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O sonho dos EUA de gozar de segurança no Iraque jamais será uma realidade

A Comissão de Coordenação da Resistência Iraquiana desconfia da seriedade dos EUA quanto à retirada das tropas do país árabe, sublinhando que o «sonho americano» da segurança no Iraque é uma «ilusão».

Coluna militar das Unidades de Mobilização Popular iraquianas (Hashd al-Shaabi, em árabe), que têm combatido o Daesh, tanto no Iraque como na Síria, ao lado do Exército Árabe Sírio 
Créditos / PressTV

«É para nós cada dia mais claro que as forças de ocupação norte-americanas não levam a sério o cumprimento […] de implementar a resolução do Parlamento relativa à sua retirada», disse a Comissão num comunicado emitido esta terça-feira.

Os deputados iraquianos votaram a favor da retirada do país árabe das tropas norte-americanas e das demais forças por elas comandadas, no dia 5 de Janeiro de 2020, dois dias depois de Washington ter assassinado, nas imediações do aeroporto de Bagdade, o general Qassem Soleimani, comandante da Força Quds dos Guardiães da Revolução Islâmica iraniana, e Abu Mahdi al-Muhandis, subcomandante das Unidades de Mobilização Popular iraquianas (UMP; Hashd al-Shaabi, em árabe).

No comunicado, os grupos da resistência iraquiana afirmam que esperaram até agora para dar mais uma oportunidade às forças norte-americanas de deixarem o país, tal como exigido pela lei.

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A fraude da «guerra contra o terrorismo»

Em 20 anos dessa operação multifacetada e transnacional o terrorismo, sobretudo o de fachada «islâmica», não apenas se enraizou e organizou como alastrou através do planeta.

Uma viatura militar norte-americana na província de Hasaka (Nordeste da Síria), em Novembro de 2018 
Créditos / PressTV

A «guerra contra o terrorismo» foi declarada em 2001 pelo então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, juntamente com a NATO, a União Europeia e outras instituições internacionais satelitizadas por Washington, alegadamente na sequência dos ainda muito mal explicados atentados de 11 de Setembro do mesmo ano; sabe-se hoje que alguns dos conflitos abertos a partir daí, designadamente as invasões do Afeganistão e do Iraque, estavam programados antes da catástrofe de Nova Iorque, pelo que esta foi um pretexto mas não a causa.

Em 20 anos dessa operação multifacetada e transnacional, que entretanto em 2014 o presidente Barack Obama rebaptizou como «guerras ultramarinas de contingência», o terrorismo, sobretudo o de fachada «islâmica», não apenas se enraizou e organizou como alastrou através do planeta, com especial incidência em África mas também no Cáucaso, na Ásia Central e outras regiões asiáticas como a província chinesa do Xijiang. Além do Afeganistão e do Médio Oriente, onde o fenómeno nasceu.

Em suma, a «guerra contra o terrorismo» agravou o fenómeno que prometeu combater. Nasceu como uma fraude.

«Os Estados Unidos e o Reino Unido nunca esconderam a participação na génese da versão actual do terrorismo islâmico, nos anos oitenta do século passado, reactivando na altura antigos instrumentos usados por Londres durante o Império Britânico, como o salafismo no Afeganistão e a Irmandade Muçulmana no Egipto»

Não se inclui no conceito de terrorismo contra o qual terá sido declarada a «guerra» a manifestação de terror mais determinante para a desordem mundial em que vivemos e cujas práticas e designação têm vindo a ser silenciadas ou mesmo abolidas pelas centrais mediáticas internacionais: o terrorismo de Estado.

Esta forma de violência, institucionalizada com a cobertura de entidades que deveriam zelar pela paz e o direito internacional, como por exemplo a ONU, acaba por ser responsável pelo terrorismo com outras chancelas, entre elas a «islâmica», com as quais é frequentemente conivente, utilizando-as consoante os seus objectivos e as regiões a controlar.

Uma história factual

Quando se iniciou a «guerra contra o terrorismo», entendida praticamente como uma guerra contra a al-Qaeda – considerada, sem provas, como responsável pelos atentados de 11 de Setembro – o terrorismo de fachada «islâmica» manifestava-se essencialmente no Afeganistão, nos Balcãs – aqui em aliança com a NATO na operação de destruição da Jugoslávia – em bolsas de oposição em alguns dos mais poderosos países do Médio Oriente e também na Palestina: o Hamas (braço da Irmandade Muçulmana egípcia) é um movimento que começou por ser reactivado por Israel (contra a OLP) durante o primeiro Intifada, a chamada «revolta das pedras», em 1988.

A generalidade dos grupos fundamentalistas islâmicos actuando na altura tinham declaradamente o dedo das principais potências ocidentais em colaboração com as petroditaduras terroristas do Golfo, sobretudo a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Qatar.

Tudo leva a crer, pela evolução das circunstâncias ao longo das últimas duas décadas, que essas ligações não foram cortadas, ainda que possam ter adquirido outras formas de actuação onde, contudo, a violência e a crueldade continuaram sempre presentes.

Os Estados Unidos e o Reino Unido nunca esconderam a participação na génese da versão actual do terrorismo islâmico, nos anos oitenta do século passado, reactivando na altura antigos instrumentos usados por Londres durante o Império Britânico, como o salafismo no Afeganistão e a Irmandade Muçulmana no Egipto. A Irmandade Muçulmana, como movimento político-religioso enraizado através do mundo islâmico, deve considerar-se a entidade da qual emanaram todas as variantes terroristas «islâmicas» de índole sunita em actuação – embora esses grupos possam considerar-se, essencialmente e cada vez mais, organizações mercenárias.

Nem a história oficial servida pelos media corporativos consegue esconder que os Estados Unidos, o Reino Unido e a Arábia Saudita criaram os mujahidines no Afeganistão, grupos selváticos com práticas medievais cuja principal missão era combater o apoio militar soviético à República Democrática do Afeganistão, a forma de governo que até hoje mais fez pelo país, incluindo o reconhecimento dos direitos das mulheres.

Dos mujahidines, considerados no Ocidente como «combatentes da liberdade» e recebidos como tal pelo presidente norte-americano Ronald Reagan na Casa Branca, emanou o universo de grupos terroristas «islâmicos» que actuam hoje do Afeganistão e do Kosovo, onde governam, a Cabo Delgado em Moçambique, atravessando o Médio Oriente, parte da Europa, a Ásia e a África.

A partir dos mujahidines afegãos formou-se a al-Qaeda (a «rede» de mercenários) sob a gestão directa de Ossama bin Laden, oriundo de uma das principais famílias de magnatas da Arábia Saudita e com ligações de parentesco à casa real, que cumpriu a missão sob o comando da CIA e a colaboração dos serviços secretos britânicos, sauditas e paquistaneses.

Estes são, como se disse, elementos factuais de uma história que não é negada pelos próprios instrumentos de propaganda ocidental que gerem o universo mediático, formando a opinião da grande maioria das populações do planeta.

Ligações que não se desfazem

Observando a realidade internacional hoje existente, a «guerra contra o terrorismo» nasceu como um combate ficcionado entre os criadores e as criaturas. As potências ocidentais, com os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Europeia à cabeça, propuseram-se assim exterminar, para consumo da opinião pública, a rede terrorista a que tinham dado origem, invocando alegadamente a sua responsabilidade pelos atentados de 11 de Setembro de 2001.

Inicia-se assim uma longa e trágica história, assente em razões falsas, na qual se sucedem episódios que seriam estranhos se não se suspeitasse – e rapidamente confirmasse – que nunca foi intenção de Washington e seus satélites erradicar a teia terrorista «islâmica» mas sim adaptá-la e utilizá-la para provocar guerras, intervenções político-militares, destruição de Estados independentes, operações de rapina de recursos naturais, guerras civis, golpes de Estado.

A al-Qaeda e os seus vários ramos regionais, a al-Nusra, o Isis, Daesh ou Estado Islâmico, o Hayat Tharir al-Sham, os Talibã são designações de grupos terroristas «islâmicos», «radicais» ou «moderados» conforme as conveniências semânticas, os quais, apesar das divergências pontuais assentes sobretudo em questões pessoais, tribais, de influência regional e de escolas religiosas, em última análise não contrariam ou servem mesmo os interesses ocidentais. Os casos do Iraque, da Síria, da Líbia, do Iémen, da Somália, do Sudão, dos Balcãs, da África Central, da província chinesa do Xijiang não necessitam de explicações muito profundas para se perceber que a guerra entre os criadores e as criaturas serviu muito bem a ambos os lados durante os últimos 20 anos.

De exemplo em exemplo

Vale a pena, apesar disso, repescar alguns exemplos que ilustram cumplicidades que parecem ser estranhas apenas para quem é crédulo, ingénuo ou está plenamente à mercê da propaganda mediática.

«Os monstros entretanto criados funcionam como activos de operações clandestinas ao serviço de grandes potências. E os que dizem combater o terrorismo não têm rebuço em recorrer aos seus préstimos quando é impossível assumir perante a opinião pública a prática de atrocidades que contradizem lamentavelmente os discursos sobre direitos humanos, democracia, libertação dos povos e objectivos humanitários»

Abu-Bakr al-Baghdadi foi um dos fundadores do Estado Islâmico, Isis ou Daesh, uma obra que concretizou depois de ter saído de uma prisão norte-americana no Iraque. Pouco tempo depois a sua imagem foi captada numa reunião secreta ilegal realizada em território sírio entre chefes terroristas e o senador fascista norte-americano John McCain, sempre muito bem relacionado com a Casa Branca independentemente do presidente. O Isis surgiu praticamente do nada em 2014; com uma surpreendente dinâmica arrasadora, atravessou o Iraque quase sem oposição do novo exército deste país, cuja formação custara centenas de milhões de dólares aos contribuintes norte-americanos, praticando inenarráveis massacres de dezenas milhares de pessoas a partir de uma espampanante frota de centenas de pickups Toyota novinhas em folha e só se detendo quase às portas de Bagdade. Na Síria, o Isis conseguiu controlar uma vasta região onde se situam os principais recursos petrolíferos do país, com a capital em Raqqa. Quando o exército regular sírio, com apoio russo, libertou Raqqa muitos dos mercenários do Isis e respectivas famílias foram salvos e evacuados em operações supervisionadas pela CIA, deslocados sobretudo para o Afeganistão.

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Daesh: a história escondida

Não restam hoje dúvidas de que a estrutura mercenária do Daesh funciona como um corpo clandestino do Pentágono, da própria NATO, no quadro da privatização crescente das operações militares nos campos de batalha.

Comboio de veículos e combatentes do chamado Estado Islâmico do Iraque e da Síria (Daesh), em rota na província de Anbar, Iraque. The Washington Times, 10/09/2014.
CréditosNão creditado / AP

Derrotado, mas não liquidado. O Estado Islâmico ou Daesh, por certo a organização criminosa de maior envergadura montada sob a fachada do «extremismo islâmico» para servir nas guerras de agressão e expansão lançadas este século, capitulou às mãos dos exércitos iraquiano e sírio, reforçados com o apoio de forças militares russas chamadas pelo governo legítimo de Damasco. Não, a chamada «coligação internacional anti-Daesh», comandada pelo Pentágono, nada teve a ver com o desfecho, antes pelo contrário, exceptuando o caso da sangrenta reconquista da cidade de Mossul, no Iraque.

