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O Polvo – algumas considerações sobre casos de corrupção em Portugal

Casos que têm origem nas privatizações, na submissão a imposições externas e na crescente subordinação do poder político ao poder económico, de que o «bloco central de interesses» foi motor.

Ricardo Salgado ficou conhecido como «dono disto tudo»
CréditosJosé Sena Goulão / Agência Lusa

1.Mais uma acha para a fogueira da corrupção

O mais recente caso envolvendo o ex-ministro Manuel Pinho, o BES, a EDP e também o ex-ministro António Mexia, terá desejavelmente um curso de investigação e processos judiciais dela decorrentes, mas não podem deixar de ser apreciadas no plano político. As rendas, que foram sendo permitidas à EDP por aquele ex-governante, poderão ser mais um caso da corrupção de membros de governos pelo poder económico1.

Como noutros casos, os comunistas referem que é indissociável do processo de privatizações, da submissão às imposições externas, da recuperação do poder monopolista e da sua relação com a crescente subordinação do poder político ao poder económico.

O escândalo BES/GES foi de resto exemplo flagrante dessa circunstância, tendo então o PCP denunciado que ex-responsáveis políticos e governativos como Manuel Pinho ou Miguel Frasquilho foram, sob diferentes formas, financiados pelo Grupo Espírito Santo. Manuel Pinho será ouvido na Assembleia da República. Mas desejável seria que estaavaliasse de forma mais abrangente o conjunto de ligações entre sucessivos governos e as principais empresas e grupos económicos, em diferentes sectores, desde logo o da energia mas também banca, correios, telecomunicações, saúde ou transportes.

2. A corrupção e outros comportamentos associados são fenómenos universais, com milénios de história mas desenvolvendo-se particularmente com o capitalismo e nas suas fases mais recentes. 
Atinge em primeiro lugar, dirigentes da administração pública, diplomatas, políticos nacionais e locais, ministros, primeiros-ministros e até chefes de Estado. Mas a grande maioria do dinheiro vai parar aos bolsos de dirigentes de empresas públicas, entre os quais se contam também os gestores.

3. A corrupção atinge também o sector privado, sendo aí menor a transparência e a capacidade de escrutínio. Mas continuando a ter, como o caso GES/BES, do BPN, do BCP revelam, o desprezo pelos interesses muitos clientes que veem perdidas volumosas quantias que, entretanto, têm sido permitidas sacar a grandes accionistas.

4. O jornal Público, em 2014, a partir de 427 casos analisados, em que dirigentes e gestores públicos eram 80% dos casos, o objectivo mais frequente era a concessão de contratos por parte de entidades estatais e em mais de metade dos casos o suborno partiu de executivos de topo, embora frequentemente através de intermediários. Em segundo lugar na lista dos mais subornados, totalizando 11% dos casos, mas apenas 1% dos montantes, surgiam funcionários alfandegários.

A OCDE, de que Portugal faz parte, debruçou-se sobre casos de subornos que foram feitos, ou tentados, com o objectivo de obter facilidades de negócio junto do sector público de cada país.

Uma vez que a análise tem como base investigações judiciais concluídas, muitos subornos, nomeadamente os de pequena dimensão, não estão incluídos nas estatísticas.

Segundo a PGR, verificou-se que o número de inquéritos registados por crime de corrupção aumentou 37,7% e de abuso de poder 33%.
Privatizações, concessões, contratos, parcerias público-privadas são as situações contratuais em que mais se registam as irregularidades.

5. As situações de corrupção em alguns dirigentes de organismos do Estado, gestores de empresas públicas e membros de governos, ou pessoas ou gabinetes contratados para assessorarem esses «negócios», podem surgir na identificação das «necessidades» em estudos prévios, estudos prévios à elaboração de cadernos de encargos e mesmo na sua redacção, fornecimento de informação privilegiada a potenciais concorrentes no início do processo contratual de empreitadas de obras públicas e de aquisição de bens e serviços.

Mas também junto de membros de comissões de análise de propostas. E posteriormente na Fiscalização ou Acompanhamento do cumprimento de cláusulas dos contratos (manutenção de equipamentos, verificação dos parâmetros definidos para certos índices de desempenho,etc.).

