de milhares deles detentores de passaportes russos, de uma potencial e mais do que previsível agressão militar do regime de Kiev e das suas tropas de choque nazis. A presença das mais bem equipadas e preparadas tropas ucranianas na linha de contacto com a região do Donbass é uma prova inequívoca dessa intenção.

Existem, de facto, vários indícios de que uma invasão da região do Donbass conduzida pelo regime de Kiev estava já em andamento. A Missão de Observação da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) em acção na linha de contacto registara nos últimos dias um aumento exponencial dos bombardeamentos para o interior dos campos inimigos executados, em maioria esmagadora, a partir do lado ocidental. Além disso, foi notada uma intensa actividade de veículos ucranianos de desminagem de terrenos, fazendo prever a iminência do avanço de forças terrestres.

Acresce que o programa do actual presidente do regime de Kiev, Volodymir Zelensky, previa a reconquista pela força do território russo da Crimeia e a «normalização» da situação nos territórios do Donbass, isto é, a concretização da limpeza étnica.

Postas as coisas neste pé, afinal a doutrina de Responsabilidade de Proteger será propriedade única e intransmissível de Washington e da NATO ou pode servir de exemplo a outras nações, neste caso a Rússia?

Seguindo a mesma linha de raciocínio, será que apenas os Estados Unidos e a Aliança Atlântica podem cercar militarmente outros países, inundando de armas, incluindo de extermínio em massa, as linhas avançadas das suas forças, sem que as nações assim ameaçadas tenham o direito de se defender e de proteger populações afins?

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Ucrânia, o rastilho da Europa

Entre a riqueza armamentista e a miséria social, este país a funcionar como base militar da NATO transformou-se num rastilho de guerra, talvez o mais inquietante, susceptível de incendiar a Europa e o mundo.

Militares ucranianos no Donbass (foto de arquivo)
Créditos / Telegraph.ua

A administração colonial formada pelos Estados Unidos e a União Europeia que desde 2014 gere a Ucrânia, com apoio em entidades nazis saudosas de Hitler, criou a maior plataforma de guerra e de provocação que ameaça toda a Europa ao mesmo tempo que transformou o país num espaço de miséria.

Desde 2014 que, à luz do golpe da Praça Maidan dado em nome «da democracia», que Washington e Bruxelas vêm militarizando a Ucrânia recorrendo, sem rebuço nem vergonha, a uma máfia política mergulhada em corrupção e em traficâncias neoliberais; criando assim condições para conduzir uma guerra interna contra as populações russófonas da região do Donbass e desenvolvendo uma atmosfera de hostilidade contra a Rússia e a Bielorrússia propícia às manobras agressivas e provocatórias da NATO.

Nas operações internas tem-se distinguido, pela crueldade exercida contra as populações civis, o instrumento de mão do regime, a Guarda Nacional, corpo criado a partir do golpe de 2014 integrando estruturas retintamente nazis, como é o caso do batalhão Azov. Notícias vindas regularmente a público, mas que não cabem nos pacotes propagandísticos da comunicação social corporativa, dão conta de que estes grupos hitlerianos frequentam as acções de formação ministradas por altos quadros militares norte-americanos e europeus em situação de reserva mas realmente integrados nas estruturas da NATO.

Já em Novembro deste ano o regime de Kiev recebeu mais 60 milhões de dólares em material militar, incluindo 80 toneladas de munições, da administração Biden – a quarta remessa desde Agosto enviada de Washington. Joseph Biden, então como vice-presidente de Obama, foi um dos principais operacionais do golpe de Maidan, recorrendo principalmente aos serviços de campo de Victoria Nuland, quadro superior do Departamento de Estado envolvida directamente na conspiração, na acção e na formação dos primeiros governos do regime. A propósito desta manobra, na qual os Estados Unidos fizeram questão de exercer exclusividade absoluta, Nuland pronunciou a célebre frase «fuck the UE», um escândalo diplomático entre «aliados» que Bruxelas, fiel à sua subserviência em relação a Washington, reduziu a um não-acontecimento. A expressão foi proferida numa conversa com o então embaixador norte-americano em Kiev, Geoffrey E. Pyatt, agora em Atenas conduzindo as acções de conspiração e provocação nos Balcãs.

«Joseph Biden, então como vice-presidente de Obama, foi um dos principais operacionais do golpe de Maidan (...)»

O actual presidente norte-americano tem uma forte ligação «sentimental» à Ucrânia. Utilizando o filho Hunter Biden como testa de ferro, Joseph Biden entrou em força nos negócios de petróleo e gás do país; no seu actual governo colocou na mais elevada das posições, a de secretário de Estado, o norte-americano e ucraniano Anthony Blinken. De 2014 para cá têm passado pela administração ucraniana vários ministros e ministras de nacionalidade e ascendência norte-americana, ou mesmo indivíduos com formação nos Estados Unidos e que já foram presidentes de outros países, como o caso do georgiano corrupto Shakashwili.

Desde o golpe de 2014, segundo o actual secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, os Estados Unidos injectaram na Ucrânia mais de 2500 milhões de dólares em material militar, incluindo recentemente os mísseis antitanque Javelin, que já foram utilizados na guerra contra o Donbass, de acordo com Kyrilo Budanov, chefe da espionagem militar de Kiev. Confirmando-se assim que o governo ucraniano tem como política a violação dos acordos de Minsk, que determinam uma solução política e não militar para o conflito na região.

Budanov foi mais longe e assegurou que os mísseis Javelin foram usados igualmente «contra forças russas». Esta afirmação deve ler-se, porém, à luz do facto de Kiev considerar as forças militarizadas de autodefesa do Donbass como «parte do exército russo». Uma asserção que faz parte do discurso provocatório oficial ucraniano.

De realçar ainda que o equipamento das forças militares de influência nazi da Ucrânia foi ainda reforçado recentemente com drones ofensivos Bayraktar, de fabrico turco. O ditador Erdogan é um dos pilares internacionais de sustentação do regime autocrático de Kiev, apesar da crescente degradação das condições económicas do seu país.

Provocação em curso

Há pouco mais de uma semana, os serviços de espionagem norte-americanos municiaram a Comissão Europeia com supostas «informações secretas», segundo as quais a Rússia se prepara para invadir a Ucrânia no início do próximo ano, designadamente a partir da Crimeia e da Bielorrússia.

Embora fazendo parte da alimentação permanente da hostilidade da União Europeia para com a Rússia, esta diligência pode traduzir um novo nível da agressividade da NATO em relação a Moscovo. Há poucos dias, tirando proveito da situação criada com o problema dos refugiados entre a Bielorrússia e a Polónia, a Aliança Atlântica reforçou com mais umas dezenas de tanques o seu dispositivo de guerra alegadamente contra Minsk mas que, em última análise, tem a Rússia como alvo principal.

Na sequência das mais recentes operações militares de Kiev contra o Donbass, utilizando nomeadamente os mísseis de fabrico norte-americano Javelin, como o chefe da espionagem militar ucraniana confirmou, o exército russo reforçou os dispositivos militares na fronteira ucraniana. Algo que Moscovo já fizera anteriormente e que dissuadiu então as forças de Kiev de prosseguirem uma das frequentes ofensivas contra o Leste do país.

Os Estados Unidos pretendem que se interpretem estas movimentações como uma ameaça iminente de invasão da Ucrânia pela Rússia. Washington e a NATO, que se caracterizam por fazer manobras militares agressivas em praticamente todo o mundo, onde dispõem de 800 bases militares muito para além das suas próprias fronteiras, têm assim a desfaçatez de qualificar como indícios de agressão as movimentações militares a que outros países procedem, de maneira soberana, exclusivamente no interior dos seus territórios. A Rússia, recorda-se, está cercada pela presença exorbitante de tropas da NATO nas suas fronteiras, oriundas até de nações muito distantes.

«Washington e a NATO, que se caracterizam por fazer manobras militares agressivas em praticamente todo o mundo, onde dispõem de 800 bases militares muito para além das suas próprias fronteiras, têm assim a desfaçatez de qualificar como indícios de agressão as movimentações militares a que outros países procedem, de maneira soberana, exclusivamente no interior dos seus territórios.»

As acusações de Kiev e da NATO pronunciadas a propósito de supostas intenções agressivas de Moscovo são entre outras coisas, e como é fácil de perceber, cortinas de fumo para tentar resolver militarmente a guerra contra o Donbass e para o reforço cada vez mais intenso do massivo dispositivo da Aliança Atlântica ameaçando a Rússia.

Um regime de miséria

Entre 2013 e 2021 a Ucrânia transformou-se, como um todo, numa das maiores bases militares da NATO. Os armamentos e as capacidades militares presentes no país são absolutamente desproporcionadas e insultuosas em relação às grandes necessidades da esmagadora maioria da população, cada vez mais desprovida de condições essenciais de vida e até de sobrevivência.

O sistema autocrático e castrense instituído em Kiev pela administração colonial de Washington e Bruxelas, em nome «da democracia» e da «ameaça russa», é um regime de autêntica miséria, com estratos sociais reduzidos a uma penúria degradante. A «libertação» consumada a partir da «revolução colorida» de Maidan, que rapidamente se tornou sangrenta através da acção das tropas de choque nazis, conduziu a Ucrânia à cauda da Europa em matéria de condições sociais, económicas e humanas.

Através de dados recolhidos em fontes como o FMI, o Banco Mundial, o serviço oficial de estatísticas de Kiev e o Banco Central da Ucrânia é possível perceber o estado dramático do país, um cenário inversamente proporcional à riqueza das suas aptidões militares.

De 2013 até 2020, a população da Ucrânia reduziu-se de 45,5 milhões de pessoas para 30,1 milhões – ou mesmo para 28 milhões, segundo fontes diferenciadas.

Dessa redução de 15 milhões na população, cerca de 10 milhões deixaram o país em busca de melhores condições de vida em países da União Europeia e na Rússia. Grande parte dessas pessoas adquiriram já as nacionalidades dos países de acolhimento e chamaram as respectivas famílias. Deixaram, em grande parte, de contribuir para a economia ucraniana.

Os restantes cinco milhões de pessoas a menos traduzem o aumento de mortalidade em relação aos valores médios registados até 2013.

«A "libertação" consumada a partir da "revolução colorida" de Maidan, que rapidamente se tornou sangrenta através da acção das tropas de choque nazis, conduziu a Ucrânia à cauda da Europa em matéria de condições sociais, económicas e humanas.»

Segundo elementos fornecidos pelo FMI e pelo Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB) ucraniano desceu de 183 300 milhões de dólares em 2013 para 155 500 milhões em 2020, ou seja uma queda da ordem dos 15% desde a instauração «da democracia» por Washington e a UE.

