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Direitos dos trabalhadores provocam incómodo

As medidas aprovadas para combater a precariedade laboral estão a ser alvo de críticas que revelam «preocupação» com a aprovação de uma legislação que pretende proteger os trabalhadores.

CréditosTiago Petinga / Lusa

Não é surpresa que o conjunto de medidas que visam combater a precariedade, aprovadas no Parlamento no passado dia 30 de Maio, continuem a ser motivo de indignação junto de alguns sectores da sociedade portuguesa.

Entre as propostas votadas, foi viabilizado o projecto de lei do PCP que prevê limitações aos contratos a prazo e que altera o período experimental, revogando o aumento do período experimental para 180 dias no caso dos trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração, medida que estava em vigor desde 2019, na sequência do acordo laboral entre patrões, Governo e UGT.

Logo no dia seguinte ouvimos o líder das confederações patronais falar de um «frontal desrespeito» pela concertação social, uma vez que a proposta viabilizada pelo PS condiciona «seriamente» as relações laborais a um nível «incompatível» com a economia de mercado concorrencial.

Esta semana, é o presidente do Conselho Económico e Social (CES) que se vem posicionar e insistir numa suposta incompatibilidade entre a posição do órgão máximo de soberania, tomada a favor dos trabalhadores, e o órgão que tanto tem contribuído, ao longo dos anos, para pôr em causa os seus direitos.

No essencial a concertação social mantém o carácter instrumental que levou à criação do Conselho Permanente de Concertação Social, em Março de 1984, pelo chamado governo do bloco central.

Para lembrar a época da sua criação, vivia-se um tempo de graves problemas sociais e de muitas e grandes lutas laborais: o aumento anual do custo de vida chegava aos 33%; havia para cima de 100 mil trabalhadores com salários em atraso; acentuava-se o alargamento da precariedade e da aplicação do lay-off; o desemprego atingia meio milhão de trabalhadores; novas ameaças contra a qualidade de vida e de trabalho avizinhavam-se com a aceitação das imposições do FMI. E foi neste contexto que o governo de PS e PSD, arauto das virtudes do diálogo social, ficou marcado pela intervenção das forças militarizadas nos conflitos laborais e pela detenção de 284 sindicalistas que se manifestavam à porta do primeiro-ministro.

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Quem se serve e a quem serve a concertação?

Não há trabalhadores que, perdendo o seu salário, se sintam felizes terem de recorrer à greve; as lutas sociais são inerentes ao capitalismo, ao antagonismo de interesses entre capital e trabalho.

CréditosTiago Petinga / Agência Lusa

No dia 30 de Maio, patronato, UGT e Governo, chegaram a acordo sobre as alterações a introduzir na legislação laboral. A CGTP-IN, a mais representativa Central Sindical, em discordância, ficou de fora. Portanto, houve consensos. O acordo legitimou apenas o que interessava subscrever por alguns dos participantes. Mas tal não impediu o ministro Vieira da Silva de opinar: «Um bom acordo para o país». E essa, por certo, também foi a opinião da Comissão Europeia, empenhada na reversão dos direitos laborais.

Segundo os insuspeitos Mário Pinto e Amândio de Azevedo, «a subordinação e a dependência dos trabalhadores constituem características do seu estatuto social tradicional1». Provavelmente será essa a razão da satisfação pessoal com que o sindicalista Carlos Silva se prontifica a subscrever o que interessa às confederações patronais. Enfim, idiossincrasias!

Naturalmente a Confederação Empresarial de Portugal secundou a opinião do ministro Vieira da Silva. E ficou reafirmada a concepção do Governo – António Costa assinou o acordo – que identifica os interesses nacionais com os interesses particulares do grande capital. Dito de outro modo, os governantes em exercício deixam clara a opção de classe que privilegiam, apenas parcialmente condicionada pelo conjuntural compromisso político-orçamental com os partidos à sua esquerda.

Quando o entendimento na Concertação Social provocou nesses partidos acentuadas críticas, e Carlos César, presidente do grupo parlamentar do PS, admitiu a introdução de ajustamentos ao conteúdo do acordo firmado na Concertação, de novo se manifestou a convergência de atitudes entre o patronato e a UGT.

«As classes empresariais nunca descuram a sua consciência da luta de classes, e menos ainda a importância de vencê-la»

Markus Raskin, em "os Senhores do mundo"

Seguiram-se entrevistas nos jornais, divulgação de comunicados, declarações aos repórteres de serviço: António Saraiva ameaçou retirar-se do acordo em caso de mudanças adicionais na Assembleia da República à alteração das leis do trabalho obtida com a cooperação da UGT; por sua vez, Carlos Silva, num autêntico frenesim, do alto do seu telhado de vidro acusou pateticamente a CGTP-IN de ter posições ideológicas, e procurou influenciar os parlamentares, sobretudo os do seu partido, o PS, para que respeitassem integralmente as mudanças da legislação laboral por ele subscritas.