Tornado ineficaz em termos de consolidação dos objectivos que originalmente lhe foram estabelecidos, designadamente o desmembramento do Iraque e da Síria e a remodelação das fronteiras estabelecidas no primeiro quartel do século XX naquela região do Médio Oriente, o Daesh está a ser reciclado para novas funções, definidas de acordo com os interesses transnacionais e globais de quem mais se tem servido dele, em primeiro lugar o Pentágono e a NATO.

Do «Califado» instaurado durante o ano de 2014 em territórios sírios e do Iraque, com centros nevrálgicos em Raqqa, Deir ez-Zor, Bukamal e Mossul, já nada resta para aquartelar os seus efectivos monstruosos: 240 mil mercenários com mil e uma origens, congregados sob as bandeiras do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (Daesh na sigla árabe). Entre esses, é bastante provável que os membros do contingente de 80 mil antigos soldados do exército de Saddam Hussein recrutados pelas forças norte-americanas de ocupação do Iraque, no âmbito da estratégia para criação de um «Sunistão» que concretizasse a divisão dos territórios do Iraque e da Síria, regressem às suas regiões de origem.

«Reciclar»: quem, onde, como

Mas restam dois terços dos terroristas para «reciclar». Começam, porém, a conhecer-se alguns dos seus destinos. Chefes do Daesh estão a ser «amnistiados» pela Unidade de Protecção do Povo (YPG), uma organização curda actuando no Norte da Síria sob enquadramento do Pentágono, como via para integrar unidades de jihadistas nas «forças de segurança» das novas «fronteiras» regionais. Como a administração Trump vetou a criação desse corpo – no quadro da discordância entre a França e os Estados Unidos sobre a essência do projecto «Rojava» – os terroristas derrotados aguardam ainda a definição das novas funções, acampados à saída da base de Kasham, recinto militar ao serviço da ocupação norte-americana. É nesta espécie de limbo que os mercenários do Daesh transitam da condição de extremistas islâmicos ao serviço da jihad para gendarmes de causas que se afirmam laicas e são também atlantistas.

A reciclagem de outros efectivos do Daesh compete à ditadura de Erdogan na Turquia. Os mercenários estão a ser reintegrados no «Exército Livre da Síria», entidade fundada por potências da NATO no início da agressão ao povo e ao território sírio, em 2012, segundo a fábula de que se destinava a acolher os desertores do Exército Nacional, colocando-os ao serviço da «oposição». Na verdade encheu-se de jovens recrutados em todo o mundo árabe e também nos subúrbios de grandes cidades europeias; e que, enquadrados agora pelo exército de Ancara, combatem na região síria de Afrin contra os curdos da YPG e, por extensão, contra muitos mercenários que, até há dias, eram seus correligionários debaixo das bandeiras do Daesh. Destapando assim, por outro lado, um estranho cenário de confronto directo entre dois membros da NATO.

Outros mercenários do derrotado Estado Islâmico estão a ser transferidos para países como o Afeganistão, a Índia, o Bangladesh e Myanmar. As operações de resgate na Síria são efectuadas por aviões da Força Aérea norte-americana, que os transportam numa primeira etapa para o Afeganistão, de acordo com informações transmitidas pelo Irão à Rússia.

Já é possível conhecer funções que lhes serão distribuídas na Índia, uma vez integrados nas milícias hindus do partido nacionalista BJP do primeiro-ministro Narendra Modi, as mesmas que assassinaram o Mahatma Gandhi. Terroristas que ainda há dias fuzilavam e decapitavam em massa ao serviço da jihad ou «guerra santa» islâmica vão agora combater os rebeldes muçulmanos de Cachemira.

No Afeganistão, admite-se que alguns dos «desmobilizados» do Daesh integrem as operações de tráfico de ópio e heroína que o ex-presidente Hamid Karzai, um dos barões de tão rentável negócio monopolista à escala mundial, transferiu das máfias kosovares para o Estado Islâmico e suas redes europeias e africanas.

Como se percebe, esta reciclagem diversificada abre novos ciclos, sem fechar os objectivos que os criadores e mentores do Daesh definiram para o ciclo anterior. A partilha do Iraque não está consumada, embora o Curdistão se considere independente – porém não reconhecido internacionalmente. E o governo legítimo da Síria continua em funções, embora parcelas do território estejam ocupadas por extensões da NATO, com base até em limpezas étnicas – como aconteceu no Norte, onde as vítimas foram comunidades cristãs e árabes expulsas à força para deixar espaço aos curdos da YPG.

Por outro lado, estes acontecimentos permitem conhecer melhor os episódios soltos que escrevem a história sangrenta do Daesh, de maneira a compor o sinistro quebra-cabeças desta operação terrorista que está na origem de uma carnificina próxima de um milhão de mortos.

A verdade sobre a origem do Daesh

Corria o ano de 2006. Três anos depois da invasão do Iraque, a Casa Branca e o Pentágono desesperavam perante a mobilização dos iraquianos contra a ocupação, apesar do colaboracionismo dos mais altos dirigentes, confinados ao quarteirão do poder em Bagdade definido pela chamada Linha Verde.

John Negroponte, embaixador norte-americano em Bagdade, depois director nacional de espionagem e um especialista em operações subversivas clandestinas, decidiu então traçar uma estratégia para minar a resistência iraquiana. É muito rico o currículo do experiente embaixador, espião e conspirador Negroponte: por exemplo, assassínios selectivos no Vietname (Operação Phoenix da CIA); organização da guerra civil em El Salvador; montagem da operação Irão-Contras para tentar reverter a Revolução Sandinista na Nicarágua; liquidação da revolução de Chiapas no México.

Financiada e treinada pelo Pentágono, a organização terrorista sunita assim criada, enquadrada pela polícia especial («Brigada dos Lobos»), foi baptizada como Exército Islâmico no Iraque e ficou nominalmente a ser dirigida por Abu Bakr Al-Baghdadi, mais tarde o «califa» do Daesh, até que as armas russas puseram termo aos seus dias em território sírio. Em termos gerais, John Negroponte recorreu ao princípio básico de dividir para reinar, lançando sunitas contra xiitas e espalhando o terror entre as populações civis. No campo sunita, baseou-se na estrutura da Al-Qaida no Iraque para formar uma coligação tribal islamita. Requisitou os serviços do coronel James Steele, que colaborara com ele em El Salvador, e este recrutou os futuros dirigentes do grupo no campo de concentração de Bucca; organizou depois a sua formação na tristemente célebre prisão de Abu Ghraib, onde foram submetidos a métodos de lavagem cerebral elaborados pelos professores Albert Biderman e Martin Seligman, também usados em Guantánamo. A preparação dos chefes terroristas em métodos de tortura seguiu, por sua vez, os cânones experimentados na polícia política da Formosa, onde Steele leccionou, e na Escola das Américas, instrumento de elite para instrução dos aparelhos repressivos das ditaduras fascistas latino-americanas.

Com a chegada do general David Petraeus ao Iraque para chefiar a ocupação norte-americana, a nova milícia tornou-se uma unidade do regime. O coronel John Coffman foi agregado ao trabalho de Steele, respondendo directamente perante Petraeus; e o diplomata Brett McGurk ficou destacado para assegurar a ligação permanente do próprio presidente George W. Bush ao processo. Apenas dois anos depois de ter participado, com elevadas responsabilidades, na criação e condução do Estado Islâmico no Iraque o diplomata Brett McGurk foi designado como enviado especial do presidente Obama para supervisionar a chamada «coligação anti-Daesh».

O grupo extremista que deu corpo à ideia de Negroponte cumpriu a sua missão na guerra civil e foi muito aplicado na estratégia – ainda que falhada - de criação do «Sunistão» que partiria o Iraque em três zonas, juntamente com a curda e a xiita.

Em Abril de 2013, quase um ano depois de as principais potências da NATO e as petroditaduras do Golfo terem lançado a «Operação Vulcão em Damasco e Sismo na Síria» para desmantelar este país, já o Estado Islâmico no Iraque estava presente em operações de desestabilização desenvolvidas em território sírio; por isso, ampliou a sua designação para «e no Levante» (completando a sigla Daesh). No mês seguinte, guiado por uma associação sionista norte-americana, a Syrian Emergence Task Force, o senador direitista John McCain, um dos principais conselheiros de Obama para o Médio Oriente, avistou-se clandestinamente com dirigentes do terrorismo islâmico no interior da Síria. Entre os presentes, como pode testemunhar-se em fotos postas a circular pelos serviços de comunicação do senador, encontrava-se Abu Bakr Al-Baghdadi, o chefe do Daesh em pessoa. Para que, no entanto, não ficassem dúvidas, o senador McCain declarou a uma televisão do seu país que conhece pessoalmente os dirigentes do Daesh e está «em contacto permanente com eles».

Nessa ocasião já os Estados Unidos faziam constar, entre alguns parceiros de guerra, a intenção de montarem um dispositivo terrorista de grande envergadura para reforçar as intervenções no Iraque e na Síria. Estava em curso, entretanto, uma acção de transferência para a Turquia, com destino à Síria, de mercenários islâmicos que tinham actuado sob o comando da NATO na operação de destruição da Líbia. Em 18 de Fevereiro de 2014, a conselheira nacional de segurança dos Estados Unidos, Susan Rice, convocou os chefes dos serviços secretos da Arábia Saudita, da Turquia, do Qatar e da Jordânia para Amã, onde lhes comunicou a reestruturação do «Exército Livre da Síria» e, nesse âmbito, a montagem, com supervisão saudita, de uma vasta operação secreta para remodelar as fronteiras regionais.

Estado Islâmico, versão actualizada

Entrou assim em funções a versão actualizada do Estado Islâmico no Iraque e no Levante, o Daesh. Abdelakim Belhadj, chefe terrorista líbio que a NATO escolhera como governador militar de Tripoli e a Interpol identificou como chefe do Estado Islâmico no Magreb, foi então enviado a Paris onde, recebido no Ministério dos Negócios Estrangeiros, aconselhou a França a transferir para o Daesh o apoio prestado à Al-Qaida – que o ministro Laurent Fabius considerava estar a fazer «um bom trabalho». Três campos de treino de jihadistas foram montados pelo Pentágono e pela NATO na Turquia, prontos a receber mercenários de todo o mundo com destino ao Daesh: em Sanliurfa, Osmanyie e Karaman.

Dotado com uma enorme frota de veículos todo-o-terreno da marca Toyota novinhos em folha, equipado com armamento avançado que os Estados Unidos forneciam usando o Exército do Iraque como falso destino, beneficiando de um sistema de túneis e bunkers atempadamente criado pela Lafarge, maior empresa mundial de construção civil, o Daesh avançou pelo Iraque com uma dinâmica que parecia imparável. Através de uma cavalgada na qual se sucederam os fuzilamentos em massa de populações civis, instaurando um terror bárbaro por onde passavam e onde se instalavam, os mercenários «islamitas» tomaram aeroportos, instalações petrolíferas, chegaram a poucas dezenas de quilómetros de Bagdade e, sem mais demoras, criaram um «Califado» em território conquistado dos dois lados da fronteira entre a Síria e o Iraque, cortando o movimento na estrada internacional Beirute-Damasco-Bagdade-Teerão. Tudo isto num ápice, em poucas semanas.

