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CTT quer Estado a compensar «lucros perdidos»

Apesar dos lucros obtidos em 2019 e da deterioração do serviço prestado e das condições de trabalho, os CTT acreditam que o Estado deve compensar os lucros perdidos devido à crise sanitária.

CréditosAntónio Cotrim / Agência Lusa

O presidente executivo dos CTT, João Bento, disse hoje à Lusa que os Correios iniciaram «formalmente o processo» para serem compensados pela extensão unilateral do contrato de concessão do serviço postal universal e «pelos efeitos extraordinários da pandemia».

Na apresentação de contas de 2020, divulgada na terça-feira, os CTT dão conta que os mecanismos de compensação pela decisão unilateral de extensão do contrato de concessão do serviço postal universal (SPU), que foi prorrogado até final deste ano, foram activados pela empresa.

Embora não se conheçam pormenores sobre as negociações entre o Governo e a administração dos CTT, que continuará a prestar o serviço até ao final de Dezembro de 2021, são conhecidos elementos de chantagem sobre o Executivo quando os CTT anunciaram que só manteriam a concessão caso o Governo aceitasse uma ainda maior redução da qualidade do serviço e passasse a pagar mais pela prestação deste serviço público.

A privatização dos CTT, pelo governo do PSD e do CDS-PP, que foi para além do conjunto de privatizações imposta pela troika, resultou na degradação do funcionamento do serviço postal e no encerramento de centenas de estações, tornando-se alvo de críticas por parte de utentes, empresas, autarquias e também do regulador, Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM).

Recorde-se que, em 2019, os CTT falharam 23 dos 24 indicadores de qualidade de serviço da ANACOM, que emitiu vários relatórios sobre a insuficiente resposta da empresa, e não havia o pretexto da pandemia.

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A história de (mais) uma privatização lucrativa para poucos e ruinosa para muitos

CTT: o privado sai caro ao País

Quatro anos após a privatização dos CTT, o serviço público degradou-se e os atrasos e falhas na entrega do correio avolumam-se. Os milhões de dividendos têm elevados custos: para os trabalhadores da empresa e para o País.

Os CTT foram totalmente privatizados em 2014, pelo governo do PSD e do CDS-PP
CréditosManuel Almeida / Agência Lusa

A degradação do serviço público prestado e das condições de trabalho nos CTT, quatro anos após a primeira fase de privatização da empresa, são evidentes. Os protestos dos trabalhadores têm-se sucedido por todo o País e já têm uma greve convocada para os dias 21 e 22 de Dezembro.

A Anacom, responsável por fiscalizar o cumprimento da concessão do serviço público postal, concluiu recentemente que a empresa falhou os indicadores de qualidade a que está obrigada e decidiu accionar o mecanismo de compensação.

Como se chegou aqui?

Durante cerca de 500 anos, o serviço de correios foi público, sob diversas designações, tal como em quase todo o mundo. O US Postal Service, os correios dos EUA, por exemplo, são uma agência do governo federal – como os Correos espanhóis, a La Poste francesa e a Poste italiana são empresas públicas.

Em 2011, o PS, o PSD e o CDS-PP assinaram o acordo com a troika onde constava a privatização dos CTT, que viria a ser concretizada em duas fases, em 2013 e 2014. Pelo caminho, foi nomeada uma equipa de gestão para a empresa, então ainda pública, com um mandato muito claro: torná-la atractiva para ser vendida.

Governo, instituições europeias, ex-ministros advogados e um grande banco de investimento

Na primeira fase, nos finais de 2013, o Estado vendeu 70% do capital da empresa. Na lista dos principais compradores constavam dois grandes bancos internacionais, o Deutsche Bank, com 2%, e o Goldman Sachs, com 5%.

A empresa é estratégica para o País, como o próprio governo então reconhecia. Por isso existe uma concessão do serviço postal universal, alterada a dias da primeira fase de venda. Esta passou a ser até 2020, em vez de até 2030, como até então. Para além disso, foram flexibilizadas algumas das obrigações, tanto para com o serviço postal, como para com os trabalhadores e o património da empresa, que, recorde-se, ainda era público.

