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Três fundamentalismos modelam o Médio Oriente

Não basta a um Estado ter uma bandeira flutuando em Nova Iorque em frente ao palácio de vidro das Nações Unidas. É preciso haver terra livre onde o povo que nela habite seja senhor de todas as capacidades.

Um manifestante palestiniano passa por uma bomba de gás lacrimogéneo disparada por forças israelitas durante um protesto. 22 de Agosto de 2019, Cisjordânia, Palestina.
CréditosAbbas Momani

Três fundamentalismos político-religiosos continuam a modelar um novo Médio Oriente, perante a complacência do mundo, a inércia da ONU e a cumplicidade activa da União Europeia. A partir do eixo Washington-Telavive-Riade, os fundamentalismos cristão anglo-saxónico, sionista e islâmico tratam de eliminar os obstáculos à sua afirmação plena na região, seja na Síria, no Iraque, na Palestina. Percebendo-se assim por que o Irão está debaixo de fogo.

Em plena campanha eleitoral, o primeiro-ministro de Israel dispara em todas as direcções: investidas aéreas contra a Síria e o Iraque, chegando a atingir objectivos a mil quilómetros de distância, incursões de drones no Líbano, bombardeamentos contra Gaza.

Entretanto, os Emirados Árabes Unidos compram equipamentos de espionagem a um homem de negócios israelita e colonos sionistas são vistos em Jerusalém, junto ao Muro das Lamentações, agitando com emoção bandeiras da Arábia Saudita. A convergência regional entre os fundamentalismos sionista e islâmico instaura uma nova relação de forças no Médio Oriente em que as principais vítimas são os palestinianos e os seus direitos nacionais.


As operações de guerra de Israel contra vários países árabes, tendo sempre como pano de fundo a pressão latente contra o Irão, não suscitam quaisquer reacções significativas da Liga Árabe e da Organização da Conferência Islâmica. Deduz-se, sem dificuldade, que as elites árabes endinheiradas, a começar pelas petromonarquia, já escolheram o seu campo e situam-se ao lado de Israel contra os palestinianos e os países árabes que se opõem à arbitrariedade israelita – sustentada pelos Estados Unidos e com a conivência da União Europeia.

Ainda assim, não deixa de ser surpreendente que «jornalistas» ao serviço das ditaduras monárquicas do Golfo, sobretudo da Arábia Saudita, sejam recebidos com grandes demonstrações de amizade e hospitalidade por sectores governamentais israelitas; e que um deles, um blogueiro oficial de Riade, tenha escrito que os lugares santos islâmicos de Jerusalém, entre eles a Mesquita Al-Aqsa, ficariam muito bem sob a administração de Israel.

Que não haja dúvidas quanto ao teor oficial de uma declaração deste tipo, sabendo-se o que pode acontecer a jornalistas e blogueiros não oficiais nestes tempos em que pontifica o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, aliás amigo dilecto de Benjamin Netanyahu, o chefe de governo de Israel.

Islamismo sob pressão fundamentalista

As nações islâmicas seguem na mesma direcção da inércia cúmplice perante a virulência de Israel contra países árabes. Podem encontrar-se múltiplas razões para este conformismo, entre elas o cuidado em não incomodar os Estados Unidos, sobretudo por razões que para esses governos não valerão a pena, designadamente uma causa que muitos dizem «em extinção» como a palestiniana.

Não esqueçamos ainda que muitos governos de nações islâmicas vivem sob pressão dos radicalismos religiosos internos, tendo estes, como está abundantemente provado, ligações com estruturas de poder norte-americanas, israelitas e da NATO. Para quem ainda seja céptico quanto à realidade destas cumplicidades recomenda-se o aprofundamento do conhecimento de circunstâncias que envolveram a mudança de regime na Líbia e a tentativa de alcançar o mesmo objectivo ainda em curso na Síria.

Sobre estas alterações de relações de forças no Médio Oriente, as Nações Unidas e o seu secretário-geral nada dizem e muito menos fazem. Dirá o Eng. Guterres, como já se tem ouvido, que nada do que está em curso na região incumpre o cenário estabelecido pela ONU, ao longo de décadas, para que se respeitem os direitos de todas as populações da região.