O contrabando de petróleo tornou-se uma das maiores fontes de financiamento do Daesh, com escoamento garantido por embarcações fretadas pela família Erdogan ou por milhares de camiões cisterna da empresa Powertrans, que tinha como proprietário remoto o próprio genro do ditador turco. Refinado pela Turkish Petroleum Refineries, o petróleo que sustentava a actividade terrorista saía através dos portos turcos para a Europa, destino que tinha também grande parte do produto «lavado» em Israel através da atribuição de falsos certificados de origem. Jana Hybaskova, representante da União Europeia em Bagdade, explicou este processo no Parlamento Europeu, pelo que os Estados membros não podem alegar desconhecimento da possibilidade de estarem a financiar indirectamente o terrorismo.

Pressionado pelas imagens aterradoras das decapitações de cidadãos ocidentais que o Daesh distribuía através do seu sistema de comunicação, em cuja génese estiveram peritos do MI6, serviço de espionagem britânico, Barack Obama viu-se forçado a lançar uma «coligação anti-Daesh».

Os efeitos dessa decisão na estrutura terrorista, porém, foram escassos. O mesmo não poderá dizer-se das centenas de vítimas civis sírias provocadas pelos bombardeamentos da «coligação» e dos entraves por ela colocados à acção do exército soberano de Damasco, principalmente quando estava em vias de concretizar vitórias estratégicas sobre os terroristas. Sem esquecer as abundantes denúncias segundo as quais a «coligação internacional» dizia combater os jihadistas enquanto continuava a municiá-los, através de armamento largado em para-quedas para as zonas sob seu controlo. Assim demonstrando, como se ainda fosse necessário, que o desmantelamento da Síria e o derrube do seu governo foram sempre os verdadeiros objectivos das potências da NATO, sobrepondo-se a qualquer variante da «guerra contra o terrorismo».

Não restam hoje dúvidas de que a estrutura mercenária do Daesh funciona como um corpo clandestino do Pentágono, da própria NATO, no quadro da privatização crescente das operações militares nos campos de batalha. A ideia, contudo, não é nova: tal como montou a estrutura clandestina e terrorista da Gládio, a NATO manipula agora um sucedâneo, o Daesh, adequado às condições e circunstâncias das regiões a dominar e policiar.

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Em 2019, a seguir à derrota na Síria, quando o Isis perdeu peso operacional na guerra internacional movida contra o país, um grupo de forças especiais dos Estados Unidos liquidou al-Baghdadi. A lei do silêncio continua a ser o melhor remédio contra aliados cuja imagem pode ser incómoda, principalmente quando estes deixam de ser úteis.

Que Ossama bin Laden foi criado como dirigente terrorista pela CIA e entidades congéneres ninguém duvida. Porém, ninguém poderá dizer quando terminou a ligação entre criadores e criatura, se é que isso alguma vez aconteceu. Já muito depois da saída soviética do Afeganistão, o chefe da al-Qaeda foi visto em Sarajevo em 1998, onde foi garantir o apoio dos seus mercenários aos muçulmanos da Bósnia e Herzegovina e ao seu chefe, Alija Izetbegovic. Isto é, integrou-se na estratégia da NATO de destruição da Jugoslávia, na qual o território bósnio foi transformado num protectorado da própria Aliança Atlântica.

Três anos depois, precisamente dois meses antes do 11 de Setembro de 2001, Bin Laden esteve em tratamento renal num hospital do Dubai. Nessa ocasião, segundo o jornal francês Le Figaro, citando fontes da inteligência francesa, o dirigente da al-Qaeda recebeu uma visita de cortesia do chefe de antena da CIA e um acompanhante, além do responsável pelos serviços secretos da Arábia Saudita, muito bem relacionado simultaneamente com a al-Qaeda e os Talibã.

Não menos relevante é o caso do expoente terrorista Abdelhakim Belhadj, figura que mereceu a confiança da NATO na operação de destruição da Líbia apesar de vários trabalhos de investigação o terem dado como um dos responsáveis pelo sangrento ataque de Madrid em 11 de Março de 2004, que provocou 193 mortos.

Belhadj esteve ao lado de Bin Laden no Afeganistão, fundou o Grupo Islâmico Combatente que lutou contra Khadaffi na Líbia, passou por uma prisão clandestina da CIA na Tailândia e apareceu depois em lugar de destaque entre os terroristas que, aliados à NATO, assassinaram Khadaffi e destruíram a Líbia em 2011. A NATO nomeou Belhadj como comandante militar de Tripoli a seguir à tomada desta cidade, cargo de onde partiu pouco tempo depois para a Síria, onde dirigiu o recrutamento de mercenários para o Exército Livre da Síria, o grupo dos chamados «moderados» que participou no desencadeamento da guerra contra Damasco com apoio dos Estados Unidos, NATO e União Europeia. Os «moderados», na prática, são um mito propagandístico, nunca funcionaram com autonomia: actuaram sempre, como ainda hoje acontece, sob a cobertura operacional da al-Qaeda e do Estado Islâmico.

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O terrorismo da NATO no seu esplendor

«Chegámos, vimos e ele morreu», proclamou imperialmente Hillary Clinton após o desfecho da bárbara operação de tortura e execução de Muammar Khaddafi, supervisionada pelos serviços secretos franceses

Habitantes locais mostram a jornalistas casas destruídas e corpos de civis mortos por bombardeamentos da coligação da NATO, em Tripoli, a 19 de Junho de 2011 
CréditosMAHMUD TURKIA / AFP VIA GETTY IMAGES

Em Março de 2011, quando a NATO já bombardeava a Líbia, Muammar Khaddafi enviou uma mensagem ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, lembrando que as forças de segurança do seu país estavam «a combater a al-Qaeda no Magrebe islâmico, nada mais», pelo que a intervenção estrangeira «era um risco de consequências incalculáveis no Mediterrâneo e na Europa». O apelo do dirigente líbio não surtiu efeito: afinal, para as forças atlantistas a operação não era «um risco» mas sim uma estratégia deliberada – para todos os efeitos, uma estratégia terrorista.

A Líbia de hoje, moldada pela NATO sob o comando de Obama, Joseph Biden, presidente dos Estados Unidos em funções, e Hillary Clinton, um suporte da actual administração norte-americana omnipresente nos bastidores, é uma amostra em carne viva das práticas efectivamente terroristas da Aliança Atlântica. Um país desgovernado, desmembrado, um viveiro de mercenários terroristas «islâmicos» sob múltiplas chancelas que deixam os seus rastos de horrores através do Médio Oriente e África, da Síria a Cabo Delgado, em Moçambique; um país que funciona como um florescente entreposto de comércio de drogas, tráfico de seres humanos, um maná de petróleo de alta qualidade para as multinacionais francesas, britânicas e norte-americanas e, simultaneamente, um imenso campo de concentração para refugiados de incontáveis origens sustentado pelos contribuintes da União Europeia.

« A Líbia de hoje, moldada pela NATO sob o comando de Obama, Joseph Biden, presidente dos Estados Unidos em funções, e Hillary Clinton, um suporte da actual administração norte-americana omnipresente nos bastidores, é uma amostra em carne viva das práticas efectivamente terroristas da Aliança Atlântica»

Não existem indícios de que a situação tenda a melhorar. Negoceia-se apenas para negociar e para dar cobertura às actividades criminosas e desumanas instauradas na esteira da operação da NATO. O «governo» de Tripoli foi entregue à Irmandade Muçulmana sob tutela da ONU, isto é, dos Estados Unidos; o «governo de Benghazi» é um instrumento do «general» Khalifa Haftar, reconhecidamente um activo da CIA desde que desertou das hostes de Khaddafi; pelo meio campeiam os poderes de milícias «islâmicas» e estruturas sectárias de índole tribal vivendo de uma rica panóplia de negócios criminosos que vão desde a guerra aos tráficos de droga e humano passando pelo contrabando de petróleo e pela multiplicação de «guardas costeiras» patrocinadas directa e indirectamente pela União Europeia – braços dos grupos que controlam o tráfico de refugidos.

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O capitalismo em guerra sobre os escombros da Líbia

A realidade da situação da Líbia está para lá do que possam conceber as imaginações mais treinadas em tentar perceber os sentidos dos desenvolvimentos na arena internacional.

Forças aliadas do governo de Tripoli, apoiado pela ONU, em Sirte, Líbia, a 12 de Março de 2019.
CréditosAyman Al-Sahili / Reuters

A herança caótica deixada pela agressão da NATO contra a Líbia e que se aprofunda há quase nove anos está a degenerar numa situação aterradora de guerras cruzadas, motivadas por múltiplos interesses, capaz de fazer explodir alianças político-militares, afinidades religiosas e relações institucionais – com repercussões em todo o panorama internacional. O início, no dia de Natal, da transferência de terroristas da Al-Qaeda da Síria para território líbio, de modo a reforçar as forças do governo de Tripoli reconhecido pela ONU e a União Europeia, é apenas um dos muitos movimentos em curso na sombra dos holofotes mediáticos. E a Turquia acaba de aprovar o envio de tropas regulares para a Líbia.

A realidade da situação da Líbia está para lá do que possam conceber as imaginações mais treinadas em tentar perceber os sentidos dos desenvolvimentos na arena internacional. Habituada às notícias quase rotineiras relacionadas com os movimentos migratórios nas costas líbias e aos altos e baixos da guerra das tropas do governo de Benghazi contra as forças do executivo de Tripoli, a opinião pública mundial não faz a menor ideia do que está a acontecer. E do que pode vir a suceder de um momento para o outro.

A Líbia deixada pela guerra de destruição conduzida pela aliança entre a NATO e grupos terroristas islâmicos do universo Al-Qaeda/Isis tem actualmente três governos, além de um xadrez de zonas de influência controladas por milícias armadas correspondentes a facções tribais, tendências religiosas ou simples negócios de oportunidade, à cabeça dos quais estão o contrabando de petróleo e o tráfico de seres humanos.

«A Líbia deixada pela guerra de destruição conduzida pela aliança entre a NATO e grupos terroristas islâmicos do universo Al-Qaeda/Isis tem actualmente três governos, além de um xadrez de zonas de influência controladas por milícias armadas correspondentes a facções tribais, tendências religiosas ou simples negócios de oportunidade, à cabeça dos quais estão o contrabando de petróleo e o tráfico de seres humanos»

Os três governos em actividade são: o chamado Governo de Unidade Nacional, com sede em Tripoli, chefiado por Fayez al-Sarraj, apoiado pela Irmandade Muçulmana e reconhecido pela ONU e a União Europeia; o governo de Benghazi, apoiado pela Câmara dos Representantes – única entidade eleita no país – e cujo homem forte é o agora marechal Khalifa Haftar, à frente das tropas do chamado «Exército Nacional Líbio»; e um governo instalado no hotel Rixos, em Tripoli, formado pela Irmandade Muçulmana e do qual se diz que ninguém reconhece mas tem muitos apoios.

Nos últimos meses, a ofensiva das tropas do marechal Haftar chegou às imediações de Tripoli mas não conseguiu tomar a capital, apesar dos sangrentos bombardeamentos. Nos bastidores desta guerra diz-se que nenhum dos beligerantes está em condições de levar a melhor, esgotando-se num conflito sem solução à vista.

Uma guerra internacional

A guerra está num impasse, o caos e a ingovernabilidade agravam-se, mas não existe qualquer esforço de entendimento entre as facções líbias. Pelo contrário, cada centro de poder tem vindo a ser reforçado no quadro das perspectivas de continuação do conflito – porque não se trata de uma guerra civil, mas de uma guerra internacional.