6. Acontecendo ainda que o aparelho do Estado está despojado de técnicos e serviços jurídicos próprios para poderem acompanhar todos os procedimentos referidos, enquanto os contratados dispõem de escritórios de advogados bem remunerados (que se fazem cobrar bem de pareceres e ainda são analistas políticos nos media). E que o sistema judicial, em particular, carece de mais técnicos e formação específica ao nível de agentes policiais, procuradores e juízes. 

«Menos Estado, melhor Estado» é uma consigna dos mais poderosos que querem o Estado para os servir mas sem capacidade para corrigir os seus comportamentos criminosos. Desta forma o Estado «vê-se obrigado» a contratar escritórios de advogados, consultores diversos, incluindo do sistema financeiro, alguns dos quais trabalham para seu próprio interesse e recorrendo a meios das instituições a que pertencem.

Escritórios e consultores que ao longo dos anos vão acumulando know-how obtido de organismos oficiais, acabando por nessas contratações pelo Estado, emitirem estudos e pareceres que vão beneficiar outros interessados aquando da realização dos concursos.

Alguns dos casos de corrupção mais conhecidos

Como não integro nenhum sistema de informações do Estado nem integro nenhuma comissão parlamentar de inquérito, as notas que se seguem são retiradas da abordagem na Assembleia da República e na imprensa dos casos citados. Algumas das considerações pessoais são também fruto de experiência de contacto com algumas destas realidades há alguns anos atrás.

7. Caso BPN 

O banco, fundado e levado à ruína por ex-governantes do PSD, que o dirigiram com irregularidades diversas que incluíram distribuir favores financeiros a destacados militantes do partido, traduziu-se numa burla ao erário público de 7 mil milhões de euros. Este processo autonomizou-se doutro em que nascera – a Operação Furação (ver adiante). O seu presidente, Oliveira Costa, em Maio de 2017 foi condenado a 14 anos de prisão efectiva por abuso de confiança, burla qualificada, falsificação de documentos, infidelidade, aquisição ilícita de ações e de fraude fiscal. Foram condenados a penas não tão pesadas mais 11 réus.

8.Caso BCP

Entre 1999 e 2007, o banco falseou as contas e escondeu a actividade de dezenas de off-shores controladas por testas-de-ferro e usadas para comprar acções próprias. O buraco rondou os 600 milhões de euros e o banco foi um dos maiores destinatários do empréstimo da troika a Portugal, ao ficar com 3 mil milhões da linha de apoio à banca.

Em Maio de 2007 realizou-se a assembleia geral do BCP que levaria ao afastamento de Jardim Gonçalves da liderança do grupo. Esse afastamento tinha o patrocínio do investidor Joe Berardo; de João Rendeiro, fundador do Banco Privado Português; de Nuno Vasconcelos e Rafael Mora, da Ongoing; de António Mexia, líder da EDP; de Carlos Santos Ferreira, líder da Caixa Geral de Depósitos, e ainda de outros empresários que estavam contra o modelo de negociação do presidente do conselho superior do banco. A maioria destes esteve envolvida em outros casos de corrupção.

Os banqueiros foram multados por manipulação de mercado. Em 2013, um tribunal condenou nove ex-administradores do BCP a multas num total de mais de quatro milhões de euros, confirmando a condenação prévia do regulador da bolsa.

O tribunal não conseguiu que a multa a Jardim Gonçalves fosse retirada da pensão milionária que passou auferir quando saiu do banco. E acresce que o ex-banqueiro só paga contribuição extraordinária de solidariedade (CES) sobre um terço de cerca de 170 mil euros de reforma mensal…

A prescrição em Março de 2014 das penalizações aplicadas a Jardim Gonçalves e a outros banqueiros do BCP pelo Banco de Portugal tornou-se num escândalo de grande envergadura, atendendo a que as responsabilidades acabaram por cair sobre os contribuintes.