Vem a propósito recordar que, desde há décadas, os sistemáticos ataques aos direitos dos trabalhadores, em que se irmanaram PS, PSD e CDS-PP, podendo variar de designação (pacto social, tectos salariais, congelamento da contratação colectiva, moderação salarial, sucessivos pacotes laborais, caducidade forçada dos antigos contractos colectivos…) orientaram-se pelas reivindicações patronais e serviram os interesses que ditaram as citadas palavras do actual Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

O Bloco Central na origem da concertação social em Portugal

No essencial a concertação mantém o carácter instrumental que levou à criação do Conselho Permanente de Concertação Social, em Março de 1984, por Decreto-Lei do PS de Mário Soares e do PSD de Mota Pinto, então coligados no chamado governo do Boco Central.

Para melhor se lhe compreender o objectivo instrumental importa lembrar as circunstâncias da época, um tempo de graves problemas sociais e de muitas e grandes lutas laborais: o aumento anual do custo de vida chegava aos 33%; havia para cima de 100 mil trabalhadores com salários em atraso; acentuava-se o alargamento da precariedade e da aplicação do lay-off; o desemprego atingia meio milhão de desempregados; novas ameaças contra a qualidade de vida e de trabalho avizinhavam-se com a aceitação das imposições do FMI. E foi neste contexto que o governo do Bloco Central, presidido por Mário Soares, arauto das virtudes do diálogo social, ficou marcado pela intervenção das forças militarizadas nos conflitos laborais e pela detenção de 284 sindicalistas que se manifestavam à porta do primeiro-ministro.

Então, como hoje, a CGTP-IN, por opção fundada na defesa dos interesses de classe dos trabalhadores era, e continua sendo, o adversário em comum combatido pelos governos ligados ao capital, pelas confederações patronais e pela UGT. E é neste quadro que se deve entender o propósito instrumental do Conselho Permanente de Concertação Social e a sistemática negação ao acolhimento das propostas da CGTP-IN, pela parte maioritária dos seus membros, representantes patronais e apoiantes dos correspondentes interesses de classe.

Será essa maioria de apoios suficiente para satisfazer o capital? Não, muito por via da capacidade de luta da CGTP-IN e na opinião de alguns Mestres em Direito das Empresas.

Efectivamente, Ricardo Gosau da Mota Veiga Pereira, na sua dissertação de mestrado, defende que «os últimos anos têm sido caracterizados por um grande número de greves que têm um impacto verdadeiramente nefasto na economia2» e que, por isso, «impõe-se reflectir se o sistema jurídico português prevê mecanismos que permitam resolver o “inevitável conflito de interesses” entre trabalhadores e empregadores, resultante da subordinação e dependência dos primeiros aos segundos3».

Creio que não é necessário possuir formação superior para entender o seguinte: primeiro, não há trabalhadores que, perdendo o seu salário, se sintam felizes por serem forçados a participar numa greve; segundo, que a razão maior das greves é a intransigência patronal face às legítimas reivindicações dos assalariados; e, finalmente, que essas lutas sociais estão relacionadas com uma realidade intrínseca ao sistema capitalista – o antagonismo de interesses de classe entre capital e trabalho.

Qual antagonismo!? exclamará a UGT, negando o reconhecimento dessa realidade.

De qualquer modo, seria de admitir o mais fácil entendimento entre estruturas por definição dedicadas a defender os interesses comuns dos trabalhadores.

Mas o que vemos é Carlos Silva a socorrer-se de «argumentos» do período da guerra fria para se distanciar da CGTP-IN. O que sabemos é que tal atitude está associada, documentadamente, ao modo como nasceu a UGT e se posicionou desde o princípio. O que se pode confirmar é a preferência da UGT pela colaboração com as confederações patronais, com um discurso anti-CGTP-IN por vezes mais agressivo do que o das próprias organizações patronais.

Colaboração de classses: quem perde e quem ganha

Quem tenha alguns resquícios de consciência social poderá identificar na história vários artifícios patronais para acentuar a dependência e subordinação dos seus assalariados e quebrar a capacidade de luta dos trabalhadores vítimas de injustiças.

Entre esses métodos poderemos identificar a construção de habitações para operários, incentivada pelo salazarismo; a colaboração interclassista, obrigatória por lei do fascismo; a distribuição anual de uma pequena parte dos lucros de sociedades de tal ou tal empresa; a simpatia empresarial de disponibilizar algumas acções das sociedades anónimas para aquisição por trabalhadores; os diversos prémios pecuniários a trabalhadores «bem comportados», assim como a insistência na formatação das mentalidades visando a aceitação da ideia do alegado «bem comum».

Essa formatação ideológica, por compreensíveis razões, foi mais rápida e mais longe através da instituição legal da co-gestão na Alemanha Federal capitalista (1951 e sucessivas alterações a partir de 1956), face à pressão do enorme prestígio granjeado pelos soviéticos com as derrotas militares por eles infligidas aos nazis, a Leste e em Berlim. E não deixa de ser significativo o facto de a envolvência na co-gestão ter começado por ser orientada para os trabalhadores das empresas mineiras e da indústria do ferro e do aço, de reconhecidas tradições de luta.