No dia de Natal, como já se escreveu, começou a deslocação de grupos terroristas filiados na Al-Qaeda da província de Idlib, na Síria, para a Líbia. A movimentação é patrocinada pela Turquia, que deixou claro aos mercenários islâmicos que a única possibilidade de se salvarem da ofensiva final das tropas governamentais sírias é abandonarem as posições que ainda ocupam e, de certa forma, regressarem às origens. Recorda-se que grande parte dos terroristas que combateram na Síria contra o governo de Damasco foram transportados da Líbia, onde estiveram ao serviço da coligação com a NATO.

«A guerra está num impasse, o caos e a ingovernabilidade agravam-se, mas não existe qualquer esforço de entendimento entre as facções líbias. Pelo contrário, cada centro de poder tem vindo a ser reforçado no quadro das perspectivas de continuação do conflito – porque não se trata de uma guerra civil, mas de uma guerra internacional»

A operação iniciada no Natal foi montada pela Turquia com a colaboração da Tunísia: o presidente Erdogan acordou com o seu homólogo tunisino, Kais Saied – apoiado pela Irmandade Muçulmana – a utilização do porto e do aeroporto de Djerba para transporte dos grupos armados e material militar em direcção a Tripoli e Misrata, onde irão engrossar as fileiras do Governo de Unidade Nacional (GUN).

Em 15 de Dezembro, o presidente turco recebera em Istambul o chefe do GUN, al-Sarraj, a quem prometeu a entrega de drones e blindados ao exército às ordens do governo reconhecido pela ONU e a União Europeia; o legislativo turco acaba de aprovar o envio de forças militares regulares para a Líbia. Ao mesmo tempo, a Turquia acelerou o processo de produção de seis submarinos militares, encomendados à Alemanha.

Choques petrolíferos

A Turquia foi um dos países aos quais o governo de Tripoli pediu auxílio quando se iniciou a ofensiva das forças de Khalifa Haftar. Al-Sarraj dirigiu-se também à Argélia, Itália, Reino Unido e Estados Unidos. Sabe-se, entretanto, que Washington está de bem com todos os governos da Líbia e vê com muito bons olhos a continuação do conflito.

Não existem dúvidas, porém, de que foi a Turquia quem mais rápida e concretamente respondeu aos apelos do governo instalado em Tripoli.

Há razões que explicam porquê.

Erdogan revelou que assinou um acordo de princípio com al-Sarraj para exploração conjunta de petróleo no Mediterrâneo, podendo para isso dispor de instalações portuárias líbias – que se juntam assim às que a Turquia já utiliza em Chipre, onde ocupa militarmente o norte do país.

Como a Turquia tomou conta, em termos de exploração petrolífera, das águas territoriais de Chipre que confinam com o sector ocupado, o acordo com o governo de Tripoli proporciona uma combinação de Zonas Económicas Exclusivas que atingem águas cipriotas e gregas. A actuação de Ancara parece violar a Convenção do Direito Marítimo (UNCLOS), que aliás a Turquia ainda não assinou.

Em 22 de Dezembro, exactamente uma semana depois do encontro entre Erdogan e al-Sarraj em Istambul, o ministro grego dos Negócios Estrangeiros, Nikos Dendios, foi directamente a Benghazi encontrar-se com o próprio Khalifa Haftar e outros representantes do governo local. Depois viajou para o Cairo e para Chipre.

«a opinião pública mundial não faz a menor ideia do que está a acontecer. E do que pode vir a suceder de um momento para o outro. […] a guerra internacional com epicentro na Líbia passa pelo meio da NATO e da União Europeia»

Atenas exige ao governo de Tripoli que se retire do acordo de incidência petrolífera e militar com a Turquia, num quadro em que as relações greco-turcas estão no nível mais elevado de agressividade de há muito tempo a esta parte.

Sabe-se ainda que a Grécia pretende accionar a NATO e a União Europeia para que cancelem o reconhecimento do governo líbio de Tripoli. Em suma, a guerra internacional com epicentro na Líbia passa pelo meio da NATO e da União Europeia.

Acresce que esta dança política, diplomática e militar decorre em simultâneo com os movimentos norte-americanos para usar a Grécia como antídoto à degradação das relações com a Turquia e no âmbito de um novo quadro de segurança regional para bloquear a Rússia no Mar Negro.

Isto é, Washington usa um membro da NATO contra outro membro da NATO e dá um novo passo na estratégia de quebrar as relações entre Atenas e Moscovo originalmente assentes em afinidades religiosas que têm vindo a ser deterioradas por conspirações dentro da Igreja Ortodoxa iniciadas na Ucrânia.

Não é difícil confirmar o ecumenismo dos Estados Unidos em relação aos governos líbios. Se está ao lado do executivo de Tripoli, juntamente com a União Europeia, a ONU e a NATO, também aposta em Benghazi, como se percebe através da estratégia montada com a Grécia.

O xadrez dos gasodutos

São amplos os cenários de confrontação a partir da situação líbia. Mais amplos ainda porque os acordos entre Ancara e o governo de Tripoli vêm potenciar a crise aberta com a exploração ilegal de petróleo pela Turquia na Zona Económica Exclusiva de Chipre.

Em causa não estão apenas interesses cipriotas, mas também da Grécia e de Israel, parceiros na exploração de hidrocarbonetos no Mediterrâneo e respectiva distribuição através do eixo Griscy (de Grécia, Chipre e Israel) – ideia fortemente encorajada pelos Estados Unidos para criar vias que permitam à Europa ter mais alternativas às fontes russas de energia. Trata-se de uma opção contra a Rússia que atinge também a Turquia, porque põe em causa o gasoduto turco-russo Turkish Stream.

Deste modo, não é surpreendente que a Turquia tenha procurado patrocinar o governo líbio de Tripoli.

Surpreendente, em termos abstractos, deveria ser a declaração do marechal Khalifa Haftar segundo a qual o governo de Benghazi tem todo o interesse em fazer entendimentos com Israel.

«Washington está de bem com todos os governos da Líbia e vê com muito bons olhos a continuação do conflito»

Na realidade, aprofundando a leitura desta declaração à luz da guerra internacional em torno da Líbia iremos encontrar países como a Arábia Saudita e o Egipto – muito próximos de Israel – ao lado de Khalifa Haftar em termos financeiros, políticos e militares; não espanta que Israel se junte ao grupo por estas afinidades e pelas explicadas razões energéticas. Através das quais iremos encontrar Estados Unidos Israel, Grécia e Chipre em oposição a um governo reconhecido por ONU, União Europeia, NATO e… Estados Unidos.

Sinal dos tempos

As frentes em confronto nesta guerra da Líbia são um sinal dos tempos. Os tempos em que os conflitos de interesses inter-capitalistas começam a dissolver linhas que definem alianças político-militares, coligações de países, associações regionais, afinidades religiosas, políticas e sistémicas que têm formatado o mundo desde a queda do Muro de Berlim. Com a particularidade de entidades como a NATO e a União Europeia não estarem a salvo da turbulência.

Tomemos como exemplo o assustador caso líbio. Do lado do governo de Tripoli, cuja legitimidade representativa do país é reconhecida pela ONU e a União Europeia, estão a Turquia, a Tunísia, o Qatar e terroristas islâmicos do universo Al-Qaeda e Estado Islâmico defendendo interesses económicos que coincidem com os da Rússia.

Do lado de Khalifa Haftar e do seu governo de Benghazi estão os Estados Unidos, Israel, Egipto, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, países da União Europeia como Chipre e Grécia, além de forças de reacção rápida sudanesas, mercenários russos e grupos terroristas próprios de uma região, a Cirenaica, considerada das mais fortes no abastecimento do extremismo islâmico internacional. Saif Khaddafi, filho do dirigente líbio assassinado pela NATO, juntou-se igualmente a Haftar1.

São dados a ter em conta quando a nova tragédia da Líbia explodir, então já sob os holofotes mediáticos.

  • 1. Ayesha Khaddafi, irmã de Saif, apelou aos líbios para repelirem a invasão turca, em declarações à Jamahiriya Satellite TV: «quando as botas dos soldados turcos profanarem a nossa terra, adubada pelo sangue dos nossos mártires, se não houver entre vós que alguém para repelir esta agressão, então deixem o campo de batalha às mulheres livres da Líbia, e eu estarei entre as primeiras». Ver Almarsad, 3 de Janeiro de 2020.
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A situação caótica alimenta-se a si própria; com ela convive tranquilamente o chamado «mundo civilizado», que realmente em nada contribui para tentar resolvê-la.

A mensagem de Khaddafi para Obama só podia ter o destino que teve porque aqueles que foram destruir a Líbia não tinham «riscos» a medir mas uma estratégia a cumprir. E esta continua à vista de todos: terrorista e colonial.

«… E ele morreu»

«Chegámos, vimos e ele morreu», proclamou imperialmente Hillary Clinton, então secretária de Estado de Obama, após o desfecho da bárbara operação de tortura e execução de Muammar Khaddafi, supervisionada pelos serviços secretos franceses1. O presidente francês em exercício, Nicolas Sarkozy, era dos mais interessados em silenciar o dirigente líbio, sobretudo depois de ter deflagrado o escândalo dos apoios milionários de Khaddafi à sua eleição.

Não houve qualquer «intervenção humanitária» na Líbia, ao contrário do que foi invocado pelos agressores2. Nem o Congresso dos Estados Unidos deu autorização ao presidente para realizar os bombardeamentos3, alegando que Obama não apresentou qualquer razão que os justificasse.

«a criação de mecanismos económicos e monetários de índole especificamente africana, como por exemplo o Fundo Monetário Africano e uma moeda pan-africana, […] que minariam a estrutura neocolonial estabelecida pelas principais potências, sobretudo a França, que controla o franco CFA (moeda da África Central), foram impulsionadas pela Líbia de Khaddafi com base nos 150 mil milhões de dólares em activos no estrangeiro e nas reservas de ouro em 25 países que ascendiam a quase 150 toneladas. Tais circunstâncias transformaram a agressão da NATO contra a Líbia numa típica operação colonial»

A violência na Cirenaica invocada sobretudo pelo Departamento de Estado norte-americano para desencadear a «Responsability to Protect (R2P)», a suposta responsabilidade de proteger populações civis através de operações armadas, foi empolada para provocar a agressão. Os próprios e-mails de e para Hillary Clinton, em boa hora tornados públicos pelo website WikiLeaks – uma das principais razões da sanha persecutória contra Julian Assange –, reconhecem isso mesmo. Duas semanas antes de iniciados os bombardeamentos, uma enviada da USAID, Harriet Spanos, comunicou a Clinton que «Benghazi tem estado calma nos últimos dias, a actividade económica continua, lojas e bancos estão abertos, os telemóveis funcionam e a internet regressou».

As supostas urgências «humanitárias funcionaram, mais uma vez, como pretextos para desencadear uma guerra e provocar uma mudança de regime programada alguns anos antes. Em 2 de Março de 2007, um ex-comandante da NATO, o general norte-americano Wesley Clark, enunciou os sete países «a desmantelar» pelos Estados Unidos: Iraque, Líbia, Síria, Irão, Somália, Sudão e Líbano. Mais tarde sublinhou: «a invasão da Líbia por Obama foi planeada na administração Bush; a Síria é a seguir». O general sabia do que falava; e ainda hoje nos ajuda a perceber o que está a acontecer com o Irão e o Líbano.

