Depois de uma semana em que o líder do PSD, o fundador do Livre e os presidentes da Iniciativa Liberal e Chega usaram os seus animais de estimação em plena luta eleitoral, para deleite dos telejornais, a recta final da campanha eleitoral assistiu ao duelo entre o líder do PS e PSD por entrepostas mascotes.
O presidente do PSD, Rui Rio, considerou que o líder do PS «perde oportunidades de estar calado» e disse que António Costa devia seguir o «exemplo» do seu gato de estimação que «é uma figura central» desta campanha.
«Um dos elementos que tem sido notório nesta campanha, um elemento importante, é o Zé Albino [gato de Rui Rio] e eu acho que há aqui candidatos, em particular o doutor António Costa, que devia seguir o exemplo do Zé Albino, consegue ser uma figura central da campanha e não perde uma única oportunidade de estar calado, é que não perde mesmo, e o doutor António Costa, às vezes, perde oportunidades de estar calado», criticou.
Em resposta, o secretário-geral do PS, António Costa, respondeu que o gato do presidente do PSD, o Zé Albino, anda visivelmente deprimido, mas mostrou-se confiante de que isso vai passar porque Rui Rio volta para casa já no domingo.
Questionado como tem encarado as comparações entre si o gato do presidente do PSD, Rui Rio, que se chama Zé Albino, o secretário-geral do PS recusou-as, começando por observar que não tem gato, mas uma cadela e um cão.
«A última vez que vi numa foto o gato do doutor Rui Rio ele estava deprimido. E eu sou tudo menos uma pessoa deprimida. Sou uma pessoa alegre e não sou dado a depressões. Até sou acusado de ser optimista nas piores situações», respondeu.
Políticas escondidas com rabo de fora
Para além destes aspectos tão importantes na vida nacional, há um conjunto de itens que têm sido repetido várias vezes na campanha e nos comentadores com maior espaço na comunicação social.
Quem escuta Rui Rio, Marques Mendes e os seus amigos mais extremados da Iniciativa Liberal e quejandos, há alguns pontos que se repetem:
Segundo eles, nos últimos 20 anos Portugal estagnou; foi ultrapassado, na União Europeia, por vários países do Leste Europeu; isso aconteceu porque Portugal não fez as devidas reformas estruturais e não diminuiu o peso do sector público na economia; e que só é possível aumentar os salários com crescimento económico e maior produtividade do trabalho, uma melhor redistribuição de rendimento só pode ser feita depois de a economia crescer muito: os ricos têm de enriquecer muito para dar algumas migalhas às outras camadas sociais menos abonadas.
Na sua homília dominical, Marques Mendes não se cansa de repetir este receituário como se fossem verdades científicas gravadas em pedra.
Além de o repetir em muitas das suas intervenções, Rui Rio há muito que insiste neste tipo de argumentos. Em junho de 2019, o presidente do PSD, Rui Rio, defendeu, perante os jornalistas, que os aumentos salariais, tanto no sector público como no privado, deviam depender do crescimento da economia e não de uma decisão política.
«O aumento dos salários na função pública não deve depender de um programa eleitoral, devem depender do crescimento económico», afirmou o líder do PSD, em Viana do Castelo, à margem da apresentação do livro E agora, Portugal? - Tribuna Social.
É de facto verdade que desde a nossa entrada no euro, em 1999, até às vésperas da pandemia, Portugal cresceu em média a uma taxa de 0,8%, sete vezes menos que nos 20 anos anteriores.
Décadas de políticas neoliberais
Mas essa estagnação não se deve a falta de políticas neoliberais, mas na insistência nelas.
Como escreve o economista Ricardo Paes Mamede: «falar em falta de liberalismo em Portugal como estando na origem da estagnação económica é um contrassenso.
A 'agenda liberal' tem estado bem presente nas políticas seguidas por sucessivos governos ao longo das últimas décadas. Nos últimos 30 anos:
- Privatizou-se quase tudo o que havia para privatizar em Portugal: empresas industriais, bancos, seguradoras, empresas de transportes e de energia, até o tratamento de resíduos;
- liberalizou-se o sistema financeiro e a circulação de capitais;
- desregulamentaram-se por três vezes as leis do trabalho, facilitando os despedimentos, os horários flexíveis e os contratos atípicos;
- abriram-se as portas aos privados na saúde e na educação;
- abdicou-se de uma moeda própria, deixando o financiamento do Estado nas mãos de especuladores privados internacionais.
Neste contexto, dizer que o mau desempenho da economia portuguesa nas últimas décadas se deve a falta de 'liberdade económica' e ao excesso de intervenção do Estado, faz mesmo muito pouco sentido.»
O economista faz uma outra listagem das razões da nossas estagnação:
«Para além disso, ignora aspectos cruciais para perceber a estagnação da economia portuguesa, como sejam:
- o processo de endividamento privado, decorrente da liberalização financeira e dos erros de supervisão bancária;
- os choques competitivos associados à entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) e o ao alargamento a Leste;
- a forte apreciação do euro face ao dólar até 2008;
- a forma desastrosa como as lideranças europeias lidaram com a crise da zona euro entre 2010 e 2012.