9. O processo Monte Branco

Na imprensa do mês passado era dado como certo que o Ministério Público (MP) iria concluir a acusação do processo Monte Branco até às férias judiciais de 2018, sendo que muitos dos mais de 40 visados iriam pagar ao Estado os impostos que lhe tinham subtraído, tendo, por isso, sido suspensos provisoriamente os respectivos processos.

O principal arguido, Francisco Canas, que chegou a estar detido, faleceu há mais de um ano. O prazo para a produção do despacho de acusação teve que ser acelerado para que não prescrevessem os crimes.

Este processo, decorrente de uma investigação iniciada em 2011, conduziu a uma das maiores redes de branqueamento de capitais e fraude fiscal até então detectadas em Portugal, que tinha como base a loja de câmbios Montenegro Chaves, de Francisco Canas, na Baixa de Lisboa, e antigos gestores da UBS, que constituíram a sociedade Akoya.

Francisco Canas usaria as suas contas no BPN e no BCP para, através de um sistema de compensação de verbas, fazer chegar o dinheiro dos clientes à Suíça e vice-versa. Na loja de câmbios havia inclusivamente uma lista cifrada dos clientes.

Entre os clientes da loja de Canas estavam o antigo líder parlamentar do PSD Duarte Lima, o ex-presidente do Benfica Manuel Vilarinho e José Carlos Gonçalves, um construtor civil. A investigação esteve paralisada a partir do momento em que o procurador Rosário Teixeira e a restante equipa de investigação passaram a estar concentrados na Operação Marquês, que envolve o ex-primeiro-ministro José Sócrates. 

Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia eram os principais sócios da Akoya. O ex-presidente do BES/Angola, Álvaro Sobrinho, e o antigo homem-forte da ESCOM, Hélder Bataglia, eram os principais accionistas da Akoya: cada um detinha 22,5% do capital. Michel Canals tinha 20%, José Pinto, considerado recente braço-direito de Sobrinho, tinha 15%, tal como Nicolas Figueiredo. À advogada Ana Bruno cabiam os restantes 5%. A sociedade gestora de fortunas terá entretanto sido dissolvida no seguimento do processo judicial em Portugal.

Ricardo Salgado era outro dos clientes da Akoya e o seu gestor de conta era Nicolas Figueiredo, mas deve, para já, ficar de fora da acusação do Monte Branco, já que parte dos crimes estão em investigação no caso do Universo GES.

Em 2012, os ex-gestores da UBS, Michel Canals, José Pinto e Nicolas Figueiredo foram detidos numa operação conduzida pelo DCIAP, no Porto, quando iam participar num torneio de golfe. 

Quatro primos direitos de José Sócrates estiveram sob escuta e foram alvo de buscas domiciliárias no caso Monte Branco em Outubro de 2015 — dias depois de o ex-primeiro-ministro ter sido libertado da prisão domiciliária a que tinha sido sujeito no âmbito da Operação Marquês. Estavam em causa suspeitas da alegada prática dos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais por parte da família Pinto de Sousa. Mais tarde, toda esta prova foi transmitida à Operação Marquês devido às suspeitas do MP de que Santos Silva seria um testa-de-ferro de José Sócrates.

10.Operação Furacão

A investigação detectou um esquema de colocação de verbas fora do país, em off-shores, por intermédio de bancos e outras instituições financeiras, através de facturação falsa relativa a prestação de serviços inexistentes. Com esta actuação, seriam aumentados de forma artificiosa os custos das sociedades nacionais, com a consequente diminuição dos proveitos a incluir nas declarações de imposto, em sede de IRC.

Em Março de 2016, dez anos depois do início da investigação, já tinham sido recuperados dos 43 iniciais acusados pelo MP (indivíduos e empresas), 146 milhões de euros, com suspensão provisórias dos processos.

O grupo Mota-Engil beneficiou da suspensão provisória de processo depois de ter pago cerca de 6 milhões de euros em impostos em falta. Aos primeiros promotores da fraude não foi oferecida a possibilidade de, através da regularização fiscal, poder ser conferida a suspensão provisória do processo. Deste processo nasceu um outro, o caso BPN.