Os preciosos e-mails de e para Clinton confirmam, por outro lado, que a inclusão de hordas de mercenários «islâmicos» no dispositivo operacional da NATO para desmantelamento da Líbia foi uma opção estratégica idêntica à assumida noutros teatros de operações, como por exemplo na Síria e no Iraque, embora de maneira menos assumida.

Uma criança africana é resgatada por um membro da ONG Proactiva Open Arms no Mar Mediterrâneo a 20 milhas náuticas a norte da Líbia, 3 de Outubro de 2016. CréditosAris Messinins / AFP

Numa mensagem de correio electrónico enviada a Hillary Clinton dedicada à necessidade de «estabelecer a segurança no Norte de África», Sidney Blumenthal, conselheiro da secretária de Estado, assume «que o regime de Khaddafi tem tido êxito em suprir a ameaça jihadista na Líbia, pelo que a situação actual (aliança da NATO com o terrorismo islâmico) abre a porta ao ressurgimento do jihadismo».

No aparelho político dos Estados Unidos e da NATO havia, portanto, uma noção real das relações de forças, pelo que a aliança operacional com o terrorismo islâmico foi deliberada e transformada numa estratégia que não funcionou apenas no cenário líbio.

Uma questão de urgência

A agressão contra a Líbia foi uma operação de mudança de regime de certa maneira atípica e ditada por urgências que não se registaram noutros casos em que foi dispensada uma tão evidente – e comprometedora – intervenção massiva e continuada de forças aéreas da NATO.

O ano de 2011 seria o do início da criação de mecanismos económicos e monetários de índole especificamente africana, como por exemplo o Fundo Monetário Africano e uma moeda pan-africana que permitiria, por exemplo, contornar o dólar em relações comerciais, designadamente no campo energético.

Essas acções, que minariam a estrutura neocolonial estabelecida pelas principais potências, sobretudo a França, que controla o franco CFA (moeda da África Central), foram impulsionadas pela Líbia de Khaddafi com base nos 150 mil milhões de dólares em activos no estrangeiro e nas reservas de ouro em 25 países que ascendiam a quase 150 toneladas.

Tais circunstâncias transformaram a agressão da NATO contra a Líbia numa típica operação colonial. Uma das primeiras decisões da administração Obama, coincidente com o início da guerra, foi o congelamento dos activos financeiros líbios no estrangeiro – cerca de 100 mil milhões de dólares só em países da NATO – e das suas reservas de ouro.

«Dez anos passados, a Líbia continua de rastos. Aquele que foi o mais desenvolvido país de África, com um crescimento de 16,6% em 2010 e o 55º entre 194 no índice de desenvolvimento humano da ONU, caiu mais de 50 lugares nesta tabela [...]. Perante um Estado destruído, um quinto dos 7,5 milhões de habitantes necessitam agora verdadeiramente de ajuda humanitária – que não lhes chega – e mais de 700 mil carecem de apoio alimentar»

O congelamento traduziu-se, de facto, num esbulho. Quando os mecanismos internacionais do costume, o Banco Mundial e o FMI, começaram a estabelecer os orçamentos e os condicionalismos económicos e político-sociais a impor ao Estado líbio destruído, parte desses activos – o resto continua em parte incerta, mas certamente não é usado em proveito do povo líbio – transformaram-se em empréstimos à própria Líbia. Moral da história: um país que não tinha dívida externa, essencialmente porque geria a riqueza energética em proveito da própria população, passou a receber o dinheiro que lhe pertence sob a forma de empréstimos de instâncias internacionais.

Dez anos passados, a Líbia continua de rastos. Aquele que foi o mais desenvolvido país de África, com um crescimento de 16,6% em 2010 e o 55º entre 194 no índice de desenvolvimento humano da ONU, caiu mais de 50 lugares nesta tabela em menos de uma década. Perante um Estado destruído, um quinto dos 7,5 milhões de habitantes necessitam agora verdadeiramente de ajuda humanitária – que não lhes chega – e mais de 700 mil carecem de apoio alimentar.

Esta é a obra da NATO, realizada em colaboração com terroristas islâmicos, alguns dos quais autores de crimes contra populações europeias. Abdelhakim Belhadj, por exemplo, que a NATO transformou em comandante militar de Tripoli antes de ser enviado para organizar os mercenários «islâmicos» na Síria, esteve envolvido no atentado ferroviário de Madrid em 2004, que provocou 193 mortos. E Abu Sufian bin Qumu, veterano terrorista que serviu a al-Qaeda e Bin Laden no Sudão e no Afeganistão, em 2011 treinou «rebeldes islâmicos» aliados da NATO em Derna, Cirenaica, depois de ter passado seis anos no campo de concentração de Guantánamo.

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Rússia tomará «medidas adicionais» se a NATO destacar tropas para a Ucrânia

O aviso do Kremlin sobre o reforço das fronteiras russas ocorre depois de Kiev se ter referido à «postura pró-activa» dos EUA no «apoio à soberania» e «restauração da integridade territorial» ucraniana.

Soldados ucranianos (imagem de arquivo) 
A NATO tem vindo a reforçar a sua presença no chamado Flanco Leste Créditos / @14Milimetros

Moscovo alertou que não irá ficar de braços cruzados caso a NATO destaque tropas para a Ucrânia, um passo que «levaria a um novo aumento de tensões perto das fronteiras» e que «requererá medidas adicionais por parte da Rússia para garantir a sua segurança», afirmou esta sexta-feira à imprensa Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Antes disto, revela a RT, o Ministério ucraniano da Defesa emitiu um comunicado sobre a conversa telefónica mantida dia 1 de Abril com o secretário da Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que comunicou aos ucranianos a «postura pró-activa» do seu país «no apoio à soberania e aos passos para restaurar a integridade territorial da Ucrânia».

«Os EUA não deixarão a Ucrânia sozinha face à escalada da agressão da Rússia», afirmou o Ministério ucraniano da Defesa, que acusa Moscovo de anexar e ocupar a Crimeia, e de apoiar o movimento de resistência antifascista na região do Donbass, no Leste do país, onde recentemente, lembra a RT, se registaram novos episódios de violência na linha de demarcação com os territórios das repúblicas de Donetsk e Lugansk.

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Secretário-geral da NATO entrevistado na RTP

Fascismo na Ucrânia ou destruição da Líbia? Não, ameaça russa!

Na entrevista que a RTP1 transmitiu esta segunda-feira, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, falou dos «muitos desafios complexos» com que a Aliança Atlântica se depara, mas nada do expansionismo militarista e das guerras de rapina que promove.

Em entrevista à RTP, Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, disse, sem «mea culpa», que a Aliança se depara com «muitos desafios complexos ao mesmo tempo»
Créditos / politico.eu

Quem tiver visto e ouvido, de cabo a rabo, a conversa de Stoltenberg ontem à noite na RTP terá ficado com a impressão de ter acabado de ver e ouvir o cavaleiro branco de uma «santa aliança» pronta a dar cabo dos negrumes do mundo: terrorismo, o Daesh ou chamado Estado Islâmico, as ameaças cibernéticas, a assertividade da Rússia, a proliferação de armas na Coreia do Norte, os conflitos que «existem» no Norte de África, no Médio Oriente, Iraque, Síria, Afeganistão.

Conflitos que por aí «há», que por aí «surgiram», e a que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, na sigla em inglês) tem de fazer frente.

Apesar de ter passado uma boa parte da entrevista a falar da Rússia, no início o secretário-geral da NATO rejeitou a ideia de que a Aliança Atlântica esteja a «enfatizar a tensão com a Rússia na Europa de Leste», sublinhando que «a maior operação militar de sempre» da NATO decorre no Afeganistão. Não fez, no entanto, qualquer menção ao histórico, mais recente ou afastado, do intervencionismo dos «aliados da NATO» no país da Ásia Central. Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.

Referindo-se à acção global da Aliança Atlântica, disse que esta integra «a coligação global para derrotar o Daesh» e que a NATO «fez muitos progressos nessa coligação, derrotando o Daesh no Iraque e na Síria». Mais à frente, não se quis comprometer em excesso, afirmando que a NATO não está no terreno no Norte da Síria: «Apoiamos a coligação com aviões-radar, mas não estamos no terreno», disse.

«Também não se esperava que falasse de Reagan e talibans.»

Nem «ai», nem «ui» sobre o facto de a coligação internacional que opera na Síria o fazer sem autorização do governo de Damasco e sem um mandato das Nações Unidas. E, aqui, também não houve menção ao esforço da Rússia – ao lado de Damasco.

«A Nato está preparada para defender qualquer aliado, contra qualquer ameaça, é essa a mensagem principal, o ideal principal da NATO», disse, salientando que «a razão pela qual a NATO é forte e unida não é para provocar um conflito, mas sim para evitar um conflito». Percebe-se o ultraje sentido por quem olha para o mundo e vê as guerras de agressão e saque do capitalismo, as operações de desestabilização fomentadas pelos Estados Unidos da América no pátio traseiro global – as de agora e outras mais –, tendo a NATO por braço armado.

O ex-primeiro-ministro norueguês trouxe ainda à tona a ideia da «paz na Europa durante quase 70 anos, um dos mais longos períodos de paz durante séculos na Europa», sem lhe ocorrer a menção da destruição da Jugoslávia e do golpe de 2014 na Ucrânia, com o apoio dos Estados Unidos e da União Europeia (UE), com a guerra subsequente no Donbass, onde a população rejeitou a ameaça fascista e se ergueu em armas.

Diálogo, sim, mas a culpa é da Rússia

Sobre a Rússia, Jens Stoltenberg afirmou que «é possível combinar defesa, dissuasão e diálogo». Ou seja, deu sequência ao discurso do vizinho maléfico que acossa a Europa em paz com os seus bandos de hackers e as suas campanhas de propaganda e desinformação. O secretário-geral da NATO disse mesmo que a Rússia está «mais assertiva». Tão marota que até usa «ferramentas diferentes» e, por isso, a impoluta NATO «está a responder com o reforço das ciberdefesas». A UE também já se precaveu.

«Parceria estratégica» com a Rússia é coisa que não existe – não por falta de tentativa da NATO, frisou, mas porque Moscovo «decidiu tentar reestabelecer esferas de influência e, de certa forma, controlar os seus vizinhos, como vimos na Geórgia, Moldávia e na Ucrânia».

E isto é algo que a NATO, tutelada pelos Estados Unidos da América, carregada de arsenais em prol da paz no mundo e a cavalgar há anos sobre os despojos da União Soviética e amigos, não pode tolerar. Assim, a NATO vai procurar uma forma de dizer que «são firmes», que «são fortes», mas tentando reduzir a tensão, para evitar um conflito e manter um diálogo, disse Stoltenberg.

Já a Rússia não tem nada de se preocupar com o facto de estar rodeada por países que se tornaram membros da NATO, pois foi uma decisão de «nações soberanas e independentes». E, se preocupações tem quanto à existência de uma Frente Leste da Aliança Atlântica, a culpa é sua, «consequência directa das [suas] acções agressivas contra a Ucrânia», justificou Stoltenberg, aludindo à situação no Donbass, no Leste da Ucrânia, e à reintegração da Crimeia na Federação Russa.