O rendimento médio per capita caiu em média de 4030 dólares em 2013 para 3725 dólares em 2020 – 310 dólares por mês (menos de 300 euros). No entanto, a grande maioria da população, cerca de 70%, tem um rendimento mensal de 210 a 215 dólares, isto é, mais ou menos 200 euros. Naturalmente o poder de compra baixou cerca de 20%. Os preços da alimentação e dos medicamentos são os mais elevados em comparação com os dos países vizinhos.

Dados oficiais revelam ainda que um terço da população, 10 milhões de pessoas, sofre de subnutrição; e dois milhões passam fome num país onde as desigualdades continuam a crescer, como é próprio das ditaduras neoliberais.

A indústria ucraniana colapsou 25% e a dependência energética em combustíveis fósseis e electricidade continua a aumentar, sobretudo em relação à Rússia, país com o qual a Ucrânia se diz «em guerra», e à Bielorrússia, país contra o qual funciona como plataforma de conspiração e actividades subversivas.

Apesar de a Ucrânia se ter transformado num paraíso neoliberal, nem sequer se consegue afirmar como um farol para o investimento estrangeiro, antes pelo contrário: esse valor desceu de 5600 milhões de dólares em 2013 para 800 milhões de dólares em 2020, isto é, sete vezes menos do que antes do golpe.

Neste quadro verdadeiramente trágico, a publicação anual Doing Business do Banco Mundial conseguiu encontrar em 2020 um rating de «sucesso» para a Ucrânia. O resultado foi tão pouco convincente que o próprio Banco Mundial veio a considerá-lo depois como «distorcido», levantando assim suspeitas de que terá sido fabricado graças a incentivos financeiros irregulares. O regime ucraniano, de tão protegido pelos seus gestores internacionais, consegue até exportar corrupção, revelando grandes aptidões na matéria.

Entre a riqueza armamentista e a miséria social, este país a funcionar como base militar da NATO, mesmo sem pertencer formalmente à organização, transformou-se num rastilho de guerra, talvez o mais inquietante, susceptível de incendiar a Europa e o mundo.

Basta uma faúlha. E a NATO, com a colaboração prestimosa da União Europeia, parece andar à procura da maneira de a atear. Condições e marionetas não faltam na Ucrânia.

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Opinião
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Da doutrina R2P aplicada pelos Estados Unidos e a NATO nasceu, por exemplo, uma entidade muito peculiar chamada Kosovo, governada por terroristas islâmicos e funcionando como entreposto de tráficos vários, entre eles o de órgãos humanos; no entanto, grande e sonoro é o escândalo porque do R2P aplicado pela Rússia decorre o reconhecimento de peculiares entidades como as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. «Quem Putin julga que é para reconhecer outros Estados?», interrogou-se o penoso Joseph Biden, ligado aos auriculares e fixado no teleponto, mais ou menos na mesma ocasião em que confirmou o reconhecimento da anexação ilegal do território sírio dos Montes Golã por Israel. Tudo de uma transparente coerência, que pode ainda ser reforçada com a possível integração do Kosovo na NATO.

Quem vai à guerra dá e leva, é um aforismo português bem enraizado. Parece, porém, que há quem apenas queira dar sem correr o risco de levar. No fundo, não passa de um tique de quem acha que a impunidade dos comportamentos guiados por mentalidades coloniais e imperiais dura para sempre.

Porém, os tempos mudaram; as últimas semanas ilustram bem essa realidade e a reacção de novo tipo ensaiada pela Rússia traduz uma alteração da relação de forças geoestratégica. Daí também a sufocante barragem de propaganda que executa uma metódica lavagem ao cérebro dos cidadãos, inspirada nos confins totalitários imaginados por George Orwell.

Um pouco de história recente

Sem ser necessário recuar por ora aos tempos em que «Lenin, os seus seguidores e a Rússia comunista bolchevique» criaram a Ucrânia, segundo a história recriada pelo oligárquico inner circle de Vladimir Putin, façamos uma revisão das origens mais recentes do problema ucraniano que conduziram à situação actual.

Depois de Gorbatchov e o alcoólico agente da CIA Boris Ieltsin terem desmantelado a União Soviética, a Ucrânia independente rapidamente se transformou num pródigo alimento da gula dos círculos político-militares ocidentais e das transnacionais globalizantes, meios imbuídos da sempre insaciável mentalidade colonial e da correspondente arrogância.

«Em finais de 2013, a Ucrânia, sob a presidência do russófono Viktor Yanukovytch e abalada por uma corrupção endémica, chegou a um ponto de fractura entre os partidários da adesão à União Europeia e à NATO e os defensores de um reforço da soberania aprofundando as ligações com a Rússia. Recorrendo de novo à receita da revolução colorida, os Estados Unidos e a União Europeia montaram uma suposta «Revolução da Dignidade» que degenerou, em Fevereiro de 2014, nos acontecimentos da Praça Maidan, em Kiev, onde grupos de assalto nazis acabaram por assumir o poder determinante do movimento»

Em 2004, provavelmente porque nem tudo corria como devia, os centros do costume, Soros e companhia, organizaram uma revolução colorida, neste caso em tons laranja, para dar alento aos partidários da integração na União Europeia e na NATO, comandados pela nacionalista primeira-ministra Yulia Tymochenko, com ligações fascistas bem identificadas.

Em finais de 2013, a Ucrânia, sob a presidência do russófono Viktor Yanukovytch e abalada por uma corrupção endémica, chegou a um ponto de fractura entre os partidários da adesão à União Europeia e à NATO e os defensores de um reforço da soberania aprofundando as ligações com a Rússia.

Recorrendo de novo à receita da revolução colorida, os Estados Unidos e a União Europeia montaram uma suposta «Revolução da Dignidade» que degenerou, em Fevereiro de 2014, nos acontecimentos da Praça Maidan, em Kiev, onde grupos de assalto nazis acabaram por assumir o poder determinante do movimento. Atiradores pertencentes a esses grupos usando fardas policiais e colocados nos telhados dos edifícios envolventes dispararam sobre manifestantes provocando numerosos mortos e feridos. Mais um exemplo das operações de bandeira falsa em que os Estados Unidos são especialistas há bastante mais de um século.

O golpe aconteceu quando Joseph Biden era vice-presidente de Obama e esteve directamente associado à montagem da operação. Depois foi recompensado generosamente, tendo o filho Hunter Biden como testa de ferro, com um importante cargo de administração numa das maiores empresas petrolíferas ucranianas.

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Cronologia de uma provocação aterradora

Biden, Blinken, Nuland, Pyatt – a equipa operacional do golpe Euromaidan está de regresso à Ucrânia. Entretanto, continuamos a ser informados de que tudo está a acontecer por causa da «agressão russa».

Militares ucranianos no Donbass (foto de arquivo)
Créditos / alfa.lt

No dia 24 de Março deste ano, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, assinou o decreto 117/2021 no qual determina que a política oficial do seu regime é a de «reconquistar» a Crimeia à Rússia; e identifica o porto de Sebastopol como alvo prioritário desta estratégia. A iniciativa foi acompanhada pelo transporte de avultados meios de guerra, incluindo comboios de tanques, em direcção ao Leste ucraniano, a região onde Kiev tem mantido um cerco e actos de guerra contra as populações civis, essencialmente a cargo de unidades militares e paramilitares nazis.

A decisão de Zelensky provocou uma reacção simétrica por parte da Rússia: reforço das capacidades militares na Península da Crimeia e nas imediações da fronteira oriental da Ucrânia. A comunicação social corporativa, sobretudo a «de referência», só conta esta parte da história, encaixando-a na narrativa da «agressão russa». Para se ter uma noção da real gravidade da situação, porém, é necessário conhecer o cenário completo.

«os jogos de guerra “Defender Europe 2021» [envolvem] 40 mil efectivos de 25 países europeus, norte-americanos e africanos para «demonstrar a capacidade dos Estados Unidos em ser um parceiro estratégico nos Balcãs, Mar Negro, no Cáucaso, Ucrânia e em África”»

Volodymyr Zelensky não retirou o decreto da sua cartola porquesimplesmente lhe apeteceu ou porque o considere como a mais aconselhável maneira de desviar as atenções da caótica situação interna em que o golpe Euromaidan mergulhou a Ucrânia desde 2014. As circunstâncias demonstram que este ex-comediante de TV transformado em presidente está sob o controlo directo de Richard Moore, chefe dos serviços secretos britânicos MI6, que o recebe em Londres e dirige pessoalmente o cumprimento do guião belicista que ele próprio traçou para ser cumprido a partir de Kiev. Esta ligação foi demonstrada pela televisão Rossiya 1 e está, naturalmente, associada à integração da Ucrânia, do Mar Negro e das regiões bálticas em geral nas gigantescas manobras militares da NATO «Defender Europe 21» que estão a decorrer até finais de Junho.

Moore foi antigo embaixador britânico na Turquia, pelo que terá facilitado os contactos entre Erdogan e Zelensky, que têm recentes desenvolvimentos terroristas na região do Mar Negro.

Zelensky tem, portanto, as costas bem quentes. Por isso, o seu chefe de Estado-Maior, o general Ruslan Komchak, anunciou que se «prepara para realizar uma ofensiva na Ucrânia Oriental», operação essa em que «está prevista a participação de membros da NATO». Será?

Ao que a NATO tem respondido, sobretudo durante reuniões efectuadas em meados de Abril em Bruxelas, que está ao lado do regime ucraniano na sua defesa da «integridade» do país – declaração curiosa de uma aliança que se dedica a desintegrar países: Jugoslávia, Iraque e Líbia falam por si.

«Integridade» da Ucrânia significa, neste contexto, o regresso da Crimeia à soberania de Kiev e o reforço da repressão contra as populações russófonas das províncias da região do Donbass – Donetsk e Lugansk – que não reconhecem o regime de base nazi nascido do golpe de 2014. Foi precisamente para evitar uma situação de repressão militar como a que vigora no Donbass que a população da Crimeia votou massivamente em referendo a sua reintegração na Rússia, da qual fora separada por acto administrativo assumido nos anos cinquenta do século passado pelo dirigente soviético Nikita Krushchov.

Militares ucranianos no Donbass (foto de arquivo) Créditos

Acontecimentos vertiginosos

Quando Zelensky assinou o decreto que espoletou a situação em desenvolvimento no terreno e nas chancelarias, o secretário da Defesa norte-americano e chefe do Pentágono, Lloyd Austin, declarou o «apoio inabalável dos Estados Unidos à soberania da Ucrânia». Washington sinalizou assim que não se tratou de um acto isolado do chefe do regime ucraniano e que existe uma interrelação entre o decreto presidencial e a invasão do Mar Negro e da Ucrânia pela NATO sob a cobertura dos jogos de guerra «Defender Europe 2021». Exercícios estes envolvendo 40 mil efectivos de 25 países europeus, norte-americanos e africanos para «demonstrar a capacidade dos Estados Unidos em ser um parceiro estratégico nos Balcãs, Mar Negro, no Cáucaso, Ucrânia e em África».

