O objectivo da nova legislação seria, segundo o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, «prestigiar» os acordos colectivos, que teriam poder para flexibilizar direitos previstos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Também o presidente interino, Michel Temer, disse na semana passada, no decorrer de uma reunião com empresários e o ministro da área económica, que o seu governo «vai enfrentar todas as resistências» para aprovar as reformas nas áreas da Segurança Social e do Trabalho, informa o Brasil de Fato.
Uma semana antes, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, apontou como exemplo para o Brasil, após reunião mantida com Temer, o caso da França, «que passou a permitir jornada semanal de trabalho de até 80 horas». As declarações tiveram um impacto muito negativo, de tal forma que a CNI teve de ver a público corrigi-las, afirmando que, na França, o máximo seriam 60 horas e que Andrade se tinha enganado na alusão.
Mais trabalho, menos salário
A reforma laboral que o presidente em exercício pretende enviar ao Congresso brasileiro até ao fim deste ano vai permitir que as convenções colectivas prevaleçam sobre as normas legais. Para a CNI, a proposta aponta o caminho para a «modernização» as relações de trabalho no Brasil.
Contudo, alerta a advogada Fernanda Rocha, quando o governo fala em «prestigiar» a negociação colectiva, na verdade o que está em causa é uma «falácia» para legalizar o corte de direitos. «Liberdade para que se reduza direitos não é dar liberdade, mas colocar uma faca no pescoço dos sindicatos», declarou ao Brasil de Fato.
Na prática, os preceitos da CLT deixam de regular a jornada laboral e o salário, e, assim, as empresas podem condicionar os aumentos salariais, por exemplo, a questões como «o maior parcelamento das férias, a redução do intervalo de almoço ou o aumento de jornada diária», refere ainda a advogada.
Fernanda Rocha explica também que já existe liberdade nas negociações colectivas: «As convenções servem para ampliar direitos dos trabalhadores já previstos na CLT, mas nunca reduzir esses direitos. O que se está a propor é uma autorização para que os sindicatos negoceiem abaixo do que está na lei e, até mesmo, na Constituição», disse.
Jornada e banco de horas
Um dos objectivos do sector empresarial, defende Fernanda Rocha, é mexer no «banco de horas», para o tornar ilimitado. Aprovado em 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o banco de horas já foi uma flexibilização da legislação laboral. Antes, o trabalhador, para fazer horas extra, deveria receber o valor adicional de 50% sobre cada hora trabalhada.
Com o banco de horas, as horas extra deixaram de ser remuneradas e passaram a ser compensada com folgas. Além disso, o banco de horas só pode ser validado por meio de negociação colectiva, com o prazo máximo de um ano para compensação, e não pode exceder duas horas extras diárias.
Com o fim dessas restrições, as empresas poderão aprovar, em acordo colectivo, jornadas diárias superiores a 10 horas. «A ideia é que, em época de alta produção, os empregados trabalhem 15, 16 horas e, na época de baixa produção, a empresa possa atribuir folgas colectivas», exemplifica Fernanda Rocha, advogada na área do trabalho.
«À primeira vista, o trabalhador pode até achar interessante a possibilidade de acumular folgas, mas existem orientações tanto da Organização Internacional do Trabalho [OIT] quanto da Organização Mundial da Saúde [OMS] sobre os riscos do excesso de jornadas, principalmente jornadas superiores a 10 horas diárias. O entendimento do TST [Tribunal Superior do Trabalho] também é de que limite de jornada é uma questão de saúde e segurança do trabalhador, e não pode ser negociado. O direito do trabalho também existe para proteger o trabalhador dele mesmo», argumenta Fernanda, citada pelo Brasil de Fato.
Na flexibilização pretendida pelo governo Temer, também seria possível reduzir o salário dos empregados por meio de acordo colectivo. «Num ano em que a empresa tiver prejuízo, ela pode reduzir o salário dos empregados sem, necessariamente, reduzir a jornada», afirma Fernanda. A serem aprovadas, todas estas mudanças «são flagrantemente inconstitucionais e serão questionadas no Supremo Tribunal Federal e no TST», conclui.
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