Na Alemanha actual, a lei que regula a co-gestão não torna obrigatório o seu exercício generalizado. Aplica-se apenas onde haja estruturas eleitas dos trabalhadores (Conselho de Empresa). Onde é praticada, a participação dos trabalhadores exerce-se através de representantes com assento em órgãos institucionalizados e em diferentes níveis: no estabelecimento (unidade de produção), na empresa, na sociedade por acções, e nas empresas holding.

Fora do âmbito da co-gestão fica o que se refira à intervenção específica dos sindicatos e ao clausulado da contratação colectiva de trabalho.

É interessante constatar na lei alemã que é variável a proporção da representação dos trabalhadores no mais relevante órgão (que designadamente elege a Administração) das sociedades, o Conselho de Supervisão, cuja presidência, obviamente, é sempre patronal. Nos sectores mineiro, do carvão e do aço, por exemplo, essa representação chega a metade. Noutros sectores, em empresas com 500 a 2000 trabalhadores, a representação fica-se por 1/3.

Na base da estrutura empresarial, os trabalhadores podem invocar o direito de serem consultados, o direito de exigirem, ou de se oporem, ao despedimento ou transferência de certos trabalhadores, o direito de celebrarem acordos internos, por exemplo.

A nível intermédio das sociedades por acções, nos órgãos onde se decidem as orientações estratégicas, a participação dos trabalhadores centra-se na promoção da ideia da colaboração baseada na confiança entre trabalhadores e Administração.

Generalizando a consideração dos esquemas criados para enredar os trabalhadores na ideia do «bem comum», que classe social ganha com a ideologia da colaboração interclassista?

Lembremos a frase de Marcus Raskin: «As classes empresariais nunca descuram a sua consciência da luta de classes, e menos ainda a importância de vencê-la»4. Não esqueçamos, sobretudo, a condição do assalariado – subordinado e dependente economicamente dos patrões – «o que significa na prática uma diminuição do homem, um impedimento, uma prisão inibitória da plenitude da realização pessoal do trabalhador, ou melhor: dos trabalhadores5».

Arredando da consideração os eventuais benefícios pessoais usufruídos por alguns militantes da concertação social, empresários ou assalariados, aqui fica, ainda, para reflexão, uma conclusão tirada pelo Comité Económico e Social Europeu, que transcrevo da atrás referida dissertação de mestrado de Ricardo Gosau Mota Veiga Pereira: «outra vantagem dos mecanismos de participação financeira dos trabalhadores é que os accionistas têm do seu lado, não só outros accionistas, mas também os trabalhadores da empresa, que perseguem os mesmos objectivos».

  • 1. «Participação dos trabalhadores na empresa: legislação alemã de co-decisão», Análise Social, V. 8, 30-31 (2.º - 3.º trimestre 1970), pág. 466.
  • 2. O sistema de cogestão na lei das sociedades anónimas alemãs – desafios e virtualidades da sua transposição para o Direito português, dissertação apresentada no Instituto Universitário de Lisboa, Escola de Ciências Sociais e Humanas, Departamento de Economia Política, datada de Setembro de 2015.
  • 3. Citação de um trecho da obra antes identificada, da autoria de Mário Pinto e Amândio de Azevedo.
  • 4. Prefácio a Os Senhores do Mundo, de Noam Chomsky, Bertrand Editora, 2016, pg.21.
  • 5. Mário Pinto e Amândio de Azevedo, ob. citada, pág. 466.
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Então, como hoje, a CGTP-IN continua a ser o adversário em comum combatido pelas confederações patronais e governos ao seu serviço, e pela UGT. E é neste quadro que se deve entender o propósito instrumental da concertação social e a sistemática negação ao acolhimento das propostas da CGTP-IN, pela parte maioritária dos seus membros, representantes patronais e apoiantes dos correspondentes interesses de classe.

Quando se apela à CGTP-IN para, em vez de protestar, discutir as matérias laborais em sede de concertação social, é justamente porque se sabe que a defesa dos trabalhadores está fragilizada pela composição daquele conselho.

E é neste contexto que Francisco Assis, presidente do CES, rejeitou ontem a acusação do PCP de que teria preconizado uma usurpação das competências do Parlamento, ao criticar o facto de o PS ter viabilizado uma proposta do PCP em matéria laboral contra a precariedade.

Num comunicado oficial, o presidente do CES responde às considerações do líder parlamentar do PCP confirmando, uma vez mais, que confunde o cargo que desempenha com as suas posições políticas individuais, esquecendo-se que lidera um órgão que promove o diálogo entre os parceiros sociais, embora, muitas das vezes, os acordos que daí emanam não o sejam realmente.

Dizer que uma decisão do órgão máximo de soberania, que visa combater a precariedade laboral, contraria um acordo da concertação social que, desde logo, não foi assinado pela maior central sindical do País, e que isso é motivo de «preocupação», traduz com clareza o posicionamento do presidente do CES.

Falar de uma «quebra de confiança» no Governo, por sua vez, leva-nos a perguntar quem é que sofre de tal sentimento: se os trabalhadores, que vêem agora o Governo tomar uma posição que corresponde às suas reivindicações, ou os patrões, que viram nestas medidas, aprovadas em 2018, um desequílibrio da correlação de forças a seu favor.

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