Dos dois principais accionistas, quatro anos depois, não há registo na estrutura accionista dos CTT. A 28 de Novembro, nenhum dos bancos constavam dos accionistas com participações qualificadas, ou seja, acima de 2%.

O golpe já tinha sido feito pelo Goldman Sachs com o Royal Mail britânico, privatizado uns meses antes dos CTT: comprar por baixo, vender por cima e encaixar o lucro. Pela operação ainda recompensou José Luís Arnaut, cujo escritório de advogados participou no processo de privatização, nomeando-o para um cargo na sua estrutura internacional. Hoje, é acompanhado por Durão Barroso, então presidente da Comissão Europeia, um dos tripés da troika. Ambos já tinham estado juntos num governo do PSD e do CDS-PP, entre 2002 e 2004 – o primeiro como ministro e o segundo como primeiro-ministro.

Destruir o que é público e entregar aos privados

Os CTT eram uma empresa lucrativa, das mais lucrativas das empresas públicas. Nos sete anos anteriores à privatização (entre 2007 e 2013) apresentou, em média, lucros superiores a 50 milhões de euros.

No mesmo período, a preparação da privatização impôs a saída de quase 3 mil trabalhadores, o encerramento de mais de 300 estações e 85 centros de distribuição postal, e o fim de mais de 1500 giros.

Os CTT encolheram e o serviço público que prestava degradou-se, particularmente a partir de 2011. No ano seguinte, entra para a presidência do conselho de administração Francisco Lacerda, nomeado pelo governo do PSD e do CDS-PP. A estratégia é, então, intensificada.

Para a sua missão, Lacerda contava com a experiência noutras empresas privatizadas, como a Cimpor, a que presidiu entre 2010 e 2011, e a Portugal Telecom, onde foi presidente da comissão de remunerações a partir de 2009, cargo que ainda ocupa na Pharol – que legalmente sucedeu à antiga operadora de telecomunicações nacionais, hoje reduzida a gestora de uma participação no capital da brasileira Oi.

Mesmo depois da privatização, Francisco Lacerda foi mantido pelos accionistas privados na gestão dos CTT, tendo sido reconduzido já este ano no cargo até 2019.

Degradação do serviço público para alimentar especulação financeira

A partir de 2013, a mesma administração nomeada pelo poder público fez prosseguir o caminho prosseguido até então, já sob orientações de grandes fundos de investimento nacionais e, particularmente, internacionais.

A rede de estações de correios, entretanto transformadas em lojas CTT, continuou a ser reduzida, o número de trabalhadores a descer e, até ao final de 2016, foram encerrados mais 43 centros de distribuição postal.

Ao todo, na última década, foram encerradas mais de 500 estações e postos dos CTT. A degradação do serviço público prestado intensificou-se, havendo zonas do País onde o correio passou a ser distribuído uma vez por semana e registo de atrasos que já chegaram a duas semanas na entrega dos vales postais com as pensões de reforma.

Uma das possibilidades que o anterior governo deu aos donos privados dos CTT, quando alteraram as bases da concessão do serviço público postal, foi a de subcontratar a terceiros parte desse serviço, nomeadamente a distribuição postal. Os trabalhadores têm vindo a denunciar o recurso sistemático a empresas de trabalho temporário e a prestadores de serviços para assegurar a função social da empresa que se chama CTT – Correios de Portugal: o tratamento e a entrega do correio no nosso país em condições que assegurem a celeridade, a segurança e a privacidade da correspondência.

Maquilhagem não esconde incumprimento

Os CTT, enquanto empresa que recebeu do Estado a concessão do serviço postal universal, está sujeita à supervisão da Anacom. Esta fixa, anualmente, indicadores de qualidade que a empresa tem de cumprir e que devem ser aferidos por uma entidade «independente».

Até ao último trimestre de 2016, a empresa nunca o fez – comunicava esses indicadores recolhidos e tratados por si própria. Nessa altura, contratou uma consultora para o fazer e surgiram os problemas.

Pela primeira vez, os CTT não cumpriram com um dos 11 indicadores de qualidade, e as disparidades face aos dados anteriores, produzidos internamente, são evidentes – em todos os indicadores.