Ninguém no seu perfeito juízo iria supor que a Rússia ficaria impávida e serena perante tais acontecimentos. Pelo que estamos a viver as incidências de uma inquietante provocação montada para apresentar as medidas defensivas adoptadas por Moscovo como uma evidência da «agressão russa».

Dado o sinal por Austin, os acontecimentos tornaram-se vertiginosos.

No dia 6 de Abril, o chefe do regime de Kiev telefonou ao secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, para lhe testemunhar que «a NATO é a única maneira de terminar com a guerra no Donbass» e, portanto, a «sua presença deve ser permanente e um poderoso travão à Rússia, que continua a militarização em larga escala e dificulta as movimentações de navios mercantes».

Em 10 de Abril, Zelensky foi recebido em Istambul pelo «sultão» Erdogan, como já se percebeu por intercessão directa do chefe do MI6. Na sequência do encontro, 150 soldados turcos foram deslocados para Mariupol, cidade ucraniana do Mar Negro, de modo a enquadrar o contingente de mercenários «islâmicos» que os serviços secretos turcos (MIT) estão a recrutar sobretudo em Idlib, na Síria, para combater na Ucrânia tal como têm feito na Líbia e no Azerbaijão.

Em Mariupol encontra-se também a chamada Brigada Islâmica Internacional que a Turquia criou recorrendo a mercenários tártaros.

Antes de se avistar com o presidente turco, Volodymyr Zelensky tinha feito um acordo com o Qatar sobre o arrendamento de um porto no Mar Negro, precisamente Mariupol. O Qatar tem sido um dos países que fornece forças especiais para processos susceptíveis de envolver intervenções da NATO, como aconteceu na Líbia.

Conferência de imprensa de Jens Stoltenberg e Volodymyr Zelensky (foto de arquivo) Créditos

A «contenção» de Kiev

Em 13 de Abril reuniu-se em Bruxelas a Comissão NATO-Ucrânia, para avaliar «o estado da segurança» neste país; o ministro dos Negócios Estrangeiros de Kiev, Dmytro Kauleb, informou sobre «os últimos desenvolvimentos» e a oportunidade serviu para o chefe de Estado Maior Komchak reafirmar o lançamento da «ofensiva na Ucrânia Oriental». Os participantes na reunião comprometeram-se a assegurar a «integridade territorial» da Ucrânia, acusaram os «rebeldes do Leste» de «quebrar o cessar-fogo» e a Rússia de reforçar os dispositivos militares, sobretudo na Crimeia. Exigiram a «retirada militar russa da Ucrânia», isto é, da Península da Crimeia – território russo.

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Rússia acusa a Ucrânia de não assumir o controlo das suas forças armadas

Em declarações à imprensa, esta terça-feira, um porta-voz do Kremlin sublinhou ainda que a integração da Ucrânia na NATO não será aceite pela população do Donbass e só irá exacerbar a crise.

Zona civil atacada por artilharia pesada no Donbass 
Créditos / @iehutin

A Rússia não vê sinais de que Kiev queira abandonar a «retórica belicosa», «acalmar-se de alguma forma» e assumir o controlo das Forças Armadas da Ucrânia na linha de contacto no Donbass, que «frequentemente são a causa de provocações» nessa parte do Sudeste do país, disse ontem à imprensa Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, citado pela TASS.

Numa visita à Índia, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, afirmou que a Rússia espera que os países ocidentais pressionem a Ucrânia no sentido de cumprir o Acordo de Minsk sobre a guerra no Donbass, alcançado em Fevereiro 2015 entre a Ucrânia, a Rússia, a França e a Alemanha.

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O enredo da provocação no estreito de Kerch

O cenário de guerra continua a aprontar-se nas fronteiras da Rússia. A provocação de domingo passado já fez o seu caminho, mas outras poderão promover novos passos para uma situação incontrolável.

Voluntários neonazis do Batalhão de Azov (integrado na Guarda Nacional Ucraniana) manifestam-se, em frente ao parlamento da Ucrânia, em Kiev, em apoio do presidente Piotr Poroshenko, após o incidente em Kerch entre barcos ucranianos e russos.
Créditos / Independent/EPA

Os acontecimentos em curso no Estreito de Kerch, que liga o Mar Negro ao Mar de Azov, têm que se lhe diga. É que, muito para lá do óbvio carácter provocatório do comportamento do regime neonazi da Ucrânia, está a cumprir-se uma agenda secreta menos óbvia e potencialmente mais perigosa do que os factos a que vamos assistindo. Até onde nos levará este caminho? Sem fazer futurologia, poderemos fazer uma ideia repescando antecedentes, identificando protagonistas e antecipando desenvolvimentos, alguns dos quais estão inscritos no calendário.

Dois navios militares e um rebocador ucranianos dirigiam-se no domingo passado ao Estreito de Kerch, em rota do Mar Negro para o Mar de Azov, ao que parece com destino à cidade de Mariupol, quando foram interceptados a tiro por navios russos. Registaram-se três feridos sem extrema gravidade, os barcos foram apresados, os tripulantes detidos.

Mais uma malfeitoria da Rússia do inqualificável Putin, informa, a uma só voz, a comunicação social mainstream, sem dar-se ao trabalho de aprofundar minimamente a situação. Nem é preciso. De acordo com os dogmas estabelecidos, o regime da Ucrânia é neonazi mas “democrático”, goza das boas graças de entidades acima de quaisquer suspeitas como a União Europeia e a NATO; e a Rússia é a Rússia, fica tudo dito.

Mas aprofundemos a situação por nossa conta e risco.

Está comprovadíssimo que:

- Os navios militares ucranianos receberam advertências russas por rádio informando as tripulações de que o estreito estava fechado por razões de tráfego e segurança;

- Os comandantes das três embarcações fizeram-se de surdos em relação aos avisos: “ignorámos deliberadamente os pedidos russos para não avançarmos mais”, confessou o comandante Volodymir Lesovoy;

- Os navios ucranianos transportavam armamento e munições: armas ligeiras e armas automáticas de grande calibre, de acordo com a mesma confissão;

- A bordo seguiam agentes dos serviços militares de espionagem (SBU), segundo revelou o director desta entidade, Vasyl Hrytsak;

- “Estava consciente de que as acções da Marinha Ucraniana no Estreito de Kerch eram provocatórias”, afiançou ainda o comandante Lesovoy.1

Foi, portanto, um dos responsáveis ucranianos envolvidos na operação quem a qualificou: “uma provocação”.

Em que contexto?

É muito importante conhecer o contexto geográfico e geopolítico em que este incidente ocorre.

A Rússia e a Ucrânia partilham águas territoriais tanto no Mar Negro como no Mar de Azov segundo normas estabelecidas por um acordo bilateral estabelecido em 2003. A situação, porém, alterou-se a partir do golpe de Estado fascista na Ucrânia, em 2014, seguido pela reintegração da Crimeia na soberania russa, conforme decisão tomada por grande maioria, em referendo, pela população da península. Uma vez que a Crimeia se tornou território russo, a segurança do Estreito de Kerch passou a ser assumida por Moscovo, pela aplicação automática dos artigos 19 e 21 da Lei Internacional Marítima. Foi neste âmbito que as autoridades russas pediram aos navios ucranianos para não avançarem, uma vez que tinham encerrado temporariamente a passagem devido a manobras de tráfego e à segurança da nova ponte que, desde o início deste ano, liga o território continental russo à Península da Crimeia.

Deve dizer-se que, apesar do agravamento das tensões entre os dois países vizinhos, sobretudo a partir de 2014, os navios ucranianos, tanto civis como militares, têm passado normalmente o Estreito de Kerch segundo as normas internacionais, neste caso aplicadas através de meios russos.

No entanto, assim como não reconhece a reintegração da Crimeia na Rússia, a Ucrânia não aceita agora que a segurança no Estreito de Kerch seja garantida por Moscovo, ponto de partida para a violação da Lei Marítima Internacional por parte de Kiev. Uma situação que não tinha antecedentes, apesar de, repete-se, as relações entre a Ucrânia e Moscovo se terem deteriorado sobretudo a partir de 2014.

Pelo que é legítimo registar que alguma coisa determinou a mudança de comportamento da Ucrânia.

Antecedentes

É certo que durante todo este ano foram observados sinais de que as tensões estavam a aumentar na região do Mar de Azov. Um navio de pesca russo, registado na Crimeia, foi apresado e a sua tripulação humilhada no dia 24 de Março. As autoridades ucranianas recusaram-se a tratar os tripulantes como cidadãos estrangeiros e, depois de maus tratos psicológicos e físicos, acabaram por permitir que seguissem para a península mas confiscando-lhes os passaportes, atitude que viola normas internacionais.

Em Outubro, outra embarcação russa, desta feita um petroleiro, foi retida no porto ucraniano de Khersen.

O clima regional deteriorou-se, principalmente, a partir da inauguração da ponte ligando o território continental russo à Crimeia, sobre o Estreito de Kerch, uma obra que reforçou a agressividade da Ucrânia face à irreversibilidade da mudança de soberania da península.

Embora as tensões tenham vindo a convergir em torno das normas de passagem do Estreito de Kerch, registaram-se outros acontecimentos de âmbito mais geral e regional que devem ser encarados à nova luz projectada pelo incidente de domingo passado.

Um deles foi a decisão do Tribunal Constitucional de Kiev no sentido de alterar a Constituição do país de modo a abrir caminho para a integração na União Europeia e na NATO.

O procedimento nada tem de surpreendente – a NATO e a União Europeia fomentaram o golpe que facilitou este passo – mas causa fissuras no tecido político e demográfico do país, além de ultrapassar mais uma linha vermelha em relação às posições russas quanto à instalação da NATO nas suas fronteiras.

No dia 7 de Novembro, o governo da Ucrânia aprovou a Resolução 934 que produz alterações às normas sobre a aplicação da lei marcial, nomeadamente no que diz respeito à evacuação obrigatória de populações e à definição de categorias populacionais para estabelecer o modo como deve decorrer o processo. Em particular, o documento estipula “as tarefas e funções do comando militar, ministérios, outras autoridades executivas centrais, órgãos estaduais e órgãos de evacuação temporária para a implementação de medidas de um regime legal de lei marcial”.

