Nos últimos dias a TAP voltou às notícias e pelos piores motivos, que ainda assim vieram confirmar aquilo que Os Verdes há muito têm vindo a denunciar.
De facto, como alertámos logo a seguir à privatização da TAP, levada a cabo pelo Governo do PSD-CDS de Passos Coelho e Paulo Portas, em 2015, os contornos que envolveram essa privatização, não só desrespeitaram as normas legais, como foram muito lesivos para o Estado Português, um desastre, ainda que tenha sido um grande negócio para os privados.
Agora, vem a Inspeção-Geral de Finanças confirmar que há suspeitas de crime nessa privatização, havendo fortes indícios de que a TAP tenha sido comprada, pasme-se, com o próprio dinheiro da TAP…
Por outro lado, para a IGF não está demonstrada a racionalidade económica do negócio de entrada no capital da Vem Brasil, que representou para a TAP uma perda de 906 milhões de euros, o que confirma o que na altura afirmámos no plenário da Assembleia da República: «a TAP não apresentava problemas significativos, até ter ocorrido, em 2007, a desastrosa compra a 100% da VEM Brasil, que acarretou prejuízos consecutivos e passivos elevados».
Apesar de BE e PS terem impedido (cada vez se percebe menos porquê) de levar a Comissão de Inquérito à TAP até à privatização de 2015, os trabalhos têm contribuído decisivamente para se perceber os contornos desse negócio. Sem uma bola de cristal, não é possível provar intenções. Nunca saberemos se Pires de Lima e Sérgio Monteiro foram enganados por Neeleman ou cúmplices da sua fraude. Eles preferem fingir acreditar que enganaram o empresário americano que ganhou milhões com a operação TAP. Também não é possível provar o que teria acontecido se não se tivesse declarado uma pandemia. Nunca saberemos se o plano de Neeleman era simplesmente inchar a sua operação, retirar tudo o que pudesse e depois desaparecer, ou se a teria levado até uma operação bolsista. O que sabemos é que a estratégia – de alto risco para a TAP e zero risco para ele – adoptada pelo empresário americano tropeça na Covid e arrasta a TAP para o precipício. E que, no final, Neeleman e as suas empresas ganharam muitos milhões com a operação TAP e deixaram-na com um buraco de mais mil milhões de euros do que o que existia antes da sua chegada, para nós pagarmos. No mundo capitalista, um investidor nunca arrisca mais que os capitais que coloca numa determinada empresa. Ora, David Neeleman não colocou qualquer capital na TAP. Ele viu a oportunidade de tomar o controlo da empresa através de um mecanismo muito simples: Negociou com a Airbus a compra de 53 aviões (uma compra de cerca de 3,6 mil milhões de euros) e recebeu desta uma comissão antecipada de 230 milhões de euros; Com esses 230 milhões ele comprou a TAP (que foi vendida por 10 milhões) e usa o resto para fazer a capitalização com prestações acessórias (que mais à frente ainda lhe garantiriam o controlo total e efectivo da empresa, sem ter que simular uma sociedade com Humberto Pedrosa); Ele transfere para a TAP a obrigação de compra dos 53 aviões, aceitando esta pagar uma multa de 230 milhões se não comprasse os aviões (no fundo, assegurando a devolução da comissão recebida por Neeleman se a TAP não comprasse todos ou parte dos aviões). Foi este o negócio que o governo PSD/CDS fez, foi este o negócio que esconderam do povo português. Em bom português, é com dinheiros da TAP, que a empresa está hoje a pagar, com dinheiros que tiveram que ser financiados pelo Estado português, que David Neeleman compra a TAP. O risco patrimonial do «empresário» foi zero. Tomado o controlo da companhia, David Neeleman aproveita para concretizar um conjunto de outras operações que lhe irão trazer uma grande vantagem patrimonial. Três delas decorrem ainda durante a própria operação de compra com a Airbus, onde é fácil identificar os custos para a TAP. A primeira é a desistência da opção de compra dos 10 A350, que a TAP tinha assegurado a um bom preço por ter participado no processo de desenvolvimento do mesmo. Essa desistência da opção de compra está avaliada em 140 milhões, e implicou o abandono de uma linha de crescimento da operação – para a Ásia, nomeadamente