O secretário-geral da NATO insiste que a integridade territorial e a soberania da Ucrânia foram violadas na Crimeia e no Donbass, por forças apoiadas pela Rússia e com apoio militar russo, mas, como se estivesse num universos paralelo, não fez uma alusão, ao golpe de 2014 em Kiev, ao fascismo na Ucrânia – ou na Polónia ou na Letónia. Nem se referiu como, em Julho do ano passado, a NATO promoveu os Irmãos da Floresta, que lutaram «contra o Exército Vermelho pelas suas pátrias», no Báltico, e que integravam muitos membros das SS nazis ou colaboradores com as forças nazis invasoras.

EUA reforçam presença militar na Europa

O secretário-geral da NATO afirmou que os EUA têm mostrado que «estão empenhados nos laços transatlânticos», acrescentando que Washington está mesmo a aumentar a presença militar no continente europeu, depois de anos de declínio. «É um compromisso que vemos não são só em palavras, mas também em factos», frisou Stoltenberg.

Não abordando a questão do aprofundamento da militarização da UE, a criação da chamada cooperação estruturada permanente (CEP) e a complementaridade – que já defendeu noutros momentos – entre aquilo a que chama Defesa Europeia e a NATO, o responsável da Aliança Atlântica sempre se referiu à necessidade de cooperar em matéria de defesa na UE para «resolver a fragmentação da indústria de defesa europeia».

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Peskov, por seu lado, sublinhou que a percepção da Rússia como inimigo e adversário é «deslocada» e «inadmissível», uma vez que Moscovo «não ameaça ninguém e nunca o tinha feito», baseando toda a sua política neste principio, informa o portal russo.

Na quinta-feira, em resposta a alertas do lado ucraniano sobre movimentações de tropas russas junto à fronteira, Peskov já tinha afirmado que a transferência de tropas dentro da Federação Russa não devia preocupar ninguém, nem constitui uma ameaça para ninguém, revelou a TASS.

O funcionário do Kremlin reafirmou que «as tropas russas nunca participaram, nem estão a participar agora em conflitos armados em solo ucraniano», acrescentando, citado pela mesma fonte, que «nem a Rússia, nem os países europeus, nem outros países do mundo gostariam de ver a guerra civil na Ucrânia incendiar-se outra vez como resultado das provocações e dos passos provocadores dos militares ucranianos».

«A realidade na linha de contacto é bastante aterradora»

No Donbass, região do Leste da Ucrânia de maioria russa, onde as populações se insurgiram contra o golpe de Estado fascista de Maidan que depôs Viktor Yanukovich, em 2014, patrocinado pela União Europeia e os Estados Unidos, e onde foram autoproclamadas as repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, a situação agudizou-se no passado dia 26 de Março, segundo a RT, com a morte de quatro soldados das Forças Armadas ucranianas, perto da localidade de Shumy, embora outras fontes assinalem, já há algum tempo, a violação repetida do cessar-fogo por parte das tropas ucranianas.

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Resistência antifascista em Donbass

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Milhares de mulheres e homens deram corpo à resistência.

Igreja destruída junto ao aeroporto de Donetsk
Créditos / Bruno Carvalho

Quando se cumpriam quatro anos da rebelião antifascista que se espalhou como pólvora por todo o leste da Ucrânia, atravessei a fronteira através da Rússia num autocarro onde viajavam meia centena de antifascistas de vários países.

Respondendo ao apelo do grupo musical italiano Banda Bassotti, que tocou duas vezes em Portugal na Festa do «Avante!», percorreram durante uma semana os territórios em resistência visitando orfanatos, hospitais, fábricas, sindicatos e autarquias.

No primeiro dia, entre Rostov-sobre-o-Don, cidade russa no Norte do Cáucaso, e a fronteira com a auto-proclamada República Popular de Lugansk (RPL), atravessámos cerca de uma centena de quilómetros de estepe.

Enquanto viajávamos por terras de cossacos, Mitya Dezhnev explicava-me como teve de fugir da sua terra para a Rússia e de como não podíamos deixar esquecer os comunistas que todavia resistiam na Ucrânia controlada por Kiev. «Queres ouvir uma canção que era muito popular no tempo da União Soviética?», perguntou-me em inglês antes de começar num quase perfeito português a cantar o «Avante, camarada!». 

Foi em 2014, uma semana depois do massacre que vitimou cerca de meia centena de pessoas em Odessa, na Ucrânia, que as populações do leste do país se insurgiram contra o golpe de Estado patrocinado pela União Europeia e pelos Estados Unidos que depôs Viktor Yanukovich.

O novo governo, imposto sem eleições, permitiu que grupos paramilitares fascistas dessem rédeas ao ódio anti-russo e anti-comunista. Sem qualquer protecção e ante a ofensiva fascista, milhares de mulheres e homens concentraram-se nas principais praças das localidades insurrectas e deram corpo à resistência.

Primeiro, tomaram as instituições e desarmaram as forças de segurança e, depois, organizaram-se militarmente constituindo milícias antifascistas. Nessa semana, as principais regiões da industrial Bacia do rio Don, conhecida como Donbass, declararam a independência e constituíram-se em dois países: a República Popular de Donetsk (RPD) e a RPL. Depois de pesados bombardeamentos que vitimaram milhares de pessoas, o apoio militar russo foi decisivo para evitar a barbárie e a conquista destes territórios por Kiev.

O cessar-fogo que formalmente se mantém é desmentido na prática pelos sucessivos confrontos na linha da frente. As sucessivas provocações patrocinadas pela NATO continuam a causar vítimas entre os civis que moram em localidades ao alcance da artilharia ucraniana. Empurrados, primeiro pelas perseguições e depois pela guerra, dezenas de milhares de ucranianos continuam exilados na Rússia ou nas zonas sob controlo das forças democráticas.

Neli Zadiraka foi outra das pessoas que conheci nessa condição. É uma das deputadas da sede do poder legislativo da RPL, o Conselho Popular de Lugansk. Foi obrigada a abandonar a sua casa em Rubezhnoe, território da região ocupado pela Ucrânia.

Foi ela que, em 2014, leu a declaração de independência da RPL e, por essa razão, é considerada terrorista pelo governo ucraniano. Neli apontou para a estrela vermelha do brasão da jovem república e explicou-me que se inspira nos símbolos e valores da União Soviética.

Esse foi, aliás, um elemento presente em toda a viagem. Para além da preservação e do respeito pelos monumentos e símbolos, a presença da foice e do martelo é constante. Em conversa com vários habitantes de Lugansk e Donetsk, a chegada do fascismo ao poder na Ucrânia veio reforçar as convicções políticas dos cidadãos de ambas as repúblicas. Mas não é algo recente. Em 2012, nas últimas eleições antes do golpe fascista, o Partido Comunista da Ucrânia conquistou 13,2% dos votos em todo o país.

Em Kiev, obteve somente 7,23% e no ocidente houve regiões em que aquele partido não superou os 2%. Mas no oriente, sobretudo, nas regiões de Donbass, os valores oscilaram entre os 18% de Odessa e os 29,46% de Sebastopol, na Crimeia. Em Donetsk, os comunistas chegaram aos 18,85% e, em Lugansk, atingiram os 25,14% dos votos.

Em Makeeva, cidade vizinha de Donetsk, a organização local do Partido Comunista da RPD organizou uma iniciativa cultural que envolveu centenas de pessoas para receber gente de tantos países, numa cerimónia em que se entregaram os cartões a dois combatentes especiais. Um miliciano vindo do Texas e outro da Colômbia que escolheram atravessar o mundo para abraçar a causa antifascista ao lado dos soldados desta região.

O colombiano decidiu baptizar-se com o nome de guerra Alfonso Cano em homenagem ao comandante histórico das FARC e contou-me que decidiu voluntarizar-se para combater o fascismo em Donbass como parte das suas convicções políticas. São muitos os combatentes internacionalistas que participam nos exércitos das duas repúblicas.

Na companhia de Boris Litvinov, Primeiro Secretário do Partido Comunista da RPD, que foi, aliás, o primeiro a encabeçar o Soviete Supremo da RPD, o novo órgão legislativo daquele país, conhecemos um dos corações industriais da Europa.

Antes de chegarmos a uma das mais importantes minas de carvão da Europa, erguia-se um muro escrito recentemente com spray: «Somos cidadãos da União Soviética». Em 2013, antes do golpe, a Ucrânia produzia 84,8 milhões de toneladas. Três anos depois, esses números baixaram para menos de metade: 41,8.

O objectivo do imperialismo, quando interveio na Ucrânia, não foi apenas levar mais longe as fronteiras da NATO, violando uma vez mais os compromissos assumidos com os últimos dirigentes soviéticos. Foi também controlar um país com importantes recursos, sobretudo na região que agora resiste ao avanço das forças apoiadas pelos Estados Unidos e União Europeia.

Nas últimas semanas, a guerra intensificou-se e muitas das pessoas com que conversei admitem que o governo de Kiev pode estar a preparar uma provocação a larga escala durante o Campeonato Mundial de Futebol. 

Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia, acaba de ser recebido em Espanha por Pedro Sánchez, novo chefe do governo, e falava abertamente ao diário El País do falso assassinato do jornalista Arkadi Babchenko como uma técnica necessária para proteger os dissidentes.

Sem qualquer vergonha, acrescentou que há uma campanha russa de notícias falsas para destabilizar o mundo. É este o carácter de um governante que anunciava meses depois do golpe que faria tudo para que as crianças da Ucrânia pudessem ir à escola e para que as de Donbass ficassem fechadas em caves.

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Pelas mortes, o governo da Ucrânia responsabilizou «forças de ocupação russas», referindo-se, segundo a RT, a efectivos da República Popular de Donetsk, cujos representantes negaram qualquer ligação ao facto e, posteriormente, declararam que os militares ucranianos morreram por terem pisado um explosivo durante uma inspecção a campos minados.

A este propósito, Peskov disse que «não tentava fazer passar os desejos por realidade». «Para nossa desgraça, a realidade na linha de contacto é bastante aterradora, têm lugar provocações por parte das Forças Armadas da Ucrânia, e não são casos isolados, mas múltiplos», afirmou.

No que respeita à Crimeia, o governo russo considera a sua integração no país um facto consumado e inteiramente legítimo. A Ucrânia nunca reconheceu os resultados do referendo realizado em Março de 2014, pouco depois do golpe de Estado em Kiev, em que a maioria esmagadora da população do território se pronunciou a favor da reintegração na Rússia.

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Se recordo o trágico episódio da destruição da Líbia nestas linhas não é apenas para assinalar uma efeméride redonda. Faço-o numa ocasião em que a NATO está na calha para uma outra operação indirecta – ou mesmo directa incorrendo, nesse caso, em riscos terríveis para o planeta – ao apoiar o regime de base nazi da Ucrânia em novos movimentos para tentar esmagar as populações russófonas do Leste do país, nas regiões de Donetsk e Lugansk. São muitos os sinais de que tal pode acontecer, o principal dos quais foi dado pelo presidente Joseph Biden ao declarar o «total apoio» dos Estados Unidos a uma acção desse tipo. E logo num momento em que a NATO está envolvida nos gigantescos jogos de guerra «Defender Europe», no âmbito dos quais concentra poderosos meios navais e aéreos no Mar Negro, o que vem provocando reacção simétrica da Rússia.