11.Parcerias Público Privadas (PPP)

As PPP constituíram uma operação de transferência de capitais, de grande envergadura, para os maiores grupos privados da finança e construção. Foram realizadas a pretexto do Estado não ter dinheiro e não poder recorrer à banca, enquanto os privados o podiam fazer. As PPP eram, assim, estabelecidas com consórcios que em geral integravam, pelo menos, um operador financeiro e uma empresa de construção. O objecto do contrato podia ser a construção e manutenção de uma infra-estrutura,  mas podia incluir a sua exploração e a de serviços complementares necessários a essas infra-estruturas. Não geraram, até agora, a criminalização de envolvidos.

As PPP existem para auto-estradas, hospitais, prisões e segurança, transportes ferroviários e pesam muito nos encargos para o Estado, que em 2016 foram 1703 milhões de euros. Aguarda-se que o Ministério Público venha a incriminar três membros do governo José Sócrates envolvidos em alegadas irregularidades nas PPP para 11 auto-estradas.

12.O processo Face Oculta

Quando, em Junho de 2009, a Polícia Judiciária (PJ) de Aveiro estava a investigar uma rede alargada de corrupção e tráfico de influências, tendo como protagonista um industrial de sucata, Manuel Godinho, chegou a indícios de subornos do empresário a políticos e gestores para ser favorecido em concursos públicos.

Um ano depois da Relação do Porto ter mantido as condenações, e três anos e sete meses após decisão de 1.ª instância, a decisão final não tem fim à vista. Há recursos de Armando Vara e do pai e filho Penedos ainda pendentes.

A sentença de primeira instância do Processo Face Oculta foi inédita por condenar um ex-vice-presidente do BCP (Armando Vara), um ex-presidente da empresa Rede Eléctrica Nacional (José Penedos) e o seu filho (Paulo Penedos), além de um ex-administrador do Grupo EDP (Paiva Nunes) e um conjunto alargado de funcionários da Refer a pesadas penas de prisão efectivas. Mas esse acontecimento verificou-se a 5 de Setembro de 2014. Desde então os autos do Face Oculta continuam longe de transitar em julgado.

O Tribunal da Relação do Porto confirmou, a 5 de Abril de 2017, uma boa parte das condenações dos arguidos condenados pelo Tribunal da Comarca do Baixo Vouga, nomeadamente de Manuel Godinho, o famoso sucateiro que geria o Grupo O2, de Armando Vara e de Paulo Penedos.

José Penedos e Paiva Nunes viram as suas penas reduzidas para três anos e três meses para o primeiro e quatro anos de prisão efectiva para o segundo. Mas só um ano depois é que os últimos recursos dos principais arguidos vão subir para as instâncias superiores. Para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no caso de Godinho, e para o Tribunal Constitucional, no caso dos restantes.

13.A privatização da água e saneamento ao nível de autarquias

Realizada por algumas dezenas de câmaras municipais, esta privatização tornou-se um sorvedouro de recursos municipais e aumentou a factura do que os consumidores consumiam, mesmo quando a água não pingava, deixando na mão de privados a capacidade de lucrar com o que é um bem público por excelência.

14.O BPP-Banco Privado Português

Este banco foi arruinado pela má gestão dos administradores, que transferiam as perdas dos seus investimentos para as carteiras dos clientes. Um ano antes de falir, o banco pagou milhões em dividendos a accionistas como Balsemão, Saviotti e o próprio João Rendeiro.

No Tribunal da Concorrência o Ministério Público pediu pena de prisão efectiva entre sete e nove anos para João Rendeiro, e uma pena de prisão efectiva entre seis e oito anos para os ex-administradores Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital.

João Rendeiro foi condenado a pagar uma multa de 1,5 milhões de euros e Salvador Fezas Vital, antigo administrador do BPP, uma coima de 700 mil euros. Tanto Rendeiro como Fezas Vital alegaram não terem os necessários recursos financeiros para o efeito. Paul Guichard multado em 1 milhão de euros fugiu para o Brasil e não terá bens penhoráveis em Portugal.