Em suma, nos últimos meses vêm-se registando alguns acontecimentos na Ucrânia, sobretudo este cuidado especial com a actualização da lei marcial, reveladores de que os acontecimentos no Estreito de Kerch não surgem do nada, encaixando-se antes numa cadeia de premeditação propícia a criar um incidente específico – “uma provocação”, como confessou o comandante Volodymir Lesovoy.

Para quê?

A situação internacional e regional actual abre várias pistas sobre a razão de ser e a utilidade deste episódio.

8%

expectativa de Poroshenko nas sondagens para as próximas eleições presidenciais na Ucrânia, antes do incidente de Kerch

A imposição da lei marcial é uma delas – e já foi consumada. Através desta decisão, o presidente da Ucrânia e a estrutura nazi-fascista que o envolve, com pólo no Batalhão Azov e respectivas ramificações, ficam de mãos livres para prosseguir o seu caminho no sentido da pretendida instauração plena de uma ditadura, sempre a pretexto do combate à “ameaça russa”.

Confrontado com eleições marcadas para Março de 2019 e creditado pelas sondagens nuns minguados oito por cento de popularidade, o presidente Piotr Porochenko só tem a ganhar em consagrar-se o mais rapidamente possível como comandante-em-chefe de uma nação em estado de guerra contra um inimigo poderoso.

A partir de agora, e pelo menos até finais de Janeiro – estas situações são facilmente prorrogáveis –, o presidente pode ilegalizar partidos, reforçar a censura à comunicação social, aterrorizar estratos populacionais com invasões de residências, prisões arbitrárias e confiscação abusiva de materiais. E também reforçar a ofensiva militar e a repressão de índole fascista sobre as populações da região de Donbass, sobretudo Donetsk e Lugansk. Quem sabe se Porochenko não conseguirá mesmo evitar as eleições presidenciais, facilmente adiáveis como prorrogáveis são os estados de excepção, desde que continue nas boas graças do Batalhão Azov cumprindo a sua agenda fascista?

«A partir de agora, e pelo menos até finais de Janeiro – estas situações são facilmente prorrogáveis –, o presidente pode ilegalizar partidos, reforçar a censura à comunicação social, aterrorizar estratos populacionais com invasões de residências, prisões arbitrárias e confiscação abusiva de materiais»

Este facto não fere, como não feriu em 2014, as férreas convicções “democráticas” da União Europeia e da NATO, que já garantiram estar sempre do lado da Ucrânia, como disse alto e bom som o secretário-geral da aliança militar, Jens Stoltenberg; ou como fez o próprio Conselho de Segurança da ONU, ao tomar o partido de Kiev quanto ao processo de discussão do incidente do Estreito de Kerch.

Palavras e actos que, em nível subliminar, contemplam respostas aos apelos menos diplomáticos feitos pelo ex-comandante da NATO James Stavridis – “metam o Putin na ordem!” – e pelo embaixador ucraniano em Berlim, Andrij Melnik - “ponham o Putin no lugar!”

Melnik pediu ainda mais: novas sanções contra a Rússia, a que Trump e Bruxelas se preparam para fazer a vontade; bloqueio de todas as importações de gás natural e petróleo da Rússia e “congelamento” do gasoduto NordStream 2, que tem início em território russo e termo na Alemanha. Este assunto já fia mais fino: a senhora Merkel parece não estar pelos ajustes e muitos governos europeus não estarão dispostos a pagar a energia a preços descomunais por causa de três tiros num barco de dois canos nos apertos da entrada do Mar de Azov.

A situação tem ainda, obviamente, outras repercussões latentes, relacionadas com o previsto diálogo entre Trump e Putin, à margem da próxima reunião do G20. De Bruxelas a Washington há muita gente que não deseja encontros entre os dois presidentes, por causa do mito segundo o qual o dirigente russo “mete no bolso” o norte-americano. E o estado a que as coisas chegaram pode fazer-lhes a vontade; ou, pelo menos, concentrar na falsa questão ucraniana as palavras que deveriam dedicar-se a problemas reais como a Síria e a Península da Coreia, por exemplo.

Agora com poderes reforçados, o presidente Porochenko já pediu mais navios de guerra da NATO para o Mar Negro; e a Rússia, pelo sim pelo não, vai despachar sistemas defensivos S-400 para a Península da Crimeia.

Isto é, o cenário de guerra continua a aprontar-se nas fronteiras da Rússia; e se a provocação de domingo passado já fez o seu caminho, outras poderão promover novos passos para uma situação incontrolável.

Com a Europa “democrática” e a aliança militar “democrática” encorajando, dando força e cobrindo sempre a Ucrânia fascista como sua ponta de lança.

 

  • 1. A transcrição completa das declarações do comandante Lesovoy e dos marinheiros Andrey Dratch e Sergey Tsybizov pode ser lida aqui.
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«Kiev passou da crítica ao quadro político para resolver a crise no Donbass para ameaças de acção militar e espero que (...) as capitais europeias exijam que [o presidente ucraniano] Zelensky implemente o Acordo de Minsk», disse Lavrov, citado pela TeleSur, no final de uma reunião com o seu homólogo indiano, Subrahmanyam Jaishankar.

Por seu lado, o ministro ucraniano para os territórios temporariamente ocupados, Alexey Reznikov, disse ao canal ICTV que Kiev não enviará delegados a Minsk quando forem retomadas as consultas do Grupo de Contacto Trilateral (integrado por Rússia, Ucrânia e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa – OSCE).

Reznikov advogou a busca de «uma cidade e de um país diferentes», argumentando que «a Bielorrússia está sob influência da Rússia» e «não tem confiança» nela.

Escalada de tensões e provocações

A tensão entre ambos os países agudizou-se depois de o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ter aprovado um decreto que visa a recuperação da Crimeia, reintegrada na Rússia após o referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado fascista em Kiev, com a decisão favorável da esmagadora maioria da população do território.

Moscovo enviou tropas para a fronteira com a Ucrânia e acusou Kiev de ter levado a cabo «múltiplas» acções de provocação na «linha de separação» com as forças militares das autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, no Donbass. Ambas as partes se acusaram de violações do cessar-fogo e pela escalada do conflito.

Peskov recordou esta terça-feira que o presidente russo, Vladimir Putin, manteve há alguns dias uma conversa com a chanceler alemã, Angela Merkel, e com o presidente francês, Emmanuel Macron, na qual expôs as preocupações de Moscovo com a situação na Ucrânia e, em particular, com as acções do país vizinho para agravar o cenário de conflito no Sudeste.

Adesão da Ucrânia à NATO não será aceite por quem vive no Donbass

Em declarações à imprensa, Dmitry Peskov disse ainda que o Kremlin tem sérias dúvidas de que a adesão da Ucrânia à NATO a ajude a lidar com os seus problemas internos, tendo sublinhado que, com esse passo, Kiev só irá agravar «a crise», uma vez que a ideia da integração na NATO é «profundamente inaceitável» para os milhões de pessoas que vivem nas autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, refere a TASS.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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A observação de Peskov segue-se à afirmação feita, também esta terça-feira, pelo presidente ucraniano de que «a NATO é a única via para acabar com a guerra no Donbass», na sequência de uma conversa telefónica com o secretário-geral da Aliança Atlântica, Jens Stoltenberg.

Também ontem, o vice-ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Ryabkov, disse à TASS que Moscovo tinha discutido a situação no Donbass com a administração norte-americana, alertando-a para as «consequências das políticas provocadoras de Kiev no Donbass», bem como para «o comportamento cada vez mais desafiante» dos seus apoiantes ocidentais, liderados pelos EUA.

Na segunda-feira, um representante do Departamento de Estado norte-americano afirmou que Washington estava disponível para «interagir» com Moscovo sobre a situação no Leste na Ucrânia. Quanto às movimentações de tropas russas perto da fronteira com a Ucrânia e na Crimeia, considerou-as «credíveis», refere ainda a TASS, e instou a Rússia a não realizar acções «que possam conduzir a uma escalada».

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Na ocasião, Stoltenberg congratulou-se pelo facto de a NATO «ajudar a Ucrânia a concretizar as suas aspirações euro-atlânticas» e prometeu «continuar a desenvolver» a cooperação com este país, e também com a Geórgia, sobre as questões «da segurança no Mar Negro».

Ainda em Bruxelas e também em meados de Abril o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, avistou-se com os ministros dos Negócios Estrangeiros de França, Alemanha, Itália e Reino Unido para proclamar o apoio à «integridade territorial» da Ucrânia; saudou a «contenção de Kiev» perante as «provocações russas» enquanto acusava Moscovo de «retórica incendiária», de multiplicar «ataques na zona de contacto» e de reforçar os dispositivos militares na região.

Enquanto isso, dois cruzadores norte-americanos movimentaram-se em direcção ao Mar Negro para juntar-se aos vastos meios navais e aéreos da NATO já ali presentes; e cinco aviões militares de transporte Hércules C-130 viajaram de Estugarda para Kiev. A Aliança Atlântica, entretanto, criou um centro de treino de tiro de precisão em Mariupol. Recorda-se que um dos episódios fulcrais do golpe Euromaidan foi a utilização de snipers georgianos que dispararam simultaneamente sobre manifestantes e polícias para acelerarem os confrontos e o desfecho «democrático» pretendido pela NATO e a União Europeia.

A Rússia, por seu lado, tem respondido à militarização da Ucrânia pela NATO sob pretexto dos exercícios «Defender Europe 21» com o reforço dos dispositivos militares na Península da Crimeia e na sua fronteira com a Ucrânia, neste caso através da recolocação do importante corpo de pára-quedistas de Pskov.

As razões do fenómeno

Sendo certo que Zelensky não agiu sozinho ao assinar o decreto sobre «reconquistar» a Crimeia poderá levantar-se uma interrogação clássica: porquê agora?

Na verdade, já não resta muito tempo aos Estados Unidos para tentarem alcançar um dos objectivos essenciais dos últimos anos que é o de impedirem a construção do gasoduto North Stream 2 acordado entre a Rússia e a Alemanha para abastecer a Europa de gás natural russo. Os trabalhos estão em fase de conclusão, apesar de várias empresas europeias se terem retirado devido às sanções de Washington, e continuam a ter o apoio da poderosa economia alemã.

«A realização das gigantescas manobras anuais “Defender Europe”, dedicadas aos mares Negro e Báltico e à Ucrânia em particular, definiu a janela de oportunidade própria para Zelensky atear o rastilho de uma situação altamente provocatória, que envolve a movimentação de capacidades nucleares»

Liquidar este projecto de cooperação é, para os dirigentes de Washington, uma via para entorpecer ainda mais as relações entre a União Europeia e Moscovo e, sobretudo, para perturbar gravemente a cooperação especial entre a Rússia e a Alemanha, que se desenvolve claramente à revelia das posições da União Europeia e, sobretudo, da NATO. Enquanto proclama a necessidade de preservar a «integridade» da Ucrânia, Berlim mantém a aposta no gasoduto, incorrendo na reprovação de Washington.