O terrorismo da NATO é, como se percebe, um comportamento inerente à própria existência da organização.

José Goulão, exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

  • 1. A acção determinante dos serviços secretos franceses na busca e assassinato de Muammar Khaddafi foi tornada pública por membros do governo de transição apoiado pela NATO (ver «Mort de Kadhafi : un officiel libyen accuse les services français», em Le Parisien, 30 de Setembro de 2012). O Eliseu negou veementemente a acusação, mas quando o militante que prendera Khaddafi foi raptado e torturado, no interior da Líbia, por partidários do antigo Chefe de Estado que, mais de um ano depois, aí continuavam a resistir, a França disponibilizou um voo humanitário para o recuperar. Omran Ben Chaaban morreu num hospital parisiense a 25 de Setembro de 2012, segundo declarou o Ministério dos Negócios Estrangeiros francês (ver mesma fonte).
  • 2. O cinismo assumiu proporções insuspeitadas no que diz respeito à infra-estrutura civil de abastecimento de águas do país. Khaddafi foi acusado pela sua destruição mas uma investigação apurou ter sido a NATo, que espalhara a notícia, a destruir a infra-estrutura – que ainda hoje não foi reposta relativamente ao tempo em que fora construída e cuidadosamente mantida pelo chefe de Estado líbio. Ver «War crime: NATO deliberately destroyed Libya's water infrastructure», no Ecologist, a 14 de maio de 2015.
  • 3. Barack Obama foi acusado de ter ignorado o Congresso e desrespeitado a Constituição, na guerra de agressão contra a Líbia. Ver «How Obama Ignored Congress, and Misled America, on War in Libya», em The Atlantic, 13 de Setembro de 2012.
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A guerra e destruição da Líbia fomentaram o desenvolvimento de agrupamentos de mercenários que, sob as chancelas da al-Qaeda e do Estado Islâmico no Magrebe – com a mão de Belhadj – estenderam o terror à África Central, designadamente ao Níger, ao Mali e ao Burkina Faso, detentores de recursos naturais que o colonialismo ocidental não quer partilhar com mais ninguém. Chegaram mesmo bastante mais a sul, à região petrolífera de Cabo Delgado, Moçambique. Como resposta ao alastramento africano do terrorismo com a marca do Isis, a União Europeia e a NATO fizeram deslocar tropas para algumas das zonas atingidas, afinal para combater alegadamente os terroristas que criaram mas, sobretudo, para policiar e garantir a exploração das regiões mais ricas desses países e das suas vizinhanças.

Abdelhakim Belhadj foi premiado pelo senador John McCain em nome dos Estados Unidos, recebeu um milhão de libras do Reino Unido como «reparação» dos tempos em que esteve preso e foi eleito deputado líbio. Várias fontes dão-no actualmente como chefe do Estado Islâmico no Magrebe. A Interpol continua sem dar andamento ao mandado de captura contra Belhadj que tem em seu poder.

O caso de Idlib

Numa situação de flagrante actualidade, os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia apoiam abertamente o terrorista Abu Muhammad al-Julani, chefe do Hayat Tharir al-Sham, a designação mais recente do ramo da al-Qaeda na Síria e que dirige a ocupação da província de Idlib, neste país. Os grupos terroristas às ordens de al-Julani contam com a ajuda militar da Turquia, em tropas, e dos Estados Unidos, no fornecimento de armas, transferidas da Sérvia, da Roménia e da Bulgária, como testemunhou a jornalista de investigação búlgara Dilyana Gaytandzhieva com base em numerosos documentos das empresas norte-americanos que participam neste tráfico.

«a guerra alegadamente desencadeada contra este fenómeno destruiu Estados fortes e independentes, ampliou os focos de instabilidade um pouco por todo o mundo, espalhou ainda mais fome e aprofundou as desigualdades, alargou o poder imperial e colonial no controlo das fontes dos mais importantes recursos naturais – com as consequências trágicas que se percebem para o estado do planeta»

Idlib é o último bastião terrorista na Síria, uma zona que Washington e Bruxelas ambicionam transformar em base para reactivarem os seus objectivos de derrubar o governo de Damasco e desmantelar o país – a exemplo do que aconteceu no Iraque, na Líbia e também no Iémen, sem contar com a Somália e o Sudão.

De acordo com uma operação de propaganda montada em Washington, e na qual foi utilizada a estação de televisão pública dos Estados Unidos PBS, a organização de al-Julani terá rompido com a al-Qaeda. O chefe terrorista foi entrevistado pela PBS para declarar a sua fidelidade a Washington e a contenção da violência, mas a situação no terreno permanece imutável, gerida sob o clima de terror próprio da al-Qaeda. O corte de al-Julani com a organização fundada por Bin Laden não é para levar a sério.

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Washington relança a Al-Qaeda na Síria

A aliança entre Washington e a NATO com grupos terroristas jihadistas salafitas não é nova, mas só na Líbia foi assumida de maneira tão clara como a que está a ser trabalhada agora em território sírio.

Militares norte-americanos e «rebeldes» em Al-Tanf, no Sul da Síria, junto à fronteira com a Jordânia
Créditos / Sputnik News

É oficial: os Estados Unidos estão a instrumentalizar um grupo da rede Al-Qaeda para institucionalizar a ocupação da província de Idlib, na Síria, e prolongar assim a balcanização do país e a guerra contra o governo legítimo de Damasco. A aliança entre Washington e a NATO com grupos terroristas jihadistas salafitas não é nova, mas só na Líbia foi assumida de maneira tão clara como a que está a ser trabalhada agora em território sírio.

Um conjunto de comportamentos e actuações que conduzem ao espectro bipartidário dos Estados Unidos e à própria administração Biden revela que está em curso um branqueamento de um grupo de mercenários ligados à Al-Qaeda agora designado Hayat Tharir al-Sham (HTS) depois de se ter chamado Jabhat al-Nusra e Fateh al-Sham; a mudança de nome foi sugerida por meios ligados à NATO porque a al-Nusra, desde sempre activa na guerra internacional movida contra a Síria, tinha a bênção do chefe da Al-Qaeda, Ayman al-Zavahiri, como um ramo da entidade terrorista fundada por Bin Laden com a colaboração directa da CIA.

O Hayat Tharir al-Sham é o grupo de mercenários ditos islâmicos que assumiu a chefia do processo de ocupação da província síria de Idlib como último reduto terrorista perante a ofensiva do Exército Nacional Sírio. Os salafitas, com o apoio essencial do exército da Turquia, o segundo mais numeroso da NATO, impuseram no território um governo de terror medieval com assassínios e prisões em massa e o extermínio e conversão forçada das comunidades cristãs e drusas.

À cabeça desse regime avulta Mohammad Jolani, um criminoso que esteve associado ao «califado» criado pelo Isis, Daesh ou «Estado Islâmico» em torno da «capital» Raqqa. Jolani trocou recentemente os trajes tradicionais por blazer e camisa azuis para dar uma entrevista de Estado à cadeia pública de televisão norte-americana PBS na qual garantiu que a situação em Idlib «não representa uma ameaça para a segurança da Europa e da América». A entrevista foi um ponto alto da campanha que visa apresentar o chefe terrorista como um político moderno, «semi-tecnocrático» até, digno de ser considerado como uma peça estratégica da nova fase de guerra que os Estados Unidos e a NATO desenvolvem contra a Síria depois da entrada em funções da administração Biden. Jolani “é consideravelmente diferente da Al-Qaeda, não participa em ataques de larga escala contra civis”, garante o entrevistador da PBS, Martin Smith

Um activo da Al-Qaeda

Mohammad Jolani entrou no cenário da guerra contra a Síria em 2012, como membro do grupo Al-Qaeda na Mesopotâmia, até então envolvido na guerra contra os xiitas no Iraque.

Na Síria, Jolani juntou a sua organização ao Isis de Abu Bakr al-Baghdadi na ocupação do nordeste da Síria e criação do «califado» de Raqqa. A anteceder essa grande ofensiva do «Estado Islâmico», Baghdadi participara numa reunião ilegal em território sírio com o senador norte-americano John McCain. Os laços entre Washington e o terrorismo islâmico sempre estiveram lá.

Jolani ter-se-á desentendido depois com Baghdadi por questões financeiras e de estratégia e fundou então o Jabhat al-Nusra, integrado na rede da Al-Qaeda com o aval do chefe desta organização.

Em 2013, o Jabhat al-Nusra foi um dos grandes contemplados – juntamente com o Isis – pela gigantesca operação Madeira de Sicómoro, desencadeada pela administração Obama e através da qual a CIA canalizou mil milhões de dólares anuais para grupos terroristas representando «a oposição síria». Para essa operação contribuiu designadamente o fundo de investimento KKR, dirigido então por David Petraeus, general norte-americano com vários escândalos às costas principalmente nas guerras do Afeganistão e da Líbia.

Pode dizer-se que desde essa altura Mohammad Jolani não mais saiu do radar dos protegidos clandestinamente por Washington; o seu grupo destacou-se na criminosa ocupação de Alepo Oeste, onde teve representantes da NATO como conselheiros, como se comprovou pela captura destes quando o Exército Nacional Sírio libertou a cidade.

O Jabhat al-Nusra recuou então para Idlib onde montou um feudo cruel sustentado pela situação de fronteiras abertas com a Turquia, de onde lhe chegam constantes apoios militares, reforços de mercenários e armas. E também o «apoio moral» prestado por figuras como James Jeffrey, enviado norte-americano para a Síria e um dos maiores defensores do reforço do envolvimento militar directo dos Estados Unidos no país.

«Um novo homem»

Depois de ter mudado o nome do seu grupo por duas vezes, por recomendação de meios da NATO para simular um «afastamento» da Al-Qaeda, Mohammad Jolani deu mais um passo importante, certamente não apenas por iniciativa própria: transformou a administração ocupante de Idlib pelo Hayat Tahrir al-Sham no chamado «Governo de Salvação da Síria».

É em torno desta operação que se tem desenvolvido toda a campanha de branqueamento da figura do terrorista Jolani, na qual desempenha um papel determinante o Internacional Crisis Group (ICG), uma entidade de inteligência ocidental financiada nomeadamente pela União Europeia e que «aconselha» um maior envolvimento militar da NATO, por exemplo na Síria. O ICG é também uma entidade subsidiária do conspirativo e globalista Grupo de Bilderberg.

Recorda-se que o ICG teve um papel crucial no processo de desmantelamento da Jugoslávia através da NATO e distinguiu-se, por exemplo, na acção de pilhagem dos bens minerais e industriais da Sérvia no Kosovo para os entregar, naturalmente, a grupos económicos ocidentais.

Em Janeiro de 2020, o International Crisis Group conversou durante quatro horas com Mohammad Jolani e concluiu estar perante «um novo homem». O Hayat Tahrir al-Sham é «um grupo local independente da cadeia de comando da Al-Qaeda, com uma agenda estritamente islâmica, não transnacional», concluiu.

Por isso o IGC é uma entidade fulcral no grupo de organizações e personalidades norte-americanas e europeias que recomenda a saída da organização de Jolani da lista de grupos terroristas que vigora em Washington.

Essa presença na lista é um «grande obstáculo», alega o ICG, porque «o HTS distanciou-se dos ataques transnacionais e dos militantes que os defendem». Ideia que o próprio dirigente terrorista, em sintonia, completou na entrevista à PBS afirmando que os seus jihadistas salafitas e Washington têm o mesmo objectivo: o derrube do governo de Damasco.

