A notícia fazia a manchete do Açoriano Oriental, esta segunda-feira. Nos Açores, há crianças a trocar charros por drogas sintéticas, quase todas indetectáveis nos testes de despiste a substâncias ilícitas, ficando «mais alteradas, viciadas e doentes», descreve Sílvia Moreira, psicóloga da Alternativa – Associação contra as Dependências.
Segundo a especialista, a partir dos 11 anos, «sinalizadas por absentismo ou comportamento desadequado» pela escola ou outras entidades, e depois encaminhadas para a associação para fazer testes de despiste de consumo de drogas, as crianças deixam de fumar charros e «passam a ter um problema maior».
Para a directora-geral da Arrisca - Associação Regional de Reabilitação e Integração Sociocultural dos Açores, Suzete Frias, escapar aos testes «pode ser uma das motivações para o consumo, mas não é só nos jovens». A «grande causa do consumo nos Açores é a pobreza, graças ao binómio baixos salários / má qualidade do emprego, e «a maior motivação» é o preço: dois ou três euros, assinala.
A uma semana das eleições regionais, o AbrilAbril dá a conhecer uma de duas conversas com sindicalistas, que fazem o retrato dos problemas e das lutas dos trabalhadores do arquipélago. O AbrilAbril conversou com João Decq Motta, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores (CGTP-IN), que falou sobre algumas das maiores dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores açorianos em vésperas de eleições e as respostas políticas que se exigem. A realidade daqueles que vivem e trabalham no arquipélago dos Açores é marcada por um conjunto de dificuldades sociais e económicas que estão bem identificadas, mas tem faltado vontade política para as solucionar. O surto epidémico de Covid-19, pelo medo que arrastou consigo, tem sido pretexto para, aqui como um pouco por todo o País, atacar os direitos dos trabalhadores e reduzir os seus rendimentos. Desde logo porque os rendimentos não foram garantidos àqueles que ficaram em lay-off, lembra João Decq Motta, acrescentando que outra medidas que podiam ter ajudado a estancar as perdas das famílias não foram tomadas com a amplitude que seria necessária, como o reforço dos apoios sociais, abonos de família e complementos de pensão. «É necessário erradicá-la [a precariedade], e compete ao governo regional agir nesse sentido» João Decq Motta No que toca ao complemento do salário mínimo regional ao valor nacional, este fica-se pelos 5%, quando a CGTP-IN reivindica 7,5%. De qualquer forma, lembra, todas estas medidas de desagravamento fiscal e de remuneração complementar resultaram da luta dos trabalhadores da região, numa altura em que não havia maioria absoluta do PS. Com eleições regionais à porta, o caminho que precisa de resultar do próximo domingo, dia 25, é o do combate à precariedade laboral. «É necessário erradicá-la, e compete ao governo regional agir nesse sentido», afirmou o dirigente. Segundo Decq Motta, as ajudas não podem ser para as grandes empresas, uma vez que as maiores dificuldades colocam-se aos pequenos e médios empresários e aos pequenos produtores. É necessário dar prioridade ao pagamento das dívidas da região às empresas e dilatar prazos fiscais para impedir o fecho dos estabelecimentos comerciais, defendeu. Por outro lado, é necessário apostar na diversidade da produção agrícola da região, reforçando os apoios aos produtores de hortícolas e frutícolas. «Não podemos satisfazer as nossas necessidades alimentares se os produtores, nomeadamente de carne e de leite, não receberem o justo valor pelo que produzem», pelo que urge reforçar o apoio ao consumo dos produtos regionais e criar mecanismos de protecção do rendimento dos agricultores. Das medidas que foram implementadas para mitigar os efeitos da crise sanitária na economia regional, o dirigente critica o que considera ser uma iniciativa do governo regional «sempre na ótica do apoio ao patronato e às empresas», que viram os seus lucros protegidos, sendo que a mesma «bitola» nunca se aplicou aos rendimentos dos trabalhadores. «Os trabalhadores têm sofrido na pele a desregulação dos seus horários de trabalho, a imposição das horas extraordinárias» João Decq Motta «Por exemplo, uma empresa que garanta que não faz despedimentos até ao final de Dezembro deste ano, vai ser ressarcida de todo o valor do lay-off, e quem é mais prejudicado são os trabalhadores, que nunca são compensados na totalidade», referiu. Mas há outras discriminações que não podem ser esquecidas, como o problema da evolução das tabelas salariais. «O aumento foi insuficiente mas o pior é que deixa de haver diferenciação», lembrou o sindicalista, destacando os casos da indústria conserveira, da panificação, e da grande distribuição onde houve aumento da actividade durante o confinamento mas em que continuam a existir trabalhadores com o salário mínimo regional a trabalhar há várias décadas. «Os trabalhadores têm