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Protestos renovados no Haiti contra a ingerência externa

O líder do partido Pitit Dessalines, Moïse Jean Charles, agendou para esta segunda-feira uma mobilização de protesto frente à Embaixada dos EUA, contra aqueles que defendem tropas estrangeiras no país.

Os protestos contra a ingerência externa mantêm-se no Haiti (imagem de arquivo)
Créditos / cartacapital.com.br

Jean Charles exige a demissão do primeiro-ministro haitiano, Ariel Henry, que acusa de alta traição, e prevê uma «maré humana» nas ruas da capital, Porto Príncipe, em resposta ao governo, ao sector privado e ao Ocidente, que defendem uma nova intervenção o Haiti, disse o ex-senador à imprensa.

«O destacamento de uma força militar estrangeira no país solicitado pelo governo de Ariel Henry é para proteger os interesses dos capitalistas e dos colonos. Não somos o pátio das traseiras dos Estados Unidos», afirmou Moïse Jean Charles à plataforma Gazette Haïti, citado pela Prensa Latina.

No passado dia 6 de Outubro, o Conselho de Ministros deu luz verde a Henry para pedir ajuda militar estrangeira, com o destacamento de tropas especializadas capazes de fazer frente aos grupos criminosos armados que têm bloqueado a distribuição de combustível e de recuperar o controlo de esquadras, portos e aeroportos no país antilhano.

Alguns dias depois, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu o envio «sem demora» de forças internacionais para o Haiti, face ao agravamento da situação de insegurança e para ajudar o país caribenho, que enfrenta «imensos problemas humanitários».

O pedido deve ser analisado formalmente esta semana, no Conselho de Segurança da ONU, havendo a possibilidade de que Rússia e China bloqueiem o envio de tropas para o Haiti. No entanto, tanto os EUA como o Canadá já confirmaram o envio de viaturas blindadas e outros equipamentos.

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Muitos milhares no Haiti em defesa da democracia e contra a ingerência externa

Dezenas de milhares de pessoas manifestaram-se este domingo no Haiti em defesa da Constituição, denunciando o governo de Moïse, a «ditadura» e a acção do «imperialismo» no país caribenho.

Uma multidão mobilizou-se este domingo no Haiti para exigir a Jovenel Moïse que abandone o poder
CréditosEtant Dupain / Twitter

Segundo a agência AlterPresse, é difícil calcular com precisão o número de pessoas que ontem saíram à rua na área metropolitana de Porto Príncipe e em cidades como Cabo Haitiano, Jacmel ou Les Cayes, mas estima que tenham sido centenas de milhares a mobilizar-se para dizer «não» ao «regime de Jovenel Moïse», à sua «ditadura», ao «seu reino de sequestros em território nacional».

Na jornada de mobilização unitária, convocada pela Comissão de Protesto contra a Ditadura no Haiti, associações de advogados, organizações sociais e partidos políticos, os manifestantes quiseram denunciar a acção do Parti Haïtien Tèt Kale, que apoia o presidente Moïse, e exigir a este que abandone o poder e o Palácio Nacional, por considerarem que o seu mandato expirou no passado dia 7 de Fevereiro.

Na capital, a marcha começou junto ao viaduto baptizado como Cruzamento da Resistência e, ao longo do trajecto, foram-se juntando muitos outros manifestantes, incluindo personalidades da cultura e da política.

Num ambiente animado por camiões que transmitiam música, os manifestantes gritavam palavras de ordem contra a «ditadura», a «ingerência externa» e o «imperialismo», exibiam bandeiras do Haiti, cartazes com reivindicações diversas ou exemplares da Constituição, para lembrar a Jovenel Moïse que tem de respeitar a Carta Magna do país.

Especialmente visada pelas palavras de ordem e pelos cânticos da multidão foi a ingerência externa, a acção da missão da ONU no Haiti e a da diplomata norte-americana Helen Meagher La Lime, representante do secretário-geral das Nações Unidas e chefe do Gabinete Integrado da ONU no Haiti (Binuh).

