|Mundo rural

Seguramente, não

É este o país que queremos?

Aldeias em cinzas, quilómetros e quilómetros pintados de negro, sem gente e sem vida. Uma pergunta inquietante, que Duarte Caldeira não deixa sem resposta.

Uma habitante da aldeia de Vila Nova de Ventosa vê os estragos causados pelo incendio que passou pela aldeia e que destruiu várias habitaçãoes, em Vouzela, 16 de Outubro de 2017.
CréditosNuno André Ferreira / LUSA

Nas últimas semanas tenho-me deslocado por vários concelhos da região centro e norte do país, no âmbito de diligências relacionadas com a minha missão, como membro da Comissão Técnica Independente, nomeada pela Assembleia da República para «proceder à avaliação dos incêndios ocorridos entre 14 e 16 de outubro de 2017 em território de Portugal Continental».

Um cenário sem gente e sem vida

Nestas deslocações constatei a devastação que os incêndios de junho e outubro do ano passado provocaram no território de muitos concelhos. Um cenário muito mais grave do que o verificado aquando dos grandes incêndios de 2003 e 2005.

São muitas as aldeias em cinzas, com terrenos e espaços florestais pintados de negro, sem gente e sem vida. Um interior entregue à sua sorte, devastado por muitos anos de incúria e abandono, materializado na imagem de um outro país.

Este país, distante dos grandes centros urbanos, sem peso eleitoral e sem lóbis de circunstância, com escassa população, maioritariamente idosa e isolada, parece ter desistido de aspirar a dias diferentes.

Foi preciso uma trágica vaga de incêndios florestais para que o osso do nosso território ficasse exposto aos olhos de todos e cada um de nós.

Foi preciso morrerem 112 dos nossos concidadãos para coletivamente acordarmos para o outro país que durante décadas foi sendo ignorado, despovoado e desertificado, desprovido de recursos e vontades, apesar da luta de autarcas e de heróicos resistentes.

«Foi preciso uma trágica vaga de incêndios florestais para que o osso do nosso território ficasse exposto aos olhos de todos e cada um de nós.»

Ao percorrer os caminhos deste Portugal, dei comigo a imaginar que estas aldeias passarão a ser espaços de atração turística, compradas por empreendedores maioritariamente estrangeiros, por onde circularão turistas à procura de identidades perdidas, expostas em forma de museu.

Estes lugares poderão até ser embelezados, poderão até ganhar nova animação, mas não serão a mesma coisa. Faltar-lhes-á a história das suas gentes e a vivência de sucessivas gerações neles nascidos.

Teremos então um outro país, sem espaço rural, com o território estruturado em pequenas, médias e grandes cidades, que atrairão a população ativa, a iniciativa, o investimento e a decisão política prioritária.

Uma pergunta inquietante

Envolvido pelo negro da paisagem que o fogo padronizou, vendo as casas e os arrumos ardidos no meio da floresta, testemunhando quilómetros e quilómetros sem ver ninguém, uma pergunta inquietante não me largou todo o caminho: é este o país que queremos?

Penso estarem reunidas as condições para virar a página no modelo de desenvolvimento que gerou o Portugal profundo que acabo de testemunhar.Chegam boas notícias sobre os dados económicos favoráveis que o país regista e que conquistam a nossa confiança.

Esta é a hora de construirmos um Portugal para os portugueses, todos os portugueses, no contexto de uma sociedade global e tecnologicamente evoluída mas que não descarta as pessoas e os seus lugares, nem transforma em produtos a sua identidade, a sua história e a sua cultura.

Então construamo-lo a partir de agora, sem mais demoras ou hesitações, potenciando os resultados económicos e pondo-os ao serviço de um país que em vez de matar aldeias e lugares lhes dão vida, com gente dentro.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

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