A realização das gigantescas manobras anuais «Defender Europe», dedicadas aos mares Negro e Báltico e à Ucrânia em particular, definiu a janela de oportunidade própria para Zelensky atear o rastilho de uma situação altamente provocatória, que envolve a movimentação de capacidades nucleares. Está implícita nestas movimentações a intenção de transformar a operação provocatória numa situação de tensão permanente a alto nível, terreno propício para os especialistas em criar focos de confronto que povoam a região, sobretudo os enraizados grupos nazis em que assenta a operacionalidade do regime de Kiev.

O presidente russo, Vladimir Putin, tentou deitar um pouco de água na fervura entrando directamente em contacto com o presidente francês e a chanceler alemã alertando-os para os riscos que estão a ser vividos e pelos quais a Europa pagará um preço incalculável se forem levados às últimas consequências. Merkel e Macron, porém, são peixes graúdos da NATO mas não são a NATO.

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Perfil da nova tropa de choque do império

É tudo gente de «boas famílias», bem-parecida e muito fashion, instruída nas melhores universidades, defensora de causas para melhor as adulterar, mas sempre muito polida, com estilo.

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Antes de ser nomeado para secretário da Defesa, o general Lloyd Austin era director da Raytheon, um dos gigantescos consórcios de armamento dos EUA. Na foto, Biden (E) e Austin (C ) no Iraque, em 2011CréditosStaff Sgt. Caleb Barrieau / U.S. Forces Iraq Photo

Intelligence Online, uma newsletter internacional que divulga recados dos serviços secretos ocidentais, publica um curto texto sob o sugestivo título «Biden vai acabar na Síria o que Obama começou». Mais palavras são desnecessárias: a frase vale pelas 10 ou 20 mil palavras de um programa de governo. Ilusões para que vos quero.

Basta passar uma vista de olhos pelo currículo belicista do novo presidente dos Estados Unidos da América, Joseph Biden, para antever uma gestão a condizer, pesem embora os floreados e fogos-de-artifício com que foi celebrada a sua conturbada e controversa eleição. O asfixiante aparelho global de propaganda quis fazer passar ao mundo a imagem branqueadora de que uma nova era começa, estamos perante uma ruptura em relação à tragédia dos últimos quatro anos.

Nada mais enganador. Como diria o último ditador fascista de Portugal, apresentando a sua «primavera», estamos perante uma «evolução na continuidade». Entre Trump e Biden a diferença é de estilo, de polimento, de verniz que tanto agrada à camada bem pensante da comunicação «de referência». A substância é a mesma, com mais globalismo e menos nacionalismo, uma espécie de «América primeiro em todo o lado» em vez de um doméstico «América primeiro».

Antes de ser presidente, Biden foi vice-presidente de Barack Obama e senador durante décadas. Por isso é possível encontrá-lo apoiando vivamente o racismo institucionalizado na sociedade norte-americana – por muito que queiram limpar-lhe a imagem – e guerras imperiais a fio como as invasões de Granada (1983) e do Panamá (1989), a destruição da Jugoslávia com os bombardeamentos de Belgrado (1999), as invasões do Afeganistão (2001) e do Iraque (2003); ou então aconselhando os presidentes democratas e irmanando-se aos presidentes republicanos, de Reagan à família Bush conforme os casos. Não é excessivo lembrar que nestas gestas imperiais para exportar a «democracia», impôr medidas «humanitárias» ou cumprir o mandamento R2P (Responsabilidade para Proteger, uma invenção democrata) não existem diferenças de fundo entre democratas e republicanos, quanto muito praticam-se métodos mais ou menos elaborados de gestão da propaganda de guerra.

Já como vice-presidente, Biden desempenhou papéis de primeiro plano na reactivação da guerra do Afeganistão (2009), na ocupação do Iraque, nas revoluções coloridas que ficaram genericamente conhecidas como «primaveras árabes», nas atrocidades que provocaram a destruição da Líbia, no golpe que levou o fascismo ao poder na Ucrânia (2014) e no lançamento da sanguinária agressão contra a Síria.

É esse trabalho inacabado, o do desmantelamento e destruição da Síria, que Biden se propõe agora concluir como presidente – a crer nos vaticínios da comunidade dos serviços secretos ocidentais. E que serve apenas como exemplo pontual de uma agenda intervencionista à escala global, como é apanágio da bem-falante, neoliberal pura e tecnocrática elite democrata.

Dois sinais imediatos revelam os contornos dessa agenda: o reforço da NATO e o regresso ao activo, mais coisa menos coisa, do esquadrão de dirigentes e assessores das administrações Obama, o presidente que, na história dos Estados Unidos, cometeu mais assassínios extrajudiciais explorando, principalmente, o crescente recurso aos drones.

Aposta em força na guerra

A revalorização da NATO na perspectiva norte-americana é uma consequência esperada do regresso dos democratas ao poder. Expoentes do globalismo neoliberal e da progressiva supressão dos Estados na via para o governo global – meta tão acarinhada pelo seu guru Henry Kissinger – têm numa Aliança Atlântica pluricontinental o instrumento militar transnacional para assegurar a gestão das guerras existentes, sejam os conflitos convencionais ou as guerras frias com a Rússia e com a China, sempre sob comando operacional dos Estados Unidos. Em relação ao gigante asiático, não existem indícios em Washington de um abrandamento do clima de confrontação instaurado por Trump, admitindo-se que possa ter cambiantes eventualmente na frente comercial; na vertente militar não será de excluir um endurecimento, olhando para alguns nomes que integram o esquadrão de dirigentes e assessores de Biden. Quanto ao novo presidente, o mote está dado: tanto Putin como Xi Jinping são «bandidos».

O regresso à NATO, depois da deriva de Trump, será processado, como sempre, sob o comando operacional dos Estados Unidos mas com «partilha de responsabilidades», isto é, através do aumento das despesas militares dos Estados membros – e que já era uma exigência do antecessor de Biden. É grande a satisfação nas chancelarias europeias, principalmente as que respeitam o fundamentalismo atlantista, sentimento ecoado também pela comunicação de «referência», sempre rendida ao «charme» democrata, tão distante e afinal tão próximo da metodologia trauliteira da mais recente versão republicana.

Quanto às despesas militares, não faltará dinheiro aos Estados membros. Do fundo da criatividade dos think tanks democratas surgiu a ideia de criar um banco da NATO, a instituição onde os governos poderão encontrar financiamento para constante «modernização» dos arsenais de guerra e reforço dos lucros dos colossos da indústria militar à custa dos bens dos contribuintes.

Quem é quem na nova administração

A administração de Joseph Biden é nova, mas os seus principais membros nem tanto. Têm origem no núcleo central das administrações Obama, pelo que não surpreende que desejem prosseguir e terminar o que no fundo iniciaram.

O que não pressagia nada de bom para o mundo.

O novo secretário de Estado, a quem compete substituir o fascista e sionista cristão Michael Pompeo, é Anthony Blinken, um «príncipe da diplomacia» para a comunicação bem-falante mas, na realidade, um fanático da confrontação com a Rússia, um defensor da entrega de armas letais ao regime fascista da Ucrânia, um defensor do intervencionismo norte-americano como expressão de «dever moral», um fervoroso «excepcionalista» dos Estados Unidos como nação com o «destino manifesto» de guiar o mundo.

Olhado como um sonhador do «romantismo transatlântico», Blinken desempenhou a função de secretário de Estado adjunto de Obama e nessa qualidade foi determinante para a sangrenta destruição da Líbia, o início da carnificina na Síria e também para o apoio militar e político à Arábia Saudita na agressão ao Iémen – a origem da maior crise humanitária da actualidade. Não lhe faltam também as credenciais como intrépido defensor de Israel: entre as suas primeiras decisões estão as de confirmar tudo o que Donald Trump fez contra o direito internacional em relação a Jerusalém Leste, aos Montes Golã e à colonização dos territórios palestinianos. Também não demonstrou qualquer intenção de «destituir» Guaidó na Venezuela e de abandonar o golpismo contra este país; defende inclusivamente que as sanções sejam «mais efectivas».

Anthony Blinken resumiu assim no podcast Intelligence Matters o seu conceito para lidar com as guerras eternas em curso: «Operações sustentadas, de média dimensão, discretas, talvez realizadas por forças especiais para apoiar actores locais». Trata-se, afinal, de materializar o discurso de posse de Biden e segundo o qual os Estados Unidos se tornaram «a principal força do Bem no mundo».

Apesar de democrata, Anthony Bliken trabalha amiúde com o neoconservador republicano Robert Kagan, autor da bíblia imperial intitulada «Projecto para o Novo Século Americano», usada como referência pelos últimos presidentes norte-americanos independentemente dos respectivos rótulos políticos.

O novo secretário de Estado fez-se rodear por homens e mulheres com inegável pedigree e provas dadas nos tempos de Obama.

Victoria Nuland, por exemplo, mulher do citado Robert Kagan, foi uma figura operacional do golpe na Ucrânia que levou ao poder organizações nazis, por acaso despreza a União Europeia e defende a aceleração e intensificação do confronto com a Rússia. A sua designação é qualificada como uma provocação directa a Vladimir Putin.

Senhores e Senhoras da guerra e dos golpes

Joseph Biden nomeou o general de quatro estrelas Lloyd Austin para secretário da Defesa e chefe do Pentágono. Foi comandante do CENTCOM, o comando norte-americano para as operações no Médio Oriente e chefiou, a partir do Verão de 2010, as tropas de ocupação do Iraque. Para muitos é um «criminoso de guerra». Assumiu posteriormente o comando adjunto das Forças Armadas, no período que coincidiu com as fases iniciais das agressões contra a Líbia e a Síria. Actualmente era administrador da Raytheon, um dos gigantes da indústria de guerra dos Estados Unidos e dos que mais lucra com os conflitos alimentados pelo império.

A designação de Austin foi considerada, apesar de tudo, uma surpresa. A favorita para chefe do Pentágono era uma funcionária imperial por excelência, Michèle Flournoy, recomendada por Hillary Clinton e que se bate, por exemplo, para que os Estados Unidos se armem de maneira a serem capazes de dizimar todos os submarinos, navios de guerra e mercantes chineses no Mar da China Meridional em 72 horas.

Tanto zelo não foi, apesar de tudo, desperdiçado porque Flournoy não ficou longe da esfera do poder Biden. A empresa que fundou juntamente com o actual secretário de Estado Blinken, a Westexec Advisors, foi recrutada para aconselhar o Departamento de Estado sobre o Médio Oriente, em particular a Síria. Teremos, em breve, novidades destas áreas – e não serão boas.