15.Como o Santander comeu o Totta

A privatização do banco Totta & Açores em 1989 deu origem a uma grande polémica sobre a passagem da banca nacional para mãos espanholas. Champalimaud, pouco antes indemnizado pelo Estado pela anterior nacionalização, ficou com o banco apelando à protecção dos empresários nacionais… antes de o vender ao Santander! E quem mexeu os cordelinhos deste negócio do lado do Estado acabou por aparecer depois do lado do banqueiro.

16.O caso Portucale
Este caso esteve relacionado com a autorização do abate de 2600 sobreiros para urbanização em Reserva Ecológica Nacional, A construção seria feita na Herdade da Vargem Fresca, zona de Benavente, numa antiga propriedade da Companhia das Lezírias que aquela empresa adquiriu em 1993.

Este caso prende-se com um despacho assinado, no governo de Santana Lopes, por Luís Nobre Guedes (ministro CDS), Carlos Costa Neves (ministro  PSD) e Telmo Correia (ministro do Turismo) dias antes da dissolução da Assembleia da República e da convocação das eleições legislativas de 2005, e que permitiu à Portucale arrancar com um projecto turístico-imobiliário no terreno. Foram a julgamento o dirigente do CDS Abel Pinheiro, três quadros superiores do BES, vários membros da Direcção-Geral das Florestas mais dez réus, que em Abril de 2012 acabariam por ser absolvidos.

17.A venda do prédio dos CTT em Coimbra

A história do prédio dos CTT de Coimbra, que em 2003 foi vendido duas vezes no mesmo dia, deu origem a uma investigação à gestão de Rui Horta e Costa (PSD), nomeada pelo Governo Durão/Portas. O inquérito ficou três anos na gaveta. Vários protagonistas foram acusados de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais, administração danosa, falsificação de documentos ou participação económica em negócio.

O rasto da corrupção nos CTT também passou pelo BPN e abriu um buraco de 13,5 milhões nas contas da empresa pública. Horta e Costa viria a sair dos CTT por ter sido constituído arguido da Operação Marquês (José Sócrates). Os investigadores do caso CTT suspeitaram ter sido entregue aos ex-administradores Rui Horta e Costa e Manuel Baptista um milhão de euros, que teria passado pelo BPN rumo a paraísos fiscais.

O prédio foi vendido em 20 de Março de 2003 à empresa Demagre por 14,8 milhões de euros e, no mesmo dia, foi revendido à ESAF – Espírito Santo Fundos de Investimento, por 20 milhões de euros. No julgamento em 2013 os acusados foram ilibados.

18.O caso da TDT

No caso da Televisão Digital Terrestre (TDT), a Portugal Telecom, através da PT Comunicações, foi a única candidata ao concurso para a licença da TDT. Criou-se assim uma curiosa situação de monopólio, já que a PT, que possuía a Meo, não tinha qualquer interesse no sucesso da Televisão Digital Terrestre. Milhares de pessoas perderam acesso à TV e muitos tiveram de pagar para ver os mesmos quatro canais que já viam.

O afastamento de alguns jornalistas indiciava ser um dos objectivos da operação. A Altice comprou a PT e o serviço público degradou-se. O grupo Altice, que comprou a PT Portugal há dois anos, anunciaria depois que tinha chegado a acordo com a espanhola Prisa para a compra da Media Capital, dona da TVI, numa operação que avaliava a empresa em 440 milhões de euros.

A Comissão de Trabalhadores da televisão e rádio públicas defendeu então que, a concretizar-se a compra da TVI pela Altice, teria de ser revisto o modelo de distribuição de TDT, cujo negócio teria significado uma transferência em massa de capital dos contribuintes portugueses para uma empresa que explorou um monopólio estatal, tornando o seu negócio mais lucrativo, que explicaria por que é que o sinal de televisão digital terrestre seria deficiente em zonas de fraca penetração de televisão por assinatura. Esta operação não foi, até ao momento, motivo de intervenção judicial.

19.O caso dos vistos Gold 

Irregularidades em torno do programa de vistos de residência, os chamados «Vistos Gold», destinados a investidores estrangeiros, estão na base das acusações. Em julgamento a decorrer, o ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, assim como o ex-responsável do Serviço de Estrangeiros de Fronteiras António Figueiredo enfrentam acusações de favorecimento e lavagem de capitais, tendo o MP pedido para o primeiro cinco anos de prisão e para o segundo até oito anos. 