Quando um dia os factos que se vão consumando, seja a anexação dos territórios palestinianos que Israel continua a realizar, seja um qualquer «acordo do século» que instaure uma nova ordem pretensamente negociada à revelia do direito internacional, talvez o secretário-geral da ONU – este ou outro – continue a dizer que nada se alterou formalmente. E assim se fará história.

Cilindrar os palestinianos

O facto mais importante a notar nesta situação – e dele decorrem todos os outros – continua a ser a questão palestiniana.

Os direitos inalienáveis do povo palestiniano, sobretudo a um Estado nacional viável com capacidade para desempenhar todas as atribuições inerentes, desapareceram dos discursos dos políticos mundiais e das perorações dos media mainstream.

Mesmo os que invocam, burocraticamente, o conceito de dois Estados sabem que pelo caminho actual das coisas não há qualquer maneira de lá chegar. Todos os dias a colonização israelita engole mais um pedaço da Cisjordânia, território indispensável para que nele seja instaurado um segundo Estado na Palestina, o Estado Palestiniano.

«Sejamos realistas: existe uma relação de forças no Médio Oriente e no mundo capaz de reverter a colonização israelita, de proporcionar a união da Cisjordânia à Faixa de Gaza num Estado livre e viável?»

Não basta a um Estado ter uma bandeira flutuando em Nova Iorque em frente ao palácio de vidro das Nações Unidas. É preciso haver terra livre onde o povo que nela habite seja senhor de todas as capacidades para decidir sobre os seus direitos e interesses. Essa terra, porém, é todos os dias mais exígua, murada e cercada, minada por colonatos onde pontificam arruaceiros sionistas cada vez mais irmanados com os émulos fundamentalistas islâmicos.

Não existem já condições para criar um Estado viável; e, por isso, surgem os «acordos do século», idealizados por três fundamentalismos – o cristão norte-americano, o sionista e o islâmico das petromonarquias – para encontrarem a solução possível e milagrosa que estabeleça uma situação compatível com as novas condições existentes e onde não cabe qualquer entidade que seja «palestiniana».

O mundo assiste, impávido, ao extermínio de um povo, porque é isso que está a acontecer aos palestinianos. Dir-se-á, como faz o Eng. Guterres, que nada disto está consumado. Sejamos realistas: existe uma relação de forças no Médio Oriente e no mundo capaz de reverter a colonização israelita, de proporcionar a união da Cisjordânia à Faixa de Gaza num Estado livre e viável?

A ficção da «unidade árabe»

Os factos caminham violentamente em sentido contrário. Os fundamentalismos sionista e islâmico, partes inalienáveis do «mundo civilizado», unem-se sob o patrocínio do fundamentalismo cristão evangélico anglo-saxónico para impedir que se cumpra o direito internacional, também no Médio Oriente.

As tentativas de destruição da Síria e do Iraque são estratégias paralelas ao extermínio da causa palestiniana e ao enterro definitivo da grande ficção que sempre foi a chamada «unidade árabe». Convergem no objectivo de eliminar os obstáculos à afirmação de Israel como potência plenamente inserida no Médio Oriente, gerindo a região de braço dado com as ditaduras terroristas do Golfo comandadas pela Arábia Saudita.

«Não basta a um Estado ter uma bandeira flutuando em Nova Iorque em frente ao palácio de vidro das Nações Unidas. É preciso haver terra livre onde o povo que nela habite seja senhor de todas as capacidades para decidir sobre os seus direitos e interesses.»

Há desafinações, é certo, na componente árabe. Os Emirados Árabes Unidos desentenderam-se agora com a Arábia Saudita devido ao choque de interesses no Iémen; e o Qatar e Riade continuam de costas voltadas.

Significativamente, estas desavenças envolvem os tipos de relações que cada um cultiva com o Irão: ruptura no caso saudita, alguns interesses partilhados nos casos do Qatar e dos Emirados.

Não surpreende, por consequência, que o grande eixo fundamentalista Washington-Telavive-Riade tenha colocado o Irão sob mira. É um dos grandes obstáculos a abater para que a sua estratégia vingue plenamente. Sendo importante notar que o comportamento da União Europeia traduz, em última análise, um alinhamento cúmplice com os objectivos do eixo.

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