Jack Sullivan, no Conselho de Segurança Nacional, é outra recomendação de Hillary Clinton, esta directamente aceite. Sullivan gosta de brincar com o fogo. Esteve nas decisões que conduziram ao envolvimento da NATO na Líbia em aliança com os terroristas islâmicos – grupos estes que actualmente conduzem os movimentos jihadistas no Mali e no Níger, «justificando» a presença de tropas coloniais nessa região africana. E fez pressão para transformar em confronto assumido entre a Rússia e os Estados Unidos as escaramuças esporádicas ocorridas na Síria entre militares russos e norte-americanos.

Biden nomeou Avril Haines como directora nacional de inteligência, cargo para o qual parece especialmente dotada. Como directora adjunta da CIA, nos tempos de Obama, coordenou o programa de assassínios selectivos com drones cometidos pelo presidente. Censurou o relatório sobre a tortura da CIA apresentado no Senado e tornou-se conselheira presidencial adjunta de segurança nacional, posição em que substituiu o actual secretário de Estado, Anthony Blinken.

Uma das especialidades de Haines tem bastante actualidade. Em 2018, intervindo na Camden Conference, previu o aparecimento a breve prazo de um vírus que afecta o aparelho respiratório humano e que rapidamente se espalharia através do planeta; em Outubro de 2019, poucas semanas antes de identificado o «vírus de Wuhan», foi uma figura central do «Evento 201», uma reunião em Nova York na qual foi simulada a situação decorrente do aparecimento de um coronavírus de fortíssimo contágio e susceptível de matar milhões de pessoas em todo o mundo. A super-espia de Biden alia assim as capacidades de vidente aos reconhecidos talentos operacionais.

William Burns foi colocado à cabeça da CIA. Começou a carreira ainda na administração de Reagan, um republicano de quem Trump tentou seguir o caminho; depois de ter sido embaixador na Rússia foi secretário de Estado adjunto de Obama, precisamente nos períodos das guerras da Líbia, da Síria e do golpe na Ucrânia.

Por falar em CIA e respectivos braços, Samantha Power encabeça agora a USAID (Agência para o Desenvolvimento Internacional), instância que, a coberto da diplomacia, é um instrumento fundamental da ingerência norte-americana nos assuntos de outros países, designadamente as revoluções coloridas e outras operações de mudança de regime. Considerada uma intervencionista de choque, Samantha Power é discípula de Madeleine Albright, com quem se familiarizou na teorização sobre intervenções humanitárias e outras formas de provocar a substituição de governos que caiam em desgraça perante os Estados Unidos.

Madeleine Albright, apesar da sua idade, continua no activo e é uma inspiração para os membros da administração Biden. A sua obra-prima, a destruição sangrenta da Jugoslávia, é o ponto alto dessa referência.

Constelação cintilante

A nova administração norte-americana conta com a activíssima e mediática colaboração da poderosa constelação que manipula a chamada sociedade civil de acordo com os interesses da clique globalista dominante do Partido Democrata. Tratam-se de entidades altamente financiadas, como por exemplo a Human Rights Watch, a Amnistia Internacional e a Freedom House, organizações não-governamentais da área dos «direitos humanos» e que têm como missão branquear as atrocidades cometidas pelos governos dos Estados Unidos nessa matéria.

O financiamento desse universo é assegurado, em parte, pelas principais fundações norte-americanas associadas principalmente ao Partido Democrata, de entre as quais se destacam a Ford, a Rockfeller e outras instituições como o Brookings Institute, o Carnegie Endowment, o New Endowment for Democracy (NED) e também o Fórum Económico Mundial de Davos – o mesmo que prepara o Great Reset, o «grande reinício» do capitalismo à sombra dos efeitos sociais, geopolíticos e geoeconómicos da pandemia de Covid-19.

Com uma influência avassaladora na comunicação social corporativa, este aparelho emanando do vetusto e enraizado Conselho de Relações Externas de que Kissinger foi um dos fundadores, alimenta a ideologia dominante do globalismo neoliberal, desde o capitalismo «verde» aos conceitos distorcidos de guerra e paz, à extinção progressiva da influência dos Estados, a manipulação do desenvolvimento tecnológico e a governação global apresentadas como zénite da evolução «progressista» da sociedade.

Os meios que fabricam a opinião dominante incensam e adoram este aparelho do qual a clique do Partido Democrata é o agente executivo mais influente. É tudo gente de «boas famílias», bem-parecida e muito fashion, íntima de Hollywood e dos meios cor-de-rosa «chic», instruída nas melhores universidades, defensora de causas para melhor as adulterar, mas sempre muito polida, com estilo.

Até parece que as vítimas das carnificinas e dos atentados à democracia que essa elite patrocina através do mundo são elas próprias responsáveis pelas incidências fatais que as atingem.

A administração Biden simboliza tudo isto. Só tem ilusões sobre o seu papel quem não consegue ou não quer escapar à realidade virtual que nos oprime.

José Goulão, Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

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Outra circunstância que favorece o clima de elevada tensão instaurado é a reconstituição, em torno de Joseph Biden agora como presidente dos Estados Unidos, da equipa operacional da estrutura do Partido Democrata norte-americano que montou o golpe ucraniano de 2014 e que fez do regime assim implantado em Kiev um instrumento provocatório ao serviço do expansionismo da NATO e dos desígnios imperiais de Washington.

Anthony Blinken, secretário de Estado norte-americano, ele próprio de origem ucraniana, era membro do Conselho de Segurança Nacional e depois secretário de Estado adjunto no período em que a administração Obama/Biden promoveu o golpe.

Blinken canalizou através de Victoria Nuland, operacional do Departamento de Estado em funções no terreno, os cinco mil milhões de dólares para instaurar «um bom governo em Kiev», como recomendou o actual secretário de Estado.

Nuland esteve em pessoa na Praça Maidan, em Kiev; gravações de conversas nas quais participou dão conta do processo como foram escolhidos os dirigentes ucranianos empossados na ocasião, entre eles alguns quadros de chefia do arreigado sector nazi com passado hitleriano.

O interlocutor de Nuland nessas conversas foi Geoffrey R. Pyatt, actual embaixador dos Estados Unidos na Grécia, de onde dirigiu as operações que criaram, à revelia da vontade popular, um país conhecido como Macedónia do Norte, mais uma parcela da antiga Jugoslávia agora submetida às ordens da NATO e da União Europeia.

Pyatt era embaixador na Ucrânia em 2013/2014. Agora é o titular da diplomacia de Washington na Grécia, país que acolhe os jogos de guerra «Iniochos 21» da NATO, centrados no Mar Egeu e também com participação de tropas israelitas e dos Emirados Árabes Unidos, por sua vez integrados na macro estrutura dos exercícios «Defender Europe 21».

Biden, Blinken, Nuland, Pyatt – a equipa operacional do golpe Euromaidan está de regresso à Ucrânia, dando a ideia nítida de que pretende retomar o que iniciou e levá-lo até às últimas consequências nas fronteiras com a Rússia.

Entretanto, continuamos a ser informados de que tudo está a acontecer por causa da «agressão russa».

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Na sequência dos distúrbios em Kiev, o presidente Yanukovytch foi afastado. Enquanto isso, o embaixador norte-americano Geoffrey R. Pyatt e a subsecretária de Estado, a neoconservadora Victoria Nuland, operacionais do golpe, distribuíam biscoitos aos manifestantes na Praça Maidan, por onde também deambulavam vistosas figuras de instituições europeias, designadamente membros «progressistas» do Parlamento Europeu.

Uma vez imposta a «democracia» na Ucrânia e instalada uma administração sob controlo paramilitar nazi em Kiev, o novo regime instaurou uma guerra civil contra as regiões Leste do país, habitadas maioritariamente por ucranianos de origem e língua russa. Tratava-se de eliminar a influência russa no país para impor um nacionalismo de índole fascista trabalhando pela integração na União Europeia e na NATO.

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Ucrânia volta a assinalar aniversário do nascimento do fascista Bandera

Há vários anos que fascistas e nacionalistas ucranianos realizam marchas de tochas para louvar a figura do colaborador nazi. Em Dezembro, o Parlamento decretou que o dia é feriado nacional na Ucrânia.

Marcha em honra de Stepan Bandera em Kiev
Créditos / Twitter

Milhares de pessoas participaram esta terça-feira em marchas de tochas realizadas em várias cidades da Ucrânia, promovidas por partidos de extrema-direita (Pravi Sektor e Svoboda) e organizações abertamente neonazis (C14 e Natsionalni Korpus) para assinalar o 110.º aniversário do nascimento de Stepan Bandera, líder nacionalista ucraniano e colaborador das SS nazis.

De acordo com a agência TASS, em Kiev, a mobilização, que juntou cerca de 2000 pessoas, contou com a participação de deputados do Parlamento ucraniano, militantes de forças de extrema-direita e representantes das regiões da Ucrânia.

Ao longo do trajecto, os manifestantes exibiram tochas, bandeiras nacionais e de organizações fascistas, e fizeram ouvir «palavras de ordem contra a Rússia», revela a mesma fonte.

Em meados de Dezembro, o Parlamento ucraniano aprovou uma resolução sobre a «comemoração de datas memoráveis e aniversários», em que se inclui o do nascimento de Stepan Bandera. O dia 1 de Janeiro passou então a ser um feriado nacional. Por seu lado a região de Lvov, no Ocidente do país, declarou 2019 como ano de Stepan Bandera.

Bandera, colaborador nazi e herói nacional

Stepan Bandera foi um líder destacado da Organização de Nacionalistas Ucranianos, surgida no final dos anos 20 para lutar pela criação de um Estado ucraniano independente. Com esse objectivo, a sua ala militar – Exército Insurgente Ucraniano (UPA, na sigla ucraniana) – colaborou com as forças nazis, lutando contra polacos e contra o avanço do Exército Vermelho, na Segunda Guerra Mundial.

Estima-se que, entre 1943 e 1944, tenha sido responsável pela limpeza étnica de dezenas de milhares de polacos na região ocidental da Ucrânia – algo que foi reconhecido pelo Parlamento da Polónia, em 2016, como um «genocídio».

Bandera colaborou com os nazis, ajudando a recrutar e a formar unidades de «nacionalistas ucranianos» para combater os soviéticos durante a guerra. Membros do seu movimento são acusados de participar em massacres, nomeadamente de judeus, polacos, comunistas, e de participar na organização de campos de concentração nazis.

No final do conflito mundial, o UPA continuou activo, colaborando com os serviços secretos de vários países ocidentais em actividades contra a União Soviética e contra a Polónia socialista, cujo exército combateu.