20.O Caso Grupo Espírito Santo (GES/BES)

Ricardo Salgado pelas ramificações do seu grupo económico e a capacidade dele influenciar o poder político e actos de gestão criminosos de outras empresas, ficou conhecido como o «dono disto tudo».
Em Dezembro de 2012, Salgado testemunhou pelo facto de ser cliente da Akoya, a sociedade de gestão de fortunas que está no centro da investigação Monte Branco, a que nos referimos atrás.

Em Julho de 2014, Ricardo Salgado foi detido para prestar declarações perante o juiz Carlos Alexandre. A detenção realizou-se no âmbito do caso Monte Branco, por fuga ao fisco e branqueamento de capitais. Nesta data, Salgado foi constituído arguido devido, nomeadamente, aos 14 milhões de euros recebidos das mãos do construtor José Guilherme, para sociedades off-shore, que Salgado justificou como sendo um presente que respondia a um favor que lhe tinha feito… O pagamento de uma caução de 3 milhões de euros foi uma das medidas de coacção aplicadas a Ricardo Salgado, depois do ex-presidente do Banco Espírito Santo ter sido interrogado no Tribunal Central de Instrução Criminal.

Ricardo Salgado foi declarando aos jornalistas que não havia burlas, que não havia caso… Novas revelações, porém iriam continuar a surgir envolvendo empresas, algumas das quais estratégicas como a PT.

Em Julho de 2014, Salgado fez uso do Regime Excepcional de Regularização Tributária (RERT III, uma vez que já tinha havido antes outros dois, ainda que com características diferentes). E isto quando em 2012 a Compagnie Financiére Espírito Santo SA, empresa financeira do universo do grupo Espírito Santo Financial Group (ESFG), desaconselhou clientes milionários com contas na Suíça a aderirem à amnistia fiscal de 2012, ao mesmo tempo que Ricardo Salgado aderia à amnistia fiscal para legalizar o dinheiro que tinha lá fora…

Foram vários os casos relacionados com o BES, que se avolumaram em anos anteriores, que levaram à queda da gestão do banco e à crise posterior no Grupo Espírito Santo.

Os trabalhos da Comissão de Inquérito ao caso BES/GES, proposta pelo PCP, que terminaram em Junho de 2015, permitiram pôr em evidência a natureza predatória e os critérios de funcionamento da banca e dos grupos monopolistas, o carácter ficcional da «regulação», bem como a indispensabilidade do controlo público da banca, enquanto condição para uma política de desenvolvimento económico soberano do país.

No primeiro processo de contra-ordenação do Banco de Portugal contra os antigos presidente e administradores do Banco e Grupo Espírito Santo, 18 arguidos (15 singulares e três colectivos), as contra-ordenações aplicadas estão a ser objecto de recursos pelo ex-presidente do BES, Ricardo Salgado (quatro milhões de euros), e ao ex-administrador Amílcar Morais Pires (600 mil euros).

Há uma segunda acusação proferida contra 18 arguidos — relativa ao financiamento do BES ao BESA (Banco Espírito Santo Angola) — e espera-se que existam, pelo menos, mais três grandes processos de contra-ordenação relacionados com o colapso do BES, tantos quantas as auditorias forenses realizadas pela Deloitte para o Banco de Portugal.

A Espírito Santo Enterprise era a empresa mais secreta do Grupo Espírito Santo (GES), e pode ter sido usada nos últimos anos para movimentar cerca de 300 milhões de euros.

Referindo-se à ES Enterprise, os círculos próximos de Ricardo Salgado explicam que o veículo era um meio para pagar bónus a colaboradores do GES que trabalhavam em várias sociedades. A explicação tem suscitado sorrisos e muitas dúvidas da parte de dirigentes do GES e do BES. José Manuel Espírito Santo, um dos membros do Conselho Superior do GES e da comissão executiva do BES, que garantiu aos deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito que nunca tinha ouvido falar na ES Enterprise até o Público divulgar a sua existência, como eventual «saco azul» do GES. O mesmo disse o presidente do BESI, José Maria Ricciardi: «Nunca tinha ouvido falar da empresa».  