sofrido na pele a desregulação dos seus horários de trabalho, a imposição das horas extraordinárias», o que sem aumentos remuneratórios leva a um justo descontentamento que não pode ser apaziguado com «palmas», sublinhou. Outro flagelo é o do desemprego, que aumentou apesar de não se reflectir em termos estatísticos, uma vez que muitos trabalhadores com vínculos precários foram despedidos desde Março sem entrar nas contas do sistema. «Escondem o desemprego real nos Açores, mas não conseguem esconder o aumento da pobreza», frisou, acrescentando que actualmente «a pobreza laboral atinge aqueles que trabalham mas cujos rendimentos não chegam para viver». Não desvalorizando o combate à pandemia, João Decq Motta lembra que o vírus do medo é igualmente grave: «O medo que tem sido instalado propositadamente, através de uma campanha ideológica que procura apresentar como natural e inevitável a perda de retribuições e direitos dos trabalhadores, é coisa que não podemos aceitar. E os trabalhadores não aceitam.» Uma vez que existem apenas três hospitais em nove ilhas, é fundamental o investimento nos centros de saúde que garantem os cuidados de proximidade e os internamentos. Lembrando os constragimentos que são decorrentes da insularidade, Decq Motta defende que são necessários mais meios humanos para um apoio com dignidade. «Não pode haver especialistas de todas as áreas em todas as ilhas, mas tem de haver meios suficientes e deslocações com regularidade», afirmou. «O medo que tem sido instalado propositadamente, através de uma campanha ideológica que procura apresentar como natural e inevitável a perda de retribuições e direitos dos trabalhadores, é coisa que não podemos aceitar.» joÃo Decq Motta Mas para haver meios humanos é necessário haver valorização profissional e salarial, o que não acontece. O dirigente sindical refere que existe uma «revolta muito grande» entre os profissionais da saúde, designadamente nos assistentes operacionais, devido à progressão nas carreiras e ao facto de trabalharem há décadas e ganharem 645 euros. «O Estado não concretizou a grelha salarial também na função pública, e o facto de as progressões estarem congeladas cria muitas injustiças, entre os que acabam de entrar e ganham o mesmo dos que trabalham há 20 anos», referiu o dirigente, acrescentando que o problema é que «ambos ganham mal» e que com 645 euros não se consegue viver. Segundo João Decq Motta, a questão decisiva para o futuro dos Açores é a erradicação da precariedade. Para isso, entende que os trabalhadores – os que começam agora as suas carreiras e os que já há muito tempo conhecem a exploração laboral – devem unir-se em torno dos seus sindicatos e criar as condições para que todos possam ter uma vida digna nos Açores. «Os trabalhadores sem organização e sem luta não conseguem impor os seus direitos e garantir que haja justiça social: a história tem-no demonstrado. Para que os Açores possam ser uma região mais justa, com lugar para todos, é fundamental que cada uma faça a sua contribuição e se organize na luta», concluiu. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Local|
«Escondem o desemprego real nos Açores. Não conseguem esconder o aumento da pobreza»
Fim da precariedade depende da acção política
Ajudas ao patronato e aos trabalhadores são desiguais
Desemprego real aumenta e pobreza laboral mantém-se
Serviços Públicos são garante da igualdade nos Açores
Açorianos devem organizar-se e exigir uma vida digna
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Os menores a quem a Arrisca dá apoio «têm a partir de 12 anos», embora «tão novos sejam um número residual», pois «a média do início do consumo é nos 14/15 anos».
A responsável admite que os mais novos «serão crianças que vivem num ambiente onde os consumos são normalizados», em «situações de exclusão» ou em que «os traficantes usam para vender mas também para viciar, com a perspectiva de angariar novos clientes». A responsável da Arrisca diz que é preciso olhar para o absentismo e abandono escolar, que deixam crianças «vulneráveis a comportamentos de risco», bem como «para as que estão em famílias disfuncionais».
Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que, em 2020, os Açores tinham uma taxa de 27% de abandono escolar precoce entre os 18 e os 24 anos, enquanto o País atingia os 8,9%. Em 2021, aquela taxa foi de 23,2% nos Açores, quando a média nacional ficou nos 5,9%. Também nesse ano, o arquipélago onde um grande número de pessoas empobrece, apesar de estar a trabalhar, registou um aumento de dependências de substâncias psicoactivas entre os 13 e os 15 anos.
Segundo um estudo de 2019 do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) dedicado aos jovens entre os 13 e os 18 anos, os Açores estão acima da média nacional no consumo de álcool, tabaco, droga e outros comportamentos aditivos.
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