Actualmente, Stepan Bandera é visto como um herói nacional da Ucrânia – um estatuto que lhe foi reconhecido em 2010 pelas autoridades do país. Em 2015, já depois do golpe fascista de Fevereiro de 2014 em Kiev, o Parlamento ucraniano passou a considerar as actividades da Organização de Nacionalistas Ucranianos e do Exército Insurgente Ucraniano como «luta pela independência da Ucrânia».

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As tropas de assalto nazis, proclamando-se herdeiras dos terroristas ucranianos que tiveram a seu cargo as chacinas ordenadas por Hitler no início dos anos quarenta do século passado, distinguiram-se pela crueldade nas operações no Leste ucraniano, actuando como esquadrões da morte, onde as populações criaram dispositivos de autodefesa e acabaram por proclamar as Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk.

O regime de Kiev perdeu a guerra, que foi suspensa através dos Acordos de Minsk, assinados em 2015 pelo governo ucraniano e os representantes das recém-criadas repúblicas, sob a égide da Alemanha, da França e da Rússia. Os documentos previam o cessar-fogo, o desarmamento das partes envolvidas e a autonomia dos territórios do Donbass de acordo com leis ucranianas a elaborar de modo a permitir essa solução.

Os cidadãos de origem russa na Ucrânia são considerados de segunda ordem: não podem ensinar nem aprender a sua língua e são discriminados social e administrativamente por falarem russo; meios de comunicação em língua russa são encerrados. A combinação de xenofobia com nazismo na actuação do regime ucraniano nunca preocupou os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia1.

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Combate à glorificação do nazismo com voto contra dos EUA e abstenção da UE

A Assembleia Geral da ONU aprovou, de forma esmagadora, uma resolução que a Rússia apresenta há vários anos contra a «glorificação do Nazismo», que não voltou a contar com o apoio dos países da NATO.

Marcha em honra de Stepan Bandera em Kiev
Marcha em honra de Stepan Bandera em Kiev Créditos / Twitter

Por iniciativa da Rússia, a resolução «Combater a glorificação do Nazismo, Neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada» foi aprovada esta quarta-feira, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com 130 votos a favor, dois votos contra (EUA e Ucrânia) e 51 abstenções (incluindo a de Portugal, de todos os estados-membros da União Europeia e outros países «sérios», como o Reino Unido, que definem o que são eleições «sérias» ou «direitos humanos», e decretam sanções contra «países não sérios»).

A resolução apela aos estados membros da ONU para que aprovem legislação para «eliminar todas as formas de discriminação racial» e expressa «profunda preocupação sobre a glorificação, sob qualquer forma, do movimento nazi, do neonazismo e de antigos membros da organização Waffen-SS».

Neste sentido, refere-se à construção de monumentos e memoriais, bem como à celebração de manifestações públicas em nome da glorificação do passado nazi, do movimento nazi e do neonazismo.

Os apoiantes da resolução mostram-se preocupados com «as tentativas cada vez mais frequentes de profanar ou demolir monumentos erigidos em memória daqueles que combateram o nazismo na Segunda Guerra Mundial, bem como de exumar ou remover os restos mortais dessas pessoas», informa a agência TASS.


O texto da resolução destaca também o alarme da Assembleia Geral das Nações Unidas perante «a utilização das tecnologias de informação, da Internet e das redes sociais, por grupos neonazis, bem como outros grupos extremistas e indivíduos que defendem ideologias de ódio, para recrutar novos membros, visando em especial crianças e jovens».

A Assembleia Geral, refere a TASS, recomenda aos estados que «tomem as medidas concretas apropriadas, incluindo legislativas e educativas (...) para evitar o revisionismo sobre a Segunda Guerra Mundial e a negação de crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos na Segunda Guerra Mundial».

A representação diplomática dos Estados Unidos junto das Nações Unidas, refere a RT, lembrou que vota repetidamente contra a resolução russa, todos os anos, porque se trata de um documento bem conhecido pelas suas tentativas de legitimar as «narrativas de desinformação russa», que «denigrem os países vizinhos sob a aparência cínica de travar a glorificação do nazismo».

Para além disso, afirmou que a resolução é contrária ao «direito de liberdade de expressão», a que também os «nazis confessos» têm direito, tal como estipulado pelo Supremo Tribunal dos EUA.

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Com a cumplicidade dos Estados Unidos, o governo de Kiev recusou-se sempre a aplicar os acordos, por terem sido assinados «sob a força das armas russas». No entanto, logo que Moscovo reconheceu as repúblicas no Donbass e iniciou as operações militares, o regime ucraniano apressou-se a apelar ao regresso à diplomacia. Simultaneamente, o presidente Zelensky iniciou a série de sucessivos e pungentes apelos aos Estados Unidos, à NATO e à União Europeia para que lhe enviassem ajuda militar. Isso não aconteceu: o dirigente ucraniano ficou a saber, da pior maneira, como os seus «amigos» ocidentais tratam aqueles de quem se servem para depois deitarem fora. Ou de como o povo ucraniano não foi mais do que carne para canhão na grande operação de cerco à Rússia pela NATO. Respeito pelos direitos humanos?

Guerra de ideologias?

Muitos politólogos, essa casta que parece ter recebido o privilégio único de interpretar uma ciência oculta como é a política, asseguram que a crise ucraniana e, numa perspectiva mais ampla, o frente-a-frente entre a NATO e a Rússia é fruto de uma luta ideológica.

Ignorância, incompetência, má-fé, de tudo um pouco? Problemas de quem estuda por cartilha única e nada mais existe debaixo do sol.

Uma luta ideológica? Quais são as ideologias que se confrontam quando de um lado estão forças do capitalismo neoliberal e, do outro, forças do capitalismo neoliberal ainda que convivendo com um sistema de arreigadas tonalidades nacionalistas – reforçadas pelo acosso propagandístico e militar estrangeiro?

«O que move estas forças não são ideologias mas interesses, a necessidade de aceder a um bolo planetário que uma parte, a colonial, exige na íntegra; e a que a outra pretende igualmente chegar[...]. O que está na raiz dos momentos que o mundo atravessa, e que representam uma ruptura com o passado recente, de poder tendencialmente globalista, é a quebra da unipolaridade Estados Unidos/NATO/União Europeia»

Nome do Autor, breve descrinção

Trata-se de um confronto entre forças anticomunistas dos dois lados da barricada, como os mais recentes discursos de Vladimir Putin bem demonstram. O Ocidente vê-se ao espelho quando olha para a Rússia de Putin, mas a arrogância e o ego elitista fazem com que não se reconheça.

O que move estas forças não são ideologias mas interesses, a necessidade de aceder a um bolo planetário que uma parte, a colonial, exige na íntegra; e a que a outra pretende igualmente chegar, traduzindo afinal o confronto entre unipolaridade e multipolaridade – a que a China se junta.

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Guerra da Ucrânia. Não em nosso nome

Os povos russo e ucraniano têm direito a viver em paz. É preciso acabar com esta guerra fraticida.

Crianças do Dombass há muito que não têm paz. 
CréditosDR / DR

Conta-se que perguntaram uma vez a Roosevelt a opinião que tinha do ditador nicaraguense Anastasio Somoza. O dirigente dos EUA respondeu sem dúvidas: «É um filho da puta, mas é o nosso filho da puta». É preciso esclarecer que Putin tem muito destas características, mas não é nosso.

Os comunistas não têm nada que ver com a dinastia que nasceu com Ieltsin, de quem Putin é herdeiro político, e com a destruição da União Soviética. O poder dos oligarcas que se estabeleceu depois da destruição do socialismo real é um regime capitalista neoliberal em que a riqueza dos oligarcas faz-se à conta da miséria da maioria da população. A subida destes governantes ao poder na Rússia teve o apoio precioso e por vezes determinante das várias administrações dos Estados Unidos da América e dos governos cúmplices da União Europeia.

Putin tem razão quando diz que as nações na União Soviética ganharam estados e uma forte existência política e cultural com a Revolução de Outubro. Lenine e os outros dirigentes revolucionários perceberam que a revolução socialista só era possível no Império Russo, se conseguisse dar liberdade política e cultural às nações subjugadas pelo Império Russo. Que não era possível libertar a classe operária e os camponeses russos sem libertar os povos do império da subjugação colonial. Nesse sentido, é possível dizer que a actual Ucrânia deve muito a Lenine e aos demais revolucionários. Mas isso não faz da Ucrânia um país artificial. São os povos que decidem constituir as nações. Nem Putin pode declarar a inexistência da Ucrânia, nem o presidente dos EUA, Joe Biden, pode declarar que os povos do Donbass não têm direito a decidir a forma da sua organização política.

Os comunistas não têm nenhuma simpatia pelo actual governo ucraniano, herdeiro de um golpe de Estado apoiado pela NATO e que teve como principais medidas: a proibição do Partido Comunista Ucraniano, a perseguição dos falantes de língua russa (grande parte da população), o encerramento dos canais de televisão em língua russa e a integração dos batalhões neonazis nas forças armadas ucranianas. Os comunistas não esquecem os 50 homens, mulheres e crianças queimados vivos, em 2 de Maio de 2014, na casa dos Sindicatos de Odessa, por essas milícias neonazis. Não perdoam os sucessivos massacres e bombardeamentos à população do Donbass. Mas isso não significa apoiar uma invasão imperialista da Ucrânia.

Esta escalada de guerra não começou hoje e não é independente da promoção do golpe de Estado de 2014, que derrubou o governo, corrupto, mas eleito da Ucrânia. Nem este clima de confrontação pode ser desligado da escalada militarista da NATO e do crescente cerco por bases militares ao território da Rússia. Os ucranianos têm o direito de viver em paz, como os russos têm o direito de não serem cercados por bases militares e rampas de lançamento de mísseis hostis.

A acção militar promovida por Putin e o seu grupo apenas conduz à morte de pessoas inocentes e ao reavivar da NATO nos restantes países da Europa.

Mas a paz na Ucrânia, a autodeterminação de todos os povos da região só é possível com a paz e com estados democráticos libertos das amarras dos autocratas ucranianos e russos. Só a democracia e o socialismo podem combater a cegueira dos nacionalismos promovidos pelos autocratas capitalistas desses países.

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O que está na raiz dos momentos que o mundo atravessa, e que representam uma ruptura com o passado recente, de poder tendencialmente globalista, é a quebra da unipolaridade Estados Unidos/NATO/União Europeia através do aparecimento de mais duas potências com uma escala de intervenção em crescendo e rivalizando na capacidade de estar presentes através do mundo na disputa de vias de comunicação, matérias-primas, mecanismos regionais e continentais de integração, desenvolvimento tecnológico e militar. Neste quadro não existem hoje dúvidas de que os donos disto tudo estão a perder privilégios que supunham eternos.

