|Orçamento do Estado

Despesa boa e despesa má

Quando o aumento extraordinário das pensões ou possíveis aumentos salariais são «riscos de desvio» para as contas públicas, mas mais dinheiro para o Novo Banco é uma decorrência do acordo de capitalização.

CréditosMÁRIO CRUZ / Agência LUSA

Não é nova – mas nem por isso deve deixar de ser sinalizada sempre que surge – a visão dicotómica entre políticas que são vistas como «riscos de desvio» para as contas públicas (como o investimento nas funções sociais do Estado), em contraponto com as «prementes necessidades financeiras» de acudir à banca privada.

O Conselho das Finanças Públicas (CFP) vem juntar-se, sem surpresas, ao rol daqueles que entendem ser preocupantes medidas que representam «aumento da despesa» na proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2020.

É já recorrente a análise de diferentes instituições – como a Comissão Europeia (CE) ou agora o CFP – que optam por se alhear do impacto social e económico de determinadas políticas necessárias para as populações e o interesse nacional, privilegiando uma visão economicista que beneficia os mesmos de sempre.

É que o juízo, puramente numérico, não se estende a outras dimensões da «despesa pública», como acontece com os casos em que se chama o Estado a salvar a banca privada.

É essa a lógica subjacente à análise divulgada esta terça-feira pelo CFP, que entende que a «evolução programada da despesa» apresenta desvios de «despesa primária líquida de medidas discricionárias e de medidas temporárias e não recorrentes».

É uma «ajudinha» aos puxões de orelhas que a CE já deu ao País, agora pela voz do CFP, que vê no OE para 2020 «um risco de desvio face ao cumprimento das regras comunitárias tal como reflectidas na mais recente Recomendação do Conselho da União Europeia».


Mas, se esse raciocínio se aplica a mais investimento público em infra-estruturas ou serviços públicos, no mesmo documento do CFP admite-se que pode haver a necessidade de mais injecção de capital no Novo Banco do que aquela que vem prevista na proposta de OE para 2020, «dadas as obrigações decorrentes do Acordo de Capitalização Contingente daquela instituição bancária».

É só mais um episódio que ilustra as opções políticas de quem profere determinadas análises. Aqueles que apoiaram a venda de 75% do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star, em 2017, na qual se acordou a possibilidade de se vir a injectar 3,89 mil milhões de euros no Novo Banco até 2026 (só em 2017 e 2018, este banco já recebeu 1941 milhões de euros...), são os mesmos que vêem como «desvios na despesa» políticas de maior justiça fiscal – taxando mais o capital e menos os trabalhadores –, a eliminação das propinas ou o fim da precariedade na Administração Pública.

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