O sr. presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, terá ordenado que os agentes da Polícia Municipal de Lisboa passassem a «realizar detenções dos suspeitos da prática de crimes» (cfr. Público, 23.09.2024). Todavia, hesitante quanto à postura entretanto assumida, remeteu ao MAI e ao diretor nacional da PSP o ónus da última palavra sobre a matéria.
Três diplomas legais regem o dimensionamento da Polícia Municipal: a Lei n.º 19/2004 de 20.05 – Lei geral relativa à Polícia Municipal e o regime especial estabelecido no Decreto-Lei n.º 13/2017 de 26 de Janeiro – quanto à Polícia Municipal de Lisboa e do Porto, e o Regulamento de Funcionamento e Organização de Polícia Municipal de Lisboa, aprovado em 07.06.2018.
Assim:
- As polícias municipais são serviços municipais especialmente vocacionados para as funções de polícia administrativa (distinta da polícia criminal – nosso comentário), cabendo-lhes cooperar com as forças de segurança na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais. (arts. 1.º e 2.º da Lei 19/2004);
- Compete-lhes a «detenção e entrega imediata, à autoridade judiciária ou à entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão em caso de flagrante delito» (e não de suspeitos – nosso comentário), nos termos da lei processual penal (art. 4.º, al. e) da lei 19/2004);
- Os elementos das polícias municipais de Lisboa e do Porto são exclusivamente constituídos por pessoal com funções policiais da PSP; mantêm o estatuto profissional de polícia de PSP; estão organizados hierarquicamente em todos os níveis da sua estrutura, estando os polícias municipais sujeitos às regras gerais de hierarquia e comando de PSP (art. 2.º números 2,3 e 4 do Decreto-Lei (DL) 13/2017);
- As atribuições, funções e competências da Polícia Municipal de Lisboa e do Porto são as decorrentes da Lei 19/2004, bem como as demais previstas na lei (art. 4º do DL 13/2017);
- A cooperação entre a Polícia Municipal de Lisboa e do Porto é assegurada pelo presidente da Câmara e pelo diretor nacional da PSP. (art. 5º.1. do DL 13/2017).
- O parecer nº 28/2008 de 05.08.2008, do Conselho Consultivo da PGR (in. Diário da República, n.º 155, de 12.08.2008), e que aqui se dá por reproduzido (por uma questão de brevidade), é suficientemente claro ao sintetizar o pensamento e a determinação legal no sentido de que, não sendo a Polícia Municipal (ou os seus agentes) um órgão de polícia criminal, só tem a competência nos estritos termos da Lei 19/2004, já acima expostos.
- A Constituição da República, no seu artigo 237.º 3., é clara ao significar que «As polícias municipais cooperam na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais».
- Dos instrumentos legais acima citados, nenhum deles legitima nem reconhece competência à Polícia Municipal para proceder a detenções por mera suspeita, fora flagrante delito.
- A circunstância de os elementos das polícias municipais de Lisboa e do Porto serem recrutados, em comissão de serviço, entre os elementos da PSP, não tem como corolário a «extensão» ou o «arrastar» da competência que detém enquanto elemento activo da força de segurança da PSP. Isto pela simples razão administrativa de que é «a função ou o cargo que define a competência».
Estranha-se à partida esta atitude do sr. presidente da Câmara de Lisboa, que, sendo seguramente conhecedor, além do mais, do Parecer do Conselho Consultivo da PGR, tenha ido socorrer-se de posicionamentos do MAI e da Direção da PSP sobre a mesma matéria.
Desconhece-se, por outro lado, se a medida de «detenção sob suspeita» está posta em prática ou não. Com efeito, um presidente de Câmara não pode atribuir poderes ou reconhecer competências que a lei expressamente não permite; caso contrário, coloca-se a questão de o autarca poder ser responsabilizado por abuso de poder por usurpação de competência que não tem, naturalmente com as consequências que um tal comportamento implica.
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