para a China – que estava por detrás da compra desse tipo de aviões. Esta abrupta mudança de planos fica ainda mais estranha se pensarmos que o administrador da TAP que planeou a compra dos A350 (Fernando Pinto) foi o mesmo que foi contratado pela administração privada como consultor, com uma remuneração de 130 mil euros mensais. A segundo será o preço dos aviões que Neeleman negociou, que vários avalistas consideram estar inflacionado, com potenciais perdas para a TAP de 200 milhões. O que pode significar que a TAP, comprando ou não os aviões, devolveria sempre a comissão que a Airbus entregou a David Neeleman. Há ainda uma terceira vertente deste processo, ainda mais difícil de provar sem uma investigação criminal internacional: na mesma altura, Neeleman terá negociado outras aquisições de aviões com a Airbus para empresas de que é ainda hoje proprietário. Durante os quatro anos de gestão privada, a TAP vai ter com a Azul (de David Neeleman) uma relação subserviente e onde é prejudicada. Vai pagar à Azul para utilizar os seus ATR na ponte aérea, o que rentabilizou uma parte da frota da Azul que não era rentável, mas fez a TAP «optar» por uma má solução, cara e pouco fiável. Vai libertar o aeroporto de Campinas (São Paulo) para que a Azul faça o seu hub de ligação a Portugal, e ainda vai fazer uma operação de code-share para facilitar a difusão destes passageiros pela Europa, colocando em risco a mais rentável das operações TAP, a ligação ao Brasil, em favor do crescimento da Azul nesse mesmo mercado. Vai receber dois aviões muito degradados da Azul, recuperá-los como se fossem seus, e devolvê-los à Azul, uma operação com um custo de largos milhões de euros. A forma como os administradores privados vão ser remunerados no período de gestão privada é outro elemento que nos mostra os privados a irem ao pote. Além dos 130 mil por mês a Fernando Pinto, temos os milhões pagos a Max Urbanh e a Antonoaldo Neves, e os prémios pagos mesmo com prejuízos anuais superiores a 100 milhões. Com a entrada de Neeleman na companhia, a TAP é colocada a inchar. Desde logo porque tal é fundamental para absorver e justificar a compra dos 53 novos aviões. É certamente discutível qual a intenção com que esse crescimento foi feito, mas é indiscutível, agora que se conhece o mecanismo de compra da empresa, que esse crescimento era necessário, antes de mais nada, para que Neeleman pudesse ter comprado a TAP. Reconheça-se que os novos aviões trazem vantagens competitivas importantes à TAP. Gastam menos combustível e são mais ecológicos. Aumentaram a dívida e os compromissos da companhia, mas desde que o crescimento da operação continuasse, não era impossível que a operação se equilibrasse e começasse a dar lucros. E há elementos, apurados pela CPI, que fazem crer que pelo menos alguns dos envolvidos acreditavam nesse cenário (por exemplo, Fernando Pinto recebia um conjunto de opções de compra de acções da TAP numa futura capitalização em bolsa que nessa altura valeriam 7 milhões de euros). Não faz sentido receber, num contrato secreto, opções de compra, se não se acredita que a empresa vai ser colocada em bolsa. É verdade que os esquemas de Ponzi também funcionam assim (só sobrevivem enquanto se cresce). É verdade que os dois últimos anos de gestão privada pré-pandemia, foram o período de maiores prejuízos da história da TAP (mais de 300 milhões de Euros). É pois lícito especular que o plano de alguns sempre foi tirar o máximo possível e depois afastar-se com os ganhos. Mas, admitamos que não era esse. Nesse caso, o crescimento acelerado (o maior do mundo naquele período) era só um risco calculado, um risco para a TAP, claro, dado que David Neeleman nada arriscava. Se corresse bem, traria lucros de centenas de milhões a David Neeleman (cerca de 400 milhões), se corresse mal, adeus TAP. Mas o que é que podia correr mal? E depois veio o Covid. Importa pouco ter a certeza se a pandemia interrompeu um esquema de Ponzi ou uma arriscada jogada do empresário norte-americano. O que é seguro é que a TAP é mais severamente atingida pela pandemia devido às opções impostas por David Neeleman, desde o processo