Recentemente, La Lime apoucou a adesão e a dimensão dos protestos contra Jovenel Moïse – como para justificar o apoio à figura presidencial – e ontem os manifestantes cantaram que «Helene La Lime não sabe contar».

Também criticaram a influência da Casa Branca nos assuntos internos do Haiti e a «hipocrisia» da comunidade internacional, que apoia um presidente inconstitucional e não faz caso da pressão popular – enquanto noutros sítios a inventa, conforme os interesses.

A marcha, que foi no geral pacífica, visou também denunciar o aumento da insegurança, dos sequestros e dos assassinatos, sobretudo em Porto Príncipe, algo a que, segundo a oposição, não é alheia a acção de Moïse.

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Grande parte da população e membros do Senado não viram com bons olhos o pedido de ajuda formulado por Henry e exigiram que fosse retirado. Os protestos têm-se sucedido nas ruas.

No passado dia 12, a Comunidade das Caraíbas (Caricom) ofereceu-se como mediadora para um diálogo entre as partes em conflito no Haiti, instando-as a reunir-se com urgência «neste momento crítico da história do país, para pôr fim ao impasse político».

Com esse «impasse», têm-se repetido as notícias de mortes por cólera, de incapacidade de funcionamento dos hospitais, de fome a atingir «níveis catastróficos», de assassinatos e violações.

A solução para os problemas não passa pela intervenção externa

Para Moïse Jean Charles, o pedido do governo tem «carácter ilegítimo». Por essa razão, várias organizações têm estado a dinamizar, desde segunda-feira passada, mobilizações diárias contra a crise política, o nível crescente de violência e o pedido de intervenção estrangeira por parte do governo de Ariel Henry.

Com o lema «Abaixo Ariel Henry, abaixo a ocupação», os organizadores reafirmam o direito a uma vida mais digna, sem violência e sem «invasões». Prevê-se que as mobilizações continuem até meados de Novembro, referiu Jean Charles.

Entre outros aspectos, os oponentes à intervenção externa lembram que a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) foi criada em 2004, tendo como objectivo propalado pôr fim à crise política no país. No entanto, cinco anos depois do fim da missão, em 2017, o Haiti vive um cenário pior, criticam os defensores da soberania nacional.

As tropas estrangeiras são acusadas, nomeadamente, de terem contribuído para espalhar a cólera no Haiti, participado em massacres e cometido violações e outros abusos sexuais nos bairros pobres.

O pedido de intervenção é «escandaloso»

Camille Chalmers, analista político e economista, disse à Prensa Latina que o pedido de intervenção externa para lidar com grupos criminosos é «escandaloso».

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Capacetes azuis acusados de abuso sexual no Haiti

Mulheres, e até crianças de 11 anos, foram abusadas sexualmente por membros da missão de paz da ONU no Haiti entre 2004 e 2017, segundo os testemunhos de residentes, recolhidos numa investigação.

As acusações agora apontadas vêm-se juntar a um longo rol de outras acusações de repressão, tortura, abusos e exploração sexual formuladas contra a MINUSTAH entre 2004 e 2017
Créditos / Misión Verdad

O estudo – intitulado «Eles punham-te umas moedas na mão para te fazer um bebé» – foi dirigido por Sabina Lee, da Universidade de Birmingham (Reino Unido), e Susan Bartels, da Universidade de Queen (Canadá), e voltou a trazer à tona a questão da violência sexual dos capacetes azuis que exerceram funções no âmbito da polémica Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH, na sigla em francês).

Os investigadores entrevistaram, no terreno, mais de 2100 homens, mulheres e crianças que viviam nas imediações de sete bases da MINUSTAH, e obtiveram mais de 2500 testemunhos, nos quais se dá conta dos abusos sexuais e se refere 265 vezes as «Petit MINUSTAH» – modo como são conhecidas no Haiti as crianças que nasceram na sequência das relações sexuais mantidas entre as mulheres e raparigas haitianas e os funcionários das Nações Unidas.

