O Executivo promoveu, ontem, aquilo que o primeiro-ministro classificou como uma «acção de comunicação» para sublinhar a importância da limpeza das florestas. Vários membros do Governo e o Presidente da República acompanharam acções de limpeza ou de plantação de árvores pelo País.
A última semana foi marcada pela entrega do relatório da Comissão Técnica Independente (CTI) na Assembleia da República, que teve reacções imediatas por parte do PSD e do CDS-PP, apesar da sua extensão. Vários responsáveis, inclusivé membros da comissão, têm pedido que o relatório seja lido «na sua integralidade», no entanto já há vozes (como do Presidente da República) a pedir que, tal como a seguir a Pedrógão, se avance rapidamente com novas alterações legislativas.
A discussão do relatório está marcada para a próxima quarta-feira, no Parlamento. Sublinhamos sete destaques do documento que têm estado longe da discussão pública e que ajudam a explicar como a floresta nacional chegou à situação dramática que os fogos do ano passado expuseram.
«A suborçamentação do ICNF e a sua desarticulação interna são naturalmente os responsáveis diretos desta situação»
A crítica dirige-se ao PS, ao PSD e ao CDS-PP, que assumiram a gestão política do sector nas últimas décadas. Mas a CTI acrescenta ainda que «as políticas públicas dos últimos quinze anos, de introdução de reformas de contornos questionáveis (sem suporte em avaliações de funcionamento) e de restrições orçamentais terão conduzido a esta situação».
«A repartição dos fundos para medidas florestais vem acentuar os grandes desequilíbrios que se verificam em Portugal»
A gestão dos fundos europeus, nomeadamente do Programa de Desenvolvimento Regional (PDR) 2020, é outro dos pontos criticados. De acordo com a CTI, esta agravou os desequilíbrios «na distribuição territorial dos apoios ao rendimento dos agricultores e aos investimentos na agricultura, floresta e desenvolvimento regional provenientes de fundos europeus».
O anterior governo, na reprogramação dos fundos europeus, desviou 150 milhões de euros da floresta, retirando-os da pequenas propriedade para os grandes latifundiários. A responsável política, mais uma vez, foi Assunção Cristas.
Isso mesmo regista o relatório: «Estes desequilíbrios contribuem para o abandono e deficiente gestão dos espaços rurais nas áreas de pequena propriedade do Centro e Norte do País.»
«O orçamento para medidas florestais baixa de 752,9 para 575,9 milhões, uma queda próxima a 25%»
A CTI fez uma comparação entre os fundos do PDR que vigorou entre 2007-2013 e o actual (2014-2020) e concluiu que não só desceram (em mais de 270 milhões de euros) como o peso do dinheiro destinado a medidas florestais também desceu, de 15,1% para apenas 12,4%.
«As propostas a desenvolver deverão basear-se nas realidades sociais locais, caso contrário o insucesso será garantido»
Esta passagem parece dirigida aos defensores da expropriação da pequena propriedade florestal, seja através do banco de terras ou das ameaças avançadas sobre o actual período de limpeza das florestas. A CTI alerta claramente que «estas áreas têm sido importunadas por propostas com impacto nas diversas áreas produtivas como se se tratassem de territórios vazios e/ou facilmente moldáveis com acenos circunstanciais».
«Realça-se a importância das culturas temporárias e das pastagens na proteção dos espaços urbanos aos incêndios»
Mais uma vez é destaca a importância da pequena agricultura familiar. A ocupação do espaço urbano por faixas verdes, de hortas e pastagens, é uma das medidas de protecção contra os incêndios sublinhadas no relatório.
«A gestão de combustíveis pela simples redução de densidade de copas e de arvoredo tem também consequências negativas»
Para além de qualificar as alterações feitas às regras para a limpeza das florestas introduzidas no início deste ano como «muito pouco justificada tecnicamente», a CTI chama ainda a atenção para as consequências que pode ter ao nível da «valorização e rentabilização de muitos desses espaços florestais».
Estas medidas podem vir a «conduzir a maior abandono, maior acumulação de combustíveis superficiais e, portanto, a situações mais complicadas de proteção de pessoas e de bens contra incêndios florestais», alertam os técnicos.
O saldo da gestão do pinhal de Leiria «permitiria aumentar o nível de investimentos e os gastos de funcionamento de forma a melhorar a sua defesa contra incêndios»
Nos fogos de Outubro, não foram só «terras sem dono conhecido» que arderam. Em sete matas nacionais, 67% do território foi varrido pelas chamas e na maior, a Mata Nacional de Leiria, a percentagem atingiu os 87%, de acordo com o relatório.
Se os cortes no ICNF terão contribuído, essa situação é ainda mais escandalosa quando confrontada com os dados que a CTI cita: «Nesta mata, entre 2000 e 2009 (dados do ICNF), seriam investidos cerca de dois milhões de euros em arborização e beneficiação (não considerando despesas correntes), contra uma receita no mesmo período de cerca de 21 milhões de euros.»
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