de compra até aos 4 anos de gestão privada da companhia. Tendo arriscado zero em todo este processo, David Neeleman está inicialmente disponível para receber (não ele, para não ficar com quaisquer responsabilidades individuais, mas a TAP) todo o tipo de apoios do Estado. Mas recusa-se a capitalizar a TAP. Estamos perante o investidor moderno, que só aceita investir o dinheiro dos outros. Quando o Governo PS exige que parte do apoio público implique capitalização, David Neeleman começa a preparar a saída. Vai negociar a sua saída por uma indemnização de 55 milhões de euros. Um maná, para quem nada de seu colocou na TAP, conseguido quando o valor financeiro da empresa era de zero. E que se foi juntar a tudo o que já tinha sido retirado. Perante este cenário, o deputado Bernardo Blanco, da Iniciativa Liberal, já defendeu por diversas vezes na Comissão Parlamentar de Inquérito que a solução seria emprestar o capital necessário à TAP (os 3,2 mil milhões de euros), continuando David Neeleman com o controlo efectivo da empresa. Que fácil é ser capitalista no mundo destes alucinados. Um mundo onde salvar uma grande e estratégica empresa pública é um crime, mas onde existe sempre disponibilidade para enviar dinheiro às pazadas para o bolso de capitalistas e especuladores. Ora, a conclusão que salta à vista é outra: a TAP não pode continuar a ser sangrada por este tipo de gente, não pode continuar a pagar os lucros que outros fazem com a TAP. É tempo de deixar de ter como única prioridade de gestão da TAP a sua privatização, a quarta tentativa neste caso. É tempo de uma gestão pública capaz e orientada para a defesa do interesse nacional. Desde há vários anos, o AbrilAbril assume diariamente o seu compromisso com a verdade, a justiça social, a solidariedade e a paz. O teu contributo vem reforçar o nosso projecto e consolidar a nossa presença.Nacional|
TAP. O negócio Neeleman de 2015
Risco Zero: os capitais usados são da própria TAP
Ao assalto da TAP
A TAP a inchar
A pandemia
Concluindo
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E o mais surpreendente é que duas das pessoas com mais responsabilidades nessa desastrosa privatização acabaram por ser «premiadas» pelo Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, uma com a nomeação para Comissária Europeia; recorde-se que Maria Luís Albuquerque era, em 2015, Ministra das Finanças; e a outra com a nomeação de Miguel Pinto Luz para Ministro das Infraestruturas e Habitação, que nessa altura era Secretário de Estado das Infraestruturas e Comunicações, e portanto com responsabilidades diretas nesse processo.
Face a todo este quadro, Os Verdes consideram que, para além das consequências políticas e eventualmente criminais que deste processo poderão decorrer, o Governo deveria abandonar a intenção de entregar aos privados uma empresa com a importância e a dimensão da TAP.
A TAP é uma empresa estratégica que para além de constituir o maior exportador nacional de serviços, com vendas acima dos 3 milhões de euros, acaba por ser um instrumento da nossa soberania, num país com 11 ilhas atlânticas e importantes comunidades emigrantes em todos os continentes, espalhadas um pouco por todo o mundo.
«Os Verdes consideram que, para além das consequências políticas e eventualmente criminais que deste processo poderão decorrer, o Governo deveria abandonar a intenção de entregar aos privados uma empresa com a importância e a dimensão da TAP.»
Para além disso, a TAP envolve direta e indiretamente muitos milhares de postos de trabalho e continua a contribuir todos os anos para os cofres do Estado, que só na última década entregou à Segurança Social 1,4 mil milhões de euros e ao Estado, em sede de IRS, 1,2 mil milhões de euros.
E, portanto, face à importância desta companhia aérea e do que representa para o país e para os portugueses, a TAP deve continuar nas mãos do Estado, a única forma de garantir a afirmação do interesse público e até a defesa da soberania nacional.
O Estado não pode continuar refém dos interesses privados, porque o interesse público tem de ter lugar nos voos da TAP.
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