Em seis dos critérios, foram falhados os objectivos e em um, «correio normal não entregue até 15 dias úteis», a empresa falhou mesmo o mínimo fixado pela Anacom. Tomando apenas como referência os dados da consultora, referentes aos últimos três meses de 2016, o desvio seria muito superior e os CTT falhariam ainda noutro indicador, «correio zul não entregue até dez dias úteis».

A Anacom já impôs o mecanismo de compensação previsto, que passa pela redução da tarifa em causa na falha – no caso do correio normal. No entanto, a redução imposta é de 0,03%, quando esta subiu 47% desde a privatização.

Quem ganhou com a privatização

Desde a privatização, o serviço piorou mas os preços subiram todos os anos. Na média de todos os produtos dos CTT, a subida é de cerca de 27% em cinco anos. Ficou muito mais caro mandar uma carta e esta demora muito mais a chegar ao destino.

Ao fim destes anos, o Estado já perdeu centenas de milhões de euros em dividendos e o País deixou de ter um serviço de correios público, fiável e seguro.

Em contrapartida, entre 2013 e 2016, foram distribuídos mais de 270 milhões de euros em dividendos, cerca de um terço da receita total da privatização.

Actualmente, a empresa tem como principal accionista um dos herdeiros de duas das famílias que dominaram a economia portuguesa sob o regime fascista e que mais lucraram com as privatizações: Manuel de Mello Champalimaud, com 10% do capital.

Com participações até aos 2%, as que obrigam à comunicação pública da propriedade do capital da empresa, contam-se bancos internacionais (BNP Paribas e Norges Bank), fundos de investimento especulativos (Wellington e Kairos) e o multimilionário espanhol Rafael Domínguez de Gor, dono de marcas de roupa infantil (Mayoral) e de participações em diversos sectores, da moda às telecomunicações móveis.

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No entanto, João Bento entende que há duas razões para a compensação: «uma que é totalmente indiscutível», que tem a ver com «extensão unilateral do contrato nos mesmos termos em que estava contra a nossa vontade», algo que é possível à luz da lei, mas que, de acordo com o direito administrativo, prevê a existência de um «reequilíbrio», afirmou João Bento.

«Queremos ser compensados por estarmos em 2021 a prestar um serviço em condições que não queríamos, porque o Governo estendeu unilateralmente o contrato», salientou o gestor.

Por outro lado, «em 2020 tivemos uma queda acentuadíssima do correio, nós perdemos perto de 50 milhões de euros de proveitos do correio no serviço universal e precisamos de ser compensados por isso porque, obviamente, a estrutura de custos é muito fixa», prosseguiu João Bento.

«Não perdemos 50 milhões de euros por causa disso, mas, como perdemos muita receita, temos uma perda significativa para desempenhar as obrigações do contrato nos termos» que isso impõe, explicou o presidente executivo dos CTT.

Em síntese, o que «fizemos foi iniciar formalmente o processo que, como tudo indica, muito provavelmente vai ser resolvido em sede arbitral, para discutir estas duas coisas: qual é o reequilíbrio devido pela extensão unilateral e qual é a compensação devida pelos efeitos extraordinários da pandemia», resumiu João Bento.

País não está condenado a pagar lucros privados

O contrato de concessão do serviço postal universal dos CTT, que estava previsto terminar no final de 2020, foi prorrogado por um ano, até 31 de Dezembro de 2021, altura em que se impõe a recuperação do serviço postal para a esfera pública.

Embora os CTT tenham anunciado que apresentaram ao Governo uma proposta de criação de uma comissão de negociação para rever as condições do contrato de concessão do SPU, não é demasiado tarde para reverter um processo ruinoso para o interesse público.

Entretanto, o Governo criou um grupo de trabalho para «proceder à análise da evolução» do SPU, cujas conclusões devem ser entregues até Abril, segundo despacho do secretário de Estado Adjunto e das Comunicações.

Os rendimentos dos CTT subiram 0,7% no ano passado, face a 2019, para 745,2 milhões de euros, com o segmento de expresso e encomendas a subir 26,6% para 193 milhões de euros e os do Banco CTT a avançarem 30,5% para 82 milhões de euros.

O segmento correio e outros registou uma quebra dos rendimentos de 10,8% para 426,1 milhões de euros, levando a uma queda global dos lucros de 42,9% para 16,7 milhões de euros.

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