É deste saco azul que terão saído milhões de euros para o ministro da Economia de José Sócrates, Manuel Pinho. Este caso vai ser motivo de averiguações do Ministério Público e de inquirição parlamentar.

21.O caso Manuel Pinho

Jean-Luc Schneider, um suíço, alto quadro do Grupo Espírito Santo (GES) que apenas respondia perante Ricardo Salgado, terá involuntariamente acabado por tramar Manuel Pinho com os registos metódicos sobre todas as transferências que a Espírito Santo (ES) Enterprises fazia para membros da família Espírito Santo, administradores do BES e do GES, e para titulares de cargos políticos e de órgãos sociais de empresas participadas pelo grupo informalmente liderado por Ricardo Salgado.

De acordo com os registos que foram juntos aos autos do caso EDP no dia 24 de Abril de 2018, e consultados há dias, Manuel Pinho terá recebido um total de 2.110.672, 80 euros entre Julho de 2002 e Abril de 2014. Este caso ainda não foi objecto de intervenção do Ministério Publico.

Outros contratos do Estado, de diversas concessões de prestação de serviços públicos, têm sido ruinosas para o Estado, isto é, para os contribuintes. É caso da Lusoponte, do contrato com a Ascendi (parceira da Mota-Engil na gestão de SCUT), a parceria público-privada da SCUT da Costa da Prata, o contrato do SIRESP, etc.

Elucidativo foi também o caso da Parque Escolar. Enquanto o programa de remodelação lançado em 2007, na altura pelo Governo de José Sócrates, da Parque Escolar gastou cerca de 2.300 milhões de euros para reabilitar cerca de 150 escolas. Em média cada intervenção da Parque Escolar fixou-se nos 15 milhões de euros, o que compara com um milhão previsto neste novo programa.

Assim, o Público faz as contas: os 200 milhões agora previstos para 200 escolas só dariam para pagar 14 escolas com o valor médio registado pela Parque Escolar.

Não era nossa intenção com esta referência a alguns casos sermos exaustivos nas referências a contratos do Estado, a bancos e a criminosos individuais, que prejudicaram significativamente o erário público. Para além destes casos, outros existem.

No seu conjunto podemos detectar o designado «bloco central de interesses», o «centrão» constituído por PS, PSD e CDS que, além dos envolvimentos pessoais e redes de beneficiários, frequentemente se protegem uns aos outros, partilham lugares e fazem circular cadeiras de acesso a situações de poder (empresas, órgãos de poder, partidos que a ele acedem), dispondo todos de «casos em carteira» de conhecimento de irregularidades de outros.

Quando cada um se sente «picado», liberta um ou outro caso contra outros para a comunicação social, que são por esta apreciados, mesmo quando são apenas suspeitas ou indícios, por isso garantir audiências e vendas, com as quais atrai publicidade, assumindo-se como essenciais de uma certa «transparência» que a ajude a ilibar-se das práticas reiteradas de manipulação da opinião pública.

Conclusão

Nestes e noutros casos devem ser apuradas as responsabilidades, sendo inaceitável que escapem a esse escrutínio, julgamento e condenação os mais poderosos.

Estes e outros casos têm as suas origens nas privatizações, na submissão a imposições externas, na recuperação e reconversão do poder económico monopolista e na crescente subordinação do poder político ao poder económico, de que o «bloco central de interesses» foi motor.

É, pois, necessária uma avaliação mais abrangente, no plano político e no plano jurídico, que aborde o conjunto de ligações entre sucessivos governos e as principais empresas e grupos económicos, não apenas num sector mas também em sectores como a banca, correios, telecomunicações, energia, transportes, saúde mas também no mundo do futebol.

O apuramento dos grandes devedores dos bancos que têm sido apoiados pelo Estado, desencadeado pela iniciativa do PCP e que mereceu apoio da Comissão Parlamentar da Economia e Finanças, pode ser também um importante contributo para esclarecer procedimentos ao nível dos bancos esclarecedores de situações que envolvem também corrupção.

  • 1. in Publico, 1 de Maio de 2018

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