Slobodan Milošević, ex-presidente da antiga Jugoslávia, foi ilibado de responsabilidades pelos crimes de genocídio de que foi acusado, pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPII), com sede em Haia. As considerações constam num relatório de 2590 páginas, sobre Radovan Karadžić, ex-político sérvio, condenado a 40 anos de prisão em Março deste ano por causa do sucedido em Srebrenica.
O nome de Milošević (1941-2006) aparece várias vezes ao longo do texto, cuja divulgação não mereceu qualquer declaração ou conferência de imprensa por parte do Tribunal, segundo o jornalista da RT, Neil Clark. Foi graças ao jornalista Andy Wilcoxson que este relatório passou a ser conhecido.
A acusação de genocídio e de crimes contra a humanidade na guerra da Bósnia, que ocorreu entre 1992 e 1995, inseriu-se numa forte campanha contra a República Federal da Jugoslávia. São exemplos desta campanha, entre outros, os bombardeamentos da NATO naquele país e a extradição forçada de Milošević, em 2001, contra a vontade do então presidente Kostunica e a decisão do Tribunal Constitucional jugoslavo.
O TPII é um tribunal criado pelas Nações Unidas, em 1993, num contexto de forte campanha contra os líderes sérvios. Assumindo que a imparcialidade é um factor de suma importância, este Tribunal não julga, a título de exemplo, os bombardeamentos da NATO. Referira-se que os EUA não aceitam ser julgados por tribunais internacionais, pelo que não são formalmente acusados de crimes de guerra.
Os sites da RT, Telesur e Counter Punch citam passagens do relatório que comprovam que a relação entre Milošević e Karadžić se começara a deteriorar em 1992, e que o primeiro criticava o segundo sobre a sua actuação na guerra.
O conteúdo do relatório
Numa conversa interceptada entre Milošević e Karadžić, a 24 de Outubro de 1991 (parágrafo 2687, página 1036), pode ler-se que o ex-presidente «expressou as suas reservas sobre a forma como a Assembleia de Bósnios Sérvios poderia excluir os Muçulmanos que eram "pela Jugoslávia"».
Na nota de rodapé 11027, página 1303, afirma-se: «A Câmara nota que a relação entre Milošević e o Acusado [Karadžić] se deteriorou no início de 1992; em 1994, eles deixaram de concordar sobre a rumo a ser empreendido. Além disso, com início em Março de 1992, houve aparente discórdia entre o Acusado e Milošević em encontros com representantes internacionais, durante os quais Milošević e outros líderes sérvios acusaram abertamente os líderes sérvios bósnios de cometerem "crimes contra a humanidade" e "limpeza étnica" e a guerra para os seus próprios fins.»
Numa outra passagem (parágrafo 3295, página 1244), lemos que «Milošević tentou dialogar com os Bósnios Sérvios, dizendo-lhes que compreendia as suas preocupações, mas que era mais importante acabar com a guerra e que eles alcançariam todos os objectivos que lhes foram negados pelo plano quando as conversações de paz fossem retomadas».
No parágrafo 3288, página 1241, lê-se: «Num encontro em Belgrado, a 15 de Março de 1994, com a presença de Jovića Stanišić, Martić, Mladić, e o Acusado, Slobodan Milošević declarou que "todos os membros de outras nações e etnias devem ser protegidos" e que "o interesse nacional dos Sérvios não é a discriminação.»
Há duas décadas a NATO trazia do céu a liberdade... à bomba
A 29 de fevereiro de 1992, na Bósnia (parte integrante da Jugoslávia), após forte pressão dos países da NATO, realiza-se um referendo sobre a constituição de um Estado independente, apesar de se saber que um terço da população da região – os Sérvios – não apoia este modelo de Estado. Estavam criadas as condições para a ascensão de tensões étnicas que conduziriam a uma longa guerra civil.
Em meados de Abril de 1994, inicia-se a ocupação militar da Bósnia pela NATO no quadro da chamada «parceria para a paz». No ano seguinte, em Agosto, e com o pretexto de a artilharia sérvia ter morto 41 pessoas, a NATO avança com a maior ofensiva até ali desencadeada nos Balcãs. Mais de 60 aviões de guerra atacam posições sérvias na região de Sarajevo.
Em Maio de 1995, o Exército croata, de colaboração com a ONU, ocupa uma das quatro regiões da Croácia habitadas por Sérvios. Nesse mesmo mês, aviões da NATO atacam posições sérvias em Pale e abrem caminho para a limpeza étnica da Kraína. Centenas de milhares de civis sérvios têm de fugir ao massacre e abandonar as suas terras e haveres.
A 21 de Março de 1999, com o pretexto de evitar uma «catástrofe humanitária» no Kosovo, a aviação da NATO ataca a Jugoslávia. O ataque da NATO provoca milhares de vítimas, inclusive entre a população civil. Durante 78 dias, Belgrado e outras cidades da Sérvia são bombardeadas, enquanto fábricas, pontes e auto-estradas são destruídas. A infra-estrutura económica da Jugoslávia é completamente arruinada e o Kosovo é transformado num protectorado da NATO, apesar de a Resolução 1244 da ONU (1999) considerar aquele território como parte integrante da Sérvia.
A NATO constata estarem reunidas as condições para derrubar o presidente Milošević, que tinha vindo a resistir à agressão imperialista, e vê chegada a hora de levar ao poder as forças colaboracionistas controladas pela Alemanha e pelos EUA.
O bombardeamento e a invasão da Jugoslávia por uma coligação de estados (NATO) sem que nenhum deles tenha sido agredido pela República Federal da Jugoslávia, assim como o financiamento externo de figuras políticas constituíram graves violações do direito internacional. A Resolução 45/168 da Assembleia Geral da ONU proíbe a qualquer Estado «o financiamento de partidos ou grupos políticos e todo o tipo de actividade que possam desfigurar o processo eleitoral».
Com a liquidação da Jugoslávia (com as respectivas e sistemáticas secessões promovidas pelos EUA, a NATO e a União Europeia), a concretização do principal objectivo da agressão era agora mais fácil de atingir: impor o domínio imperialista nos Balcãs. A restauração capitalista naquela região tem vindo a provocar a miséria crescente dos povos da ex-Jugoslávia. A lei das privatizações de Maio de 2001 deu o golpe final na economia sérvia e inaugurou a sua venda ao desbarato.
O principal centro de produção metalúrgico, a fábrica SARTID em Smeredo, incluindo as intalações do porto do Danúbio, foram entregues ao grupo norte-americano US Steel por apenas 23 milhões de dólares. Os impérios do tabaco Philipe Morris e British American Tobaco apoderam-se das maiores fábricas de cigarros em Nis e Vranje. Os quatro maiores bancos sérvios (Beobanka, Jugobanka, Investbanka e Beograska Banka) foram encerrados e substituídos por bancos privados, onde predomina o banco austríaco Raiffeinsenzentralbank ligado à Alemanha.
Consumado o golpe, estava aberto o caminho para a condenação moral, política e finalmente judicial dos vencidos pelos vencedores.
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