Há quem chame «almofada financeira» ao excedente orçamental e Fernando Medina chegou a afirmar que seria «um erro gastar o excedente com a reivindicação do momento». A forma de alcançar tal feito foi simples, manteve-se tudo o que era entrada da receita e não se executou aquilo que era para executar. A táctica, apesar de ilusória, vende bem manchetes, mas esconde o rasto de problemas crónicos que necessitam de respostas.
Segundo as contas apresentadas, o Estado fechou o ano de 2023 com excedente orçamental de 4,33 mil milhões de euros. A título de exemplo, segundo a Fenprof, uma vez que desde 2018, ano do descongelamento da carreira, até agora aposentaram-se quase 12000 professores e também vários milhares com mais tempo de serviço atingiram os dois escalões de topo, a recuperação dos 6 anos, 6 meses e 23 dias de tempo de serviço custaria menos de 300 milhões.
Num outro exemplo, e até segundo as contas do próprio Governo, os custos de aplicar aos elementos das forças de segurança (PSP e GNR) o suplemento atribuído à Polícia Judiciária teria um custo de cerca de 154 milhões de euros. A margem continuaria grande para manter o tal excedente orçamental.
As contas poderiam continuar a ser feitas, mas o contraste mais brutal passa pelos dados do INE divulgados hoje no Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) realizado entre 2022 e 2023. Segundo os mesmos, 10% da população empregada está em risco de pobreza, assim como quase metade dos desempregados portugueses (46,7%).
Numa análise mais global, 17,0% das pessoas estavam em risco de pobreza em 2022, o que quer dizer que a taxa de risco de pobreza para a população desempregada ascendeu, em 2022, a 46,7%, significativamente superior à da população empregada, que foi de 10,0%. Já para a população reformada, a taxa de risco de pobreza situou-se nos 15,4% e para as restantes pessoas inativas foi de 31,2%.
Pode ler-se ainda nas conclusões do inquérito que «entre os trabalhadores por conta de outrem, a pobreza afectou menos os indivíduos empregados no sector público: 3,9% contra 9,7%, no sector privado». Apesar disto, o Estado poderia aumentar o Salário Mínimo Nacional, utilizando o sector público para alavancar o sector privado.
Neste último elemento deve ter-se ainda em conta que em 2022, as empresas cotadas do PSI aumentaram os lucros em 1,2 mil milhões (46%) para 4,7 mil milhões de euros, dos quais mais de metade pertence à Galp, EDP e EDP Renováveis. Já para 2023, segundo o Jornal de Negócios em Janeiro deste ano, previa-se que as tais cotadas do PSI deveriam aumentar os seus lucros em 20%.
Importa ainda referir que, segundo os dados de 2021, os 14 presidentes executivos do PSI (a bolsa portuguesa era composta por 15 empresas, mas a EDP Renováveis e a EDP partilham o mesmo CEO, Miguel Stilwell de Andrade) receberam 15,5 milhões de euros brutos, sendo que mais de metade desta despesa foi feita por seis empresas, que remuneraram cada CEO com mais de um milhão de euros brutos. A lista dos mais bem pagos é liderada, precisamente, por Miguel Stilwell de Andrade que teve uma remuneração bruta de 1,85 milhões de euros.
A todos estes dados não podem faltar os lucros da banca. Só em 2023, os três bancos portugueses registaram lucros recorde, e um quarto esteve perto de o fazer. O Novo Banco, o Santander, o BPI e o Montepio, juntos, apresentaram lucros de quase 1,6 mil milhões de euros. Já o Santander teve uma subida de 57% face ao ano anterior. O banco registou 894,6 milhões de euros em lucro em 2023 – o maior valor desde que o banco chegou a Portugal. Em 2022, o banco teve um resultado líquido de 568,5 milhões de euros.
Contribui para uma boa ideia
Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz.
O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.
Contribui aqui