Percebe-se o objectivo da campanha para retirar o Hayat Tahrir al-Sham da lista de organizações terroristas. Ganharia legitimidade internacional e o seu «governo de salvação» exercido pela Al-Qaeda estaria em condições de ser a nova entidade na qual os Estados Unidos e o Ocidente em peso poderiam apostar para relançar a guerra contra Damasco a partir de Idlib.

Balcanização

Além de Idlib, tropas e mercenários estrangeiros ocupam também uma área do nordeste da Síria onde se movem as chamadas «Forças Democráticas Síria» (FDS) – um misto de milícias curdas e restos do Isis – apoiado por tropas norte-americanas no terreno. Esta balcanização da Síria que caracteriza a fase actual da guerra é a base do previsível relançamento da agressão contra a soberania do país.

A propósito da importância estratégica desta ocupação, juntamente com a de Idlib, a publicação Foreign Policy salientou em 2019 que o já citado enviado norte-americano James Jeffrey «começou a fazer planos para ficar no nordeste da Síria indefinidamente como obstáculo às tentativas de Assad para consolidar o poder. Em particular, a equipa de James Jeffrey pretendia negar ao presidente sírio e aos seus apoiantes iranianos o acesso aos cobiçados campos de petróleo da província de Deir Ezzor, que estão na sua maioria sob controlo das Forças Democráticas Sírias».

Estas intenções foram confirmadas pelo próprio James Jeffrey ao confessar que fez tudo, incluindo mentir ao presidente, para impedir a administração de Trump de retirar tropas da Síria. «Estávamos sempre a jogar com o número de soldados presentes na Síria para evitar uma retirada total», admitiu.

Declarações deste teor misturam-se agora com a importância atribuída à Al-Qaeda nos planos norte-americanos e atlantistas, perceptível no branqueamento da figura do terrorista Mohammad Jolani.

Charles Lister, um analista britânico em Washington financiado por think tanks ligados às petroditaduras do Golfo e que defende abertamente o jihadismo na Síria, disse em 2017 no Atlantic Council, um think tank da NATO, que «o êxito relativo da Al-Qaeda na Síria incorporou a sua ideologia e a sua narrativa não apenas em partes do território sírio mas também em partes da região do Médio Oriente».

O mesmo Lister afirmou em 2018, numa audiência no Capitólio na qual defendeu, perante o Congresso, o reforço da intervenção militar na Síria: «a Al-Qaeda realmente acertou (…) A sua estratégia é muito mais eficaz no terreno. Eles estão a conquistar os corações e as mentes».

Ainda para Lister, Jolani encabeça um «governo semi-tecnocrático»; é «a versão árabe do Che Guevara, que se aprofunda na história política árabe moderna» fazendo do seu grupo HTS «um movimento jihadista politicamente mais maduro e inteligente». Da mesma maneira que o entrevistador da PBS, Martin Smith, passando com toda a ligeireza sobre as limpezas étnicas cometidas em Idlib, assegurou que Jolani «prometeu proteger os direitos dos drusos e cristãos».

A investigadora israelita Elizabeth Zurkov, associada ao Newlines Institute, uma entidade neoconservadora com sede em Washington, chega mesmo a garantir que «o HTS é indiscutivelmente o ramo da Al-Qaeda mais pragmático que existe».

Até Ken Roth, do Human Rights Watch, grupo de «direitos humanos» financiado por oligarcas, aderiu à «nova imagem» de Mohammad Jolani, elogiando a sua entrevista com o International Crisis Group.

Daí que, no passado mês de Junho, think tanks financiados por Israel tenham conseguido angariar mais armas da CIA para o HTS/Al-Qaeda, afinal também aliado do sionismo no campo de batalha em que transformaram a Síria.

Nem todas as vozes, é certo, concordam com esta admiração pela Al-Qaeda em Washington e Bruxelas, manifestada assim exuberantemente cerca de 40 anos depois de os Estados Unidos, o Reino Unido e a Arábia Saudita fundarem a organização terrorista de Bin Laden no Afeganistão. A história repete-se agora na Síria.

«Os think tankers mataram muita gente», acusa Brett McGurk, ex-enviado dos Estados Unidos contra o Isis e conhecedor dos bastidores destas santas alianças.

Outra voz com plena autoridade para desmontar o reforço da transformação da Al-Qaeda num ramo das forças militares dos Estados Unidos é a de Lindsey Snell, jornalista independente norte-americana, sequestrada e mantida em cativeiro pela Jabhat al-Nusra: «o HTS defende a mesma ideologia que o Isis mas decidiu apelar ao Ocidente para preservar a sua influência em Idlib enquanto embolsa milhões de dólares por mês de ajuda internacional e dinheiro do petróleo».

Snell revela também que «até hoje a maioria dos militantes ainda se designam Nusra; a separação da Al-Qaeda foi realmente cosmética e superficial porque eles continuam a ser os terroristas que impõem a lei islâmica em todos os territórios que controlam».

Mas estas são palavras que, no actual contexto ocidental de agressão à Síria, não contam para nada.

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Não é difícil deduzir destes factos e de muitos outros que tornariam este texto quilométrico, por exemplo o acolhimento e treino de mercenários do Isis em bases militares ilegais instaladas pelos Estados Unidos na Síria, que o terrorismo, sobretudo o de chancela «islâmica», se enraizou e ampliou ao cabo de 20 anos de «guerra contra o terrorismo» e o seu terrível cortejo de milhões de vítimas entre mortos, feridos, desalojados e refugiados. Os monstros entretanto criados funcionam como activos de operações clandestinas ao serviço de grandes potências. E os que dizem combater o terrorismo não têm rebuço em recorrer aos seus préstimos quando é impossível assumir perante a opinião pública a prática de atrocidades que contradizem lamentavelmente os discursos sobre direitos humanos, democracia, libertação dos povos e objectivos humanitários.

Em vez erradicar o terrorismo, a guerra alegadamente desencadeada contra este fenómeno destruiu Estados fortes e independentes, ampliou os focos de instabilidade um pouco por todo o mundo, espalhou ainda mais fome e aprofundou as desigualdades, alargou o poder imperial e colonial no controlo das fontes dos mais importantes recursos naturais – com as consequências trágicas que se percebem para o estado do planeta.

A «guerra contra o terrorismo» não é apenas uma fraude; é um crime contra os valores que a «civilização ocidental» apregoa, uma operação expansionista que exponencia os lucros da indústria transnacional de guerra e dos grandes potentados económicos e financeiros mundiais.


José Goulão, exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

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O texto, refere a PressTV, pede ao governo iraquiano que cumpra o seu dever de expulsar as forças ocupantes do país, acrescentando que parece que os EUA insistem em manter as suas tropas no Iraque.

Os grupos da resistência acusam os norte-americanos de pretenderem reter as suas forças nas actuais bases e de quererem assumir o controlo do espaço aéreo, para espiar as zonas que não são controladas pelos terroristas do Daesh.

«O sonho americano de que os seus soldados se sintam à vontade e de que as suas bases gozem de paz e estabilidade no Iraque é uma ilusão que jamais será concretizada», sublinha a Comissão.

«Todas as bases têm de ser entregues ao Exército iraquiano»

Numa outra declaração, a Aliança Fatah reiterou o apelo para a expulsão total das forças de combate estrangeiras do Iraque até ao final deste ano, sublinhando que as suas bases devem ser entregues ao Exército do país.

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Uma multidão nas ruas de Bagdade exige a saída das tropas norte-americanas

Milhões de pessoas juntaram-se na capital iraquiana para denunciar a presença militar dos EUA no país. A mobilização é vista como a segunda grande marcha na história do Iraque contra a ocupação estrangeira.

Uma multidão exigiu a retirada total do Iraque das forças militares norte-americanas
Créditos / Iraq & Middle East Updates

Iraquianos de «todas as províncias» juntaram-se em Bagdade esta sexta-feira, indica a PressTV, referindo-se à informação divulgada pela cadeia iraquiana al-Ahd. Os manifestantes exibiram cartazes e gritaram palavras de ordem contra Isreal e os EUA, e a exigir a expulsão das forças militares norte-americanas.

Sobre o número de participantes na marcha, o comandante da Polícia Federal iraquiana, Jafar al-Batat, afirmou que havia «mais de um milhão de pessoas a manifestar-se nas ruas de Bagdade». Por seu lado, o portal Iraq & Middle East Updates afirmou que a marcha tinha «mais de oito quilómetros de ruas cheias de gente» e referiu-se a «milhões de iraquianos que exigem a retirada total das forças norte-americanas do Iraque».

A mobilização desta sexta-feira surge na sequência do apelo feito na semana passada pelo clérigo xiita Moqtada al-Sadr para que os seus compatriotas realizassem uma «marcha de um milhão, forte, pacífica e unida, para condenar a presença americana e as suas violações».

Dirigindo-se aos iraquianos esta quinta-feira, al-Sadr pediu-lhes que defendam «a soberania e a independência do país», e que expulsem «os tiranos», refere a PressTV.

Recorde-se que o Parlamento iraquiano votou a favor de uma resolução em que se exige a retirada do país árabe das tropas norte-americanas e das demais forças por elas comandadas, no passado dia 5 de Janeiro, dois dias depois de Washington ter assassinado, nas imediações do aeroporto de Bagdade, o general Qassem Soleimani, comandante da Força Quds dos Guardiães da Revolução Islâmica iraniana, e Abu Mahdi al-Muhandis, subcomandante das Unidades de Mobilização Popular iraquianas (UMP; Hashd al-Shaabi, em árabe).

«Hora zero no confronto com os EUA»

Em declarações ao canal de TV libanês Al-Mayadeen, Jaafar al-Husseini, porta-voz do grupo de resistência Kata'ib Hezbollah (que integra as UMP), disse que serão usados «outros meios» contra as tropas norte-americanas se estas não saírem do país.


Por seu lado, Firas al-Yasser, membro da comissão política do movimento Harakat Hezbollah al-Nujaba, disse numa entrevista à agência iraniana Tasnim que as mobilizações de hoje marcam «um novo capítulo» nas relações do Iraque com os EUA. «Acreditamos que chegámos à hora zero no confronto com os EUA», afirmou.

Qais al-Khazali, líder do Asa'ib Ahl al-Haq, organização da resistência que também integra as UMP, referiu-se às manifestações de hoje como uma «segunda revolução», um século depois da Grande Revolução Iraquiana de 1920. Então, os iraquianos levaram a cabo enormes marchas contra a ocupação estrangeira, exigindo que os ocupantes britânicos saíssem do país.

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Quanto à presença de forças técnicas e assessores, deve ser realizada de acordo com a lei e respeitando o governo iraquiano, frisou a coligação política.

Desde o assassinato de Qassem Soleimani – figura de reconhecido prestígio militar na luta antiterrorista no Médio Oriente e que teve um papel determinante na batalha decisiva de Alepo, no Norte da Síria –, as forças da resistência iraquiana intensificaram a pressão sobre os militares dos EUA, com vista à sua saída do país árabe.

Em meados deste ano, Bagdade e Washington chegaram a um acordo sobre o fim da presença no Iraque das tropas de combate da coligação liderada pelos norte-americanos, que deverá ser efectivado até 31 de Dezembro do corrente.

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