Os movimentos em curso arrasam também a chamada doutrina Wolfowitz, do então secretário da Defesa norte-americano, Paul Wolfowitz, que em 1992, logo imediatamente a seguir ao desaparecimento da União Soviética, postulou a necessidade de impedir que surgisse uma outra grande potência capaz de rivalizar com os Estados Unidos. Na altura, a formulação visava, imagine-se, a União Europeia, que não poderia jamais atingir condições que lhe permitissem disputar espaços, bens e poder com a potência imperial. A União cresceu, chegou até aos 28 membros, mas nunca deu qualquer razão para os receios de Wolfowitz. Os súbditos continuam no redil, mais mansos e obedientes hoje do que nunca.

Afinal os oligarcas russos que manobram o poder em Moscovo entendem que não podem ficar atrás dos oligarcas ocidentais como Gates, Bezzos, Musk e vários outros que tais, enriquecendo a um ritmo cada vez mais vertiginoso.

Uma coisa parece certa: a Europa pagará a factura mais elevada do efeito de boomerang das sanções à Rússia e ainda as consequências das contra-sanções que Moscovo diz estar a preparar. Como sempre, da mesma maneira que nos casos de guerra, os Estados Unidos serão menos prejudicados pela situação e ainda farão excelentes negócios com a venda de gás natural liquefeito (GNL) aos países europeus submetidos à crise energética e alegremente conformados – até satisfeitos – com a extinção do projecto, já concluído, do gasoduto Nord Stream 2 entre a Rússia e a Alemanha. Situação que o vice-presidente russo Medvedev comentou assim dirigindo-se aos europeus: «Bem-vindos ao corajoso mundo novo: dois mil euros por mil metros cúbicos de gás».

Extinção de mitos

Dois mitos que servem de pilares à propaganda ocidental ruíram fragorosamente nestes dias.

Um deles dizia-nos que Putin, oriundo no seu passado das fileiras do KGB, pretenderia recriar a União Soviética, pelo que os seus comportamentos se inseriam nessa estratégia. Se dúvidas houvesse, o seu famoso discurso sobre o reconhecimento das repúblicas do Donbass deixou tudo em pratos limpos. A Rússia é a campeã da «descomunização» e tem muito a ensinar à Ucrânia nessa matéria, foi mais ou menos o que Putin disse. Recorda-se que a oligarquia russa no poder condena de maneira veemente a submissão «a ideologias estrangeiras» no período soviético e o facto de, nessa altura, a Rússia ter sido governada por «não-russos» que obrigaram o país a sustentar as outras repúblicas da União, designadamente a Ucrânia.

«[São] completamente destituídas de sentido as teorias sobre a suposta intenção de Moscovo de restaurar «o imperialismo soviético». De facto, o que inspira Putin e os círculos oligárquicos que gerem o seu país é a velha «alma russa», a herança cultural, religiosa e social da Grande Rússia, a Grã-Rússia imperial de matriz czarista. Uma espécie de neoconservadorismo rendido ao neoliberalismo económico e com um elitismo recuperado susceptível de degenerar em arrogância, sobretudo quando sente necessidade de responder à arrogância ocidental»

Daí que sejam completamente destituídas de sentido as teorias sobre a suposta intenção de Moscovo de restaurar «o imperialismo soviético». De facto, o que inspira Putin e os círculos oligárquicos que gerem o seu país é a velha «alma russa», a herança cultural, religiosa e social da Grande Rússia, a Grã-Rússia imperial de matriz czarista. Uma espécie de neoconservadorismo rendido ao neoliberalismo económico e com um elitismo recuperado susceptível de degenerar em arrogância, sobretudo quando sente necessidade de responder à arrogância ocidental.

Dizer que Putin «tem nostalgia da URSS», como escreveram por cá estenógrafos de manga-de-alpaca actuando como «jornalistas», é um disparate até como meio de agitação e propaganda porque só consegue enganar quem deseja mesmo ser enganado.

A oligarquia transnacional globalista entrou em estado de choque porque percebeu que tem na Rússia um rival à altura, o qual, como agora deixou claro, não está disponível para se submeter. Um rival bem mais imprevisível que a União Soviética, o que nada tem de tranquilizador quando do outro lado está gente em posições de comando e para quem a utilização de armas de extermínio massivo não é tabu.

O desastre ambulante que é o ministro Santos Silva diz-se alarmado porque a intervenção russa na Ucrânia «põe em causa a ordem mundial».

Por uma vez, excepção que confirma a regra, o senhor das Necessidades que parece ter gabinete em Washington está cheio de razão.

Há uma nova ordem mundial em gestação, de carácter multilateral, mas Portugal e os portugueses parecem condenados, pelo alinhamento internacional dos seus dirigentes e apesar da Constituição da República, a ficar amarrados à velha ordem e a políticas que se viram contra os interesses do país. Por isso lá vão mais 1500 militares portugueses para cenários envolventes de uma guerra com a qual Portugal nada tem a ver, contribuindo com mais carne para canhão ao serviço de interesses alheios, além de pagar os custos de sanções e contra-sanções de um antagonismo alimentado artificialmente.

Existe muito mais mundo para lá da Europa. Entidades de integração regional como a União Económica Euroasiática, inicialmente dinamizada pela Rússia, a Organização do Tratado de Segurança Colectiva, a Organização de Cooperação de Xangai, os BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a recentemente instituída União Comercial do Sudeste Asiático, a Iniciativa Cintura e Estrada – chamada também «a nova rota da seda» – promovida pela China são exemplos de convergências que envolvem a esmagadora maioria da população do mundo e que têm incidência crescente em regiões até muito distantes, sobretudo do imenso Sul Global ainda em défice de desenvolvimento. E que funcionam muito mais em sistemas de cooperação do que de dependência e submissão.

Esta poderosa realidade, que é inexistente para quem vive sob a tutela da informação corporativa, tem uma dinâmica inimaginável e poderá ser preponderante na economia mundial talvez mais cedo do que seria de supor.

A partir de agora a Rússia orientar-se-á muito mais para Oriente, virando gradualmente as costas ao Ocidente, o que nada terá de favorável para a Europa apesar de o comportamento irresponsável e arrogante dos dirigentes continentais fazer crer o contrário.

O fiel do equilíbrio de forças está a deslocar-se para o Oriente, a um ritmo notável, enquanto a Europa, arrastada por um militarismo sugando recursos que existem e mesmo os que não existem, mergulha cada vez mais fundo na crise económica, energética, tecnológica, ambiental e, inevitavelmente, social.

A Europa pode estar a caminhar para um destino inquietante para todos os que nela vivem: o de se transformar numa península ocidental quase irrelevante da grande massa continental euroasiática.

José Goulão, Exclusivo AbrilAbril

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A única Rússia aceitável será a gerida por um fantoche do género de Boris Ieltsin. Caso contrário, como não é segredo para ninguém depois de declarações feitas em Washington e Bruxelas, terá de haver uma mudança de regime em Moscovo ou então a balcanização do território russo, a exemplo da Jugoslávia, em numerosas entidades. De acordo com planos elaborados nos Estados Unidos, o desmembramento daria origem a um número de «estados independentes» entre quatro e vinte. O caso da Chechénia, onde o Ocidente, mais uma vez, lutou através de interpostos fundamentalistas islâmicos, é um exemplo dessa estratégia, ainda que o tiro tenha saído pela culatra.

O comportamento ocidental de hoje em relação a Moscovo leva-nos a crer que os dirigentes norte-americanos e da União Europeia pretendem finalmente cumprir a missão onde Hitler falhou: destruir a União Soviética/Rússia. Esse objectivo, afinal, não surpreende tendo em consideração que os principais dirigentes ocidentais apenas se envolveram seriamente na aliança anti-Hitler depois de as tropas nazis terem sido derrotadas pela União Soviética, que pagou o dramático preço de 26 milhões de vidas humanas. No fundo, a vertente ocidental torceu para que as tropas de Hitler desmantelassem a União Soviética. Da mesma maneira que hoje os dirigentes britânicos, norte-americanos e da União Europeia pretendem apagar da história o papel fundamental soviético na derrota nazi. Só, aliás, um olhar contemplativo e compreensivo sobre o nazi-fascismo, que não é só de hoje, permite aos donos da democracia que apostam tudo na vitória da Ucrânia ser cúmplices da ditadura com contornos nazis instalada em Kiev.

A guerra entre a NATO e a Rússia travada, por enquanto, no território da Ucrânia, é existencial também para o próprio império norte-americano e sua vertente colonial/«civilizacional» europeia. Uma derrota militar da NATO poria em causa a própria existência da organização, o domínio norte-americano sobre o mundo exercido com base num imbatível poder do terror militar e liquidaria a «ordem internacional baseada em regras» imposta de Washington à custa da marginalização do direito internacional.

«No fundo, a vertente ocidental torceu para que as tropas de Hitler desmantelassem a União Soviética. Da mesma maneira que hoje os dirigentes britânicos, norte-americanos e da União Europeia pretendem apagar da história o papel fundamental soviético na derrota nazi.»

Isto é, a vitória da Rússia sobre a NATO liquidaria a ordem mundial unipolar e abriria as portas a uma ordem multipolar – ou mesmo sem qualquer polaridade, funcionando as relações internacionais entre nações soberanas com direitos equivalentes. Anote-se a quantidade de vezes em que o presidente norte-americano, um mero instrumento dos neoconservadores bipartidários, acusa a Rússia, neste caso com razão, de pretender alterar a ordem mundial. É realmente isso que está a acontecer e que se consumaria com uma derrota da NATO perante Moscovo.

A Rússia não aceita perder a sua soberania e dissolver-se às mãos do império; e o império pretende continuar a mandar no mundo, a caminho de um globalismo de índole totalitária, sem quaisquer potências a perturbar esse novo «fim da história» – o neoliberalismo reinando sobre uma massa universal de seres humanos robotizados. A imposição da propaganda terrorista para disseminar a opinião única sobre a guerra na Ucrânia é, como se percebe, um exercício concreto dessa robotização.

Um frente-a-frente existencial: o que esteve latente durante a guerra fria, e nunca pôs de lado a diplomacia e as negociações, é substituído por um outro em que as armas, incluindo as de extermínio, não deixam espaço para qualquer alternativa. Cada uma das partes aposta a vida dos seus povos numa vitória militar, custe o que custar. Negociar e fazer a paz não lembra a ninguém

Uma situação limite como esta jamais aconteceu no mundo. Somos passageiros de uma nave conduzida por loucos.

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