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Eutanásia de novo em debate no Parlamento

Menos de dois anos após a última discussão parlamentar sobre a matéria, cinco partidos (PS, BE, PAN, PEV e IL) avançaram novamente com projectos.

CréditosAndré Kosters / Agência Lusa

A discussão na Assembleia da República está agendada para o próximo dia 20 de Fevereiro, havendo diversas iniciativas sobre a legalização da eutanásia e do suicídio assistido. O debate encerra questões centrais sobre a dignidade da vida e a intervenção do Estado neste âmbito.

O amplo espectro de partidos que apresentam iniciativas sobre o tema, desde a IL, passando pelo PAN, até ao BE ou PEV – e até as diferentes posições dentro de partidos como o PS e o PSD –, afasta a ideia de que se trata de uma discussão que opõe esquerda e direita ou gente progressista e conservadora.

Não obstante, o PEV é o único partido que, no seu projecto, apresenta como princípio que a eutanásia apenas possa ocorrer em estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) – todos os outros admitem a possibilidade de tal procedimento poder ocorrer no domicílio ou em instituições privadas.

Em todos os projectos está em causa a possibilidade de o Estado promover a antecipação da morte, a pedido do doente, administrando uma injecção ou facultando um comprimido de um veneno letal.

Os proponentes pretendem reconduzir a discussão à decisão individual de alguém que, confrontado com uma situação de sofrimento insuportável, pretenda pôr termo à vida. Acresce que esta consideração choca com o facto de que a decisão só é tomada pelo próprio num momento inicial. A partir daí, visa-se transferir estas decisões para um processo administrativo complexo, onde intervêm diversos técnicos e entidades.

Tem também sido trazida à discussão a possibilidade de sujeitar a matéria a referendo, seja pela intervenção da Igreja Católica ou de vozes em diferentes partidos, como PSD ou CDS-PP, e diversas personalidades de vários espectros.

A questão, que tanto o PS como o PCP já anunciaram que não apoiam, poderá radicar na intenção de afastar, no tempo, a decisão que se quer precipitar já para a próxima quinta-feira. Todavia, a Constituição da República afasta a possibilidade de se referendarem questões decorrentes de direitos fundamentais, como é patente neste caso.

Discussão ligada ao imperativo reforço dos cuidados paliativos

A aprovação de um quadro legal que venha a possibilitar a eutanásia está intrinsecamente relacionada com os riscos decorrentes da organização social e económica que assenta em visões economicistas, que muitas vezes privilegiam uma visão mercantil sobre a Saúde ou a Segurança Social.

Diversas têm sido as vozes que, neste sentido e defendendo a valorização da dignidade da vida, insistem que o principal passo a dar nesta matéria é uma urgente aposta nos cuidados paliativos, que ainda são incipientes e de difícil acesso, particularmente para as camadas mais desfavorecidas. O que se agrava com a degradação e desinvestimento no SNS.

A discussão surge num quadro social em que subsiste a falta de investimento nos meios técnicos e científicos para evitar ou aliviar o sofrimento humano.

Recorde-se que, no que respeita aos cuidados paliativos, não está em causa a manutenção artificial da vida através de tratamentos inúteis e, potencialmente, causadores de sofrimento prolongado, mas do seu alívio, o que pode resultar em «abreviar o tempo de vida». Todas estas são práticas clínicas que não necessitam de qualquer alteração legal, mas que precisam de meios para serem postas em prática de forma universal.

Aliás, o reforço de meios neste sentido deve ter em conta e contrariar a má prática médica designada por distanásia – o prolongamento artificial da vida através de obstinação terapêutica – e, pelo contrário, promover a assistência adequada às circunstâncias até ao momento inevitável da morte.

Testamento vital já é uma realidade

Já existe em Portugal o Registo Nacional de Testamento Vital, instrumento criado e orientado para conferir a cada cidadão maior de idade e capaz a possibilidade de manifestar antecipadamente (e renová-la de cinco em cinco anos), de forma autónoma, livre e esclarecida, tudo o que se relaciona com os cuidados de saúde que deseja ou não receber, no caso de vir a encontrar-se incapaz de expressar autonomamente a sua vontade pessoal.

Poucos países têm contemplada legislação semelhante

Actualmente, existem muito poucos países no mundo com um quadro legal que permita o suícidio assistido e, em todos os casos, surgem relatos que merecem reflexão e preocupação em torno dos desenvolvimentos verificados.

No início do século, a Bélgica e os Países Baixos legalizaram os procedimentos, seguidos do Luxemburgo, em 2009 e, há menos de dois anos, o Canadá juntou-se à lista. Existem ainda outros territórios cujos ordenamentos jurídicos permitem o suicídio assistido, como em alguns estados dos EUA e da Suíça.

Nos diversos países onde já se aprovaram legislações sobre esta matéria, regista-se uma contradição entre a antecipação da morte e os cuidados paliativos. Ao mesmo tempo, verifica-se que são dados passos, de forma galopante, no sentido do alargamento de critérios para autorização da eutanásia. Os exemplos mais claros são os da Bélgica ou dos Países Baixos, nos quais se confere já a possibilidade de as comissões de verificação, de forma administrativa, ampliarem na prática a sua interpretação do que está na letra da lei e abrangendo situações tão variadas como a depressão, a anorexia, tendo já ocorrido casos em que se decide antecipar a morte de crianças.

Os Países Baixos são o país onde mais se pratica a eutanásia, correspondendo já a cerca de 4% das causas de morte. Na Suíça assiste-se ao negócio do suicídio assistido, através do qual diversas empresas prestam serviços com o mesmo fim, mas recorrendo a técnicas publicitárias agressivas para angariar «clientes».

Constituição confere igual dignidade a todos

A discussão pública retomada em torno do tema, expressa uma evidente contradição e divisão social sobre a matéria. Há declarações em sentido diverso por parte de variados sectores da sociedade, sejam profissionais de saúde, juristas, académicos, líderes de confissões religiosas, entre muitos outros.

Os projectos colidem com o texto da Lei Fundamental, se se considerarem as disposições relativas à inviolabilidade do direito à vida e da integridade física e moral e o conceito de dignidade da pessoa. O texto constitucional exclui a consideração de que possa ser classificada como de dignidade inferior a vida de quem esteja em sofrimento, consequência de uma condição fatal e irreversível.

Isto contraria a argumentação dos defensores da legalização da eutanásia, que entendem estar a reconhecer-se um direito ou uma liberdade individual, uma vez que a Constituição define que o direito à vida é um direito fundamental, inalienável e irrenunciável.

A consideração social ampla não pode pôr em causa opções e a autonomia individual, mas o pressuposto de que há uma organização de sociedade em que o Estado tem o dever de proteger os cidadãos é uma opção assumida colectivamente na Constituição da República Portuguesa.

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