Só por indigência ou desonestidade intelectual se podem ignorar todos estes factores quando se explica a evolução da economia portuguesa nas últimas décadas», garante Paes Mamede.
Os ilusionistas da direita e o euro
Há outro aspecto, que apenas a CDU abordou nesta campanha, que também ajuda a explicar a estagnação da economia portuguesa – para além da insistência nas chamadas «reformas estruturais», inspiradas no chamado «Consenso de Washington», apostando nas privatizações, cortes na Segurança Social e desregulamentação do mercado laboral – que é a própria adesão à moeda única.
A adopção de uma moeda excessivamente valorizada para a economia portuguesa, que serve sobretudo economia alemã, sem compensações orçamentais que permitissem minorar o seu efeito, tem contribuído para destruir os sectores produtivos da economia nacional e o seu afunilamento do ponto de vista da divisão de trabalho europeia, para sectores com baixos salários e fracas qualificações.
O argumento de que há economias sujeitas ao euro que entretanto nos ultrapassaram – como a da República Checa, ao contrário de por exemplo a Polónia – tende a escamotear outros factos.
Grande parte desses países que vinham do campo socialista herdaram sistemas educativos em que a maior parte da população teve acesso ao ensino superior. Acresce que essas economias, dada a sua proximidade com a Alemanha, funcionam como reserva para o desenvolvimento industrial das grandes empresas alemãs.
Como escreve Ricardo Paes Mamede: « Às maiores qualificações vale a pena acrescentar outros factores que têm pouco a ver com o imaginário da direita portuguesa. Tomemos como referência a República Checa, o único dos seis países com dimensão comparável à portuguesa. Para além dos níveis educacionais muito superiores aos de Portugal (94,1% da população tem o ensino secundário, por comparação com 55,4% em Portugal) e de ter iniciado o seu processo de industrialização muito mais cedo (foi das primeiras economias industrializadas da Europa, ainda no século XIX).
A Alemanha é o principal destino de exportações da República Checa. Por sua vez, este país é o elo principal da cadeia de produção da indústria automóvel alemã. Isto não aconteceu por acaso, nem por receitas políticas milagrosas. O muro de Berlim mal tinha caído e já a Alemanha estava a assinar um “Tratado de Vizinhança” com a Checoslováquia, abrindo portas à entrada em força do investimento alemão naquele país, cujas fronteiras penetram bem fundo os territórios do leste da Alemanha. A proximidade geográfica, os laços históricos, as elevadas qualificações, os baixos salários, o domínio da língua alemã por boa parte da população, a vontade das lideranças alemãs em ocupar rapidamente o espaço deixado livre pelo fim do bloco soviético – tudo isto contou para a acelerada reindustrialização da antiga Checoslováquia.
Enquanto isto, Portugal seguia o caminho contrário. A liberalização financeira, a privatização das grandes empresas rentistas, a valorização cambial do euro, a entrada da China na OMC e o próprio alargamento a Leste determinaram o rápido desmantelamento de boa parte da indústria portuguesa e o foco nos sectores protegidos da concorrência. Não foi por falta de “liberdade económica” ou de “excesso de socialismo” que a economia portuguesa estagnou no último século. Liberalização, privatização e desregulamentação das relações laborais foi o que mais tivemos desde 1995.»
Quando te mexem no bolso
A desregulação das relações laborais, e concretamente a caducidade da contratação colectiva, contribuíram para manter os salários baixos em Portugal e para que a parte de leão do rendimento tenha sido retirada a quem trabalha.
Com a perda do controlo da política monetária, os sucessivos governos usaram a chamada «desvalorização interna» para equilibrar as contas externas, ao mesmo tempo que davam uma fatia, cada vez maior, dos rendimentos da economia aos dententores do capital.
A amplitude deste roubo de salários por parte do capital é facilmente verificável com dois dados:
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, entre 2004 e 2017, Portugal foi o quarto país, entre 180, em que o peso dos salários mais diminuiu no rendimento da economia.
Em 2020, ano de crise pandémica, Portugal com mais 19.430 milionários em ano de pandemia. Os 1% mais ricos em Portugal concentram 20% da riqueza. A meetade mais pobre, está mais pobre e só tem 6,5% da riqueza, segundo dados do The Global Wealth Report, referente a 2020.
Aqueles que dizem que só crescendo a economia é possível fazer crescer os salários e redistribuir melhor os rendimentos escamoteiam, pelo menos, duas coisas:
- esta economia com fracos rendimentos económicos não impediu o capital, mesmo durante a crise de enriquecer cada vez mais e de retirar uma fatia crescente do rendimento nacional;
- e que, ao contrário, só uma economia com salários mais altos pode permitir a fixação de quadros, dar incentivo à evolução das empresas para que apostem em sectores de trabalho melhor remunerado e especializado e aumentar o mercado interno permitindo a sobrevivências das pequenas e médias empresas.
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