Em declarações à Reuters esta semana, Sabine Lee, uma das responsáveis pela investigação, que foi publicada no passado dia 11 na revista International Peacekeeping, sublinhou que os cenários em que estas crianças foram concebidas e nasceram variam muito, mas que é clara a situação de aproveitamento das raparigas menores de idade.

Muitos dos testemunhos que, no estudo, abordam as relações sexuais e os «Petit MINUSTAH» frisam a pobreza extrema que levava as mulheres e jovens a situações de exploração e abuso sexual, incluindo casos de violação.

Embora alguns testemunhos admitam casos de «relações consensuais», muitos sublinham o aproveitamento de situações de vulnerabilidade por parte de funcionários da ONU, que ofereciam pequenas quantias de dinheiro ou comida em troca de sexo.

«Eles punham-te umas moedas na mão para te fazer um bebé», diz um homem citado na investigação, enquanto uma mulher afirma que os funcionários da ONU engravidavam raparigas de 12 e 13 anos e, depois, as deixavam sozinhas, «na miséria, a criar os bebés».

Treino «ineficaz» das Nações Unidas

Um responsável das Nações Unidas afirmou que o organismo leva este assunto muito a sério e que reconhece 29 vítimas e 32 crianças nascidas «da exploração e do abuso sexual» cometidos pelo pessoal da MINUSTAH. Acrescentou que a ONU está «activamente empenhada» em garantir que recebem o apoio necessário.

No entanto, as autoras do estudo afirmam que as regras da ONU relativas a relações sexuais com comunidades locais foram «ineficazes», destacando que o pessoal das Nações Unidas deve ser mais bem treinado e enfrentar medidas disciplinares mais rigorosas nestas ocorrências. «O treino tem de ir mais além, "não se pode ir [a um sítio] e violar uma mulher"», disse Sabina Lee à Reuters.


A Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH) esteve envolvida em polémicas praticamente desde a sua criação, em 2004, tendo no seu historial um longo rol de acusações de repressão, tortura, abusos e exploração sexual.

Além disso, os esgotos de uma base da MINUSTAH foram responsáveis pela contaminação do maior rio do Haiti com o vibrião colérico, em 2010, gerando um surto de cólera que matou cerca de 10 mil pessoas no país caribenho. Seis anos mais tarde, em Agosto de 2016, a ONU reconheceu a responsabilidade.

«A situação geral do país piorou com a presença da MINUSTAH», disse à Sputnik o jornalista e professor haitiano Pierre Negaud Dupenor, em Novembro do ano passado, já depois do fim da missão. A afirmação desta missão como uma força de ocupação e a exigência da sua saída do país foram sendo expressas por vários dirigentes políticos haitianos ao longo dos anos e por milhares de manifestantes nas ruas.

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Chalmers, também dirigente da Plataforma Haitiana para o Desenvolvimento Alternativo, afirma que se assiste actualmente à construção da opinião pública para justificar uma intervenção militar, inclusive com a utilização dos grupos criminosos que fazem parte do sistema.

«Criar uma situação caótica, insustentável, de crise humanitária, é um elemento para justificar a intervenção militar que querem fazer no Haiti, de modo a garantir o controlo absoluto do sistema político e descartar qualquer possibilidade de um projecto popular, de um projecto das classes populares, bem como a ligação possível a Cuba ou à Venezuela», disse Chalmers.

O economista lembra que, durante a formação da Polícia sob o mandato da Minustah, especialistas afirmaram que o tipo de armamento não era adequado nem suficiente.

«É uma incapacidade construída, mantida e reproduzida para justificar a dominação e a intervenção e, nesse sentido, foram amplamente demonstradas as ligações que existem entre os grupos criminosos armados e o poder executivo», frisou.

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