São múltiplas as consequências já identificadas da pandemia da Covid-19, nos mais diversos domínios da nossa vida coletiva, em especial as de natureza económica e social.
Desemprego para muitos milhares de trabalhadores, encerramento de centenas de pequenas e médias empresas, acentuação das desigualdades territoriais, com particular agravamento das condições de vida das populações do Interior, são algumas das muitas maleitas que a pandemia gerou, para além das vítimas mortais que a doença já ceifou.
Neste contexto, cabe aos governantes definirem uma estratégia segura de resposta à situação, pautada por princípios de equidade e justiça social, materializados na adoção de políticas que potenciem a recuperação do tecido económico, salvaguardem os postos de trabalho, promovam a produção nacional e apostem no investimento público. Para completar este quadro, importa também que o Governo se liberte das tutelas constitucionalmente ilegítimas e assuma escolhas.
Entre os setores que urge reanalisar e ajustar às lições da Covid-19 conta-se o sistema de segurança interna, nas suas múltiplas variáveis, nomeadamente quanto à sua componente de gestão de crise.
O sistema vigente está alicerçado em paradigmas que a pandemia veio questionar e, até, tornar obsoletos.
O recurso a secretários de Estado para gerirem regionalmente a resposta à crise da Covid, num manifesto reconhecimento da necessidade de um nível intermédio de responsabilidade política entre o central e o municipal; a pretensa reorganização regional do sistema de proteção civil, com a criação de sub-regiões sem a adequada solidificação das estruturas de agregação municipal; a utilização das Forças Armadas como força de vigilância policial; a fragilidade estrutural da saúde publica e da Segurança Social, do qual o dossier dos lares é um expressivo exemplo; a criação de um sistema de planeamento civil de emergência, burocraticamente instalado na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) e liderado, por acumulação, pelo presidente desta entidade; a opção política de sobrevalorizar o risco de incêndio florestal, no quadro da segurança interna, (para o qual foi criada uma Agência, com significativos recursos humanos e financeiros, na dependência direta do primeiro-ministro), com a consequente desvalorização da restante matriz de risco do território nacional; a falta de um programa de qualificação e dignificação dos recursos humanos alocados à proteção de pessoas e bens, nomeadamente dos corpos de bombeiros, são apenas alguns exemplos da inexistência de um projeto sistémico integrado para o exercício da função do Estado, no domínio da gestão de crises.
«O sistema vigente está alicerçado em paradigmas que a pandemia veio questionar e, até, tornar obsoletos.»
É legítimo reivindicar ao Governo uma nova política para a vertente da proteção de pessoas e bens, face às situações de crise que se perspetivam para o futuro, tal como antevê todo o conhecimento disponível.
A Covid constitui uma oportunidade para mudarmos, para não voltarmos à normalidade e às soluções que a vida demonstrou estarem erradas.
Estamos ainda na situação de resposta à emergência, pelo que não é exigível que se façam agora as mudanças necessárias. Mas este é o tempo certo para o Governo reconhecer que a conceção sistémica no qual insiste (caracterizado pela produção de legislação avulso, a fragmentação de órgãos e estruturas, a dispersão de tutelas ministeriais e a confusão entre serviço (ANEPC ou Direção-Geral da Saúde) e sistema (Proteção Civil ou Saúde Publica), constitui um grave erro que a pandemia tornou indisfarçável.
Se este reconhecimento se verificar, abrir-se-á então o caminho para a apregoada «revolução tranquila» do sistema de gestão de crise e das respetivas estruturas de suporte.
Entretanto, e até lá, não abdiquemos do escrutínio das medidas avulsas que vão sendo adotadas pelo Governo sem a reflexão que garanta a sua